Elton Arruda: Um Piauí na Guerrilha do Araguaia
Em janeiro de 1969, poucos meses depois que a ditadura militar instalou o “estado de terror” através do AI-5, era elaborado pela direção nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) o documento intitulado “Guerra popular, o Caminho da Luta Armada no Brasil” que apresentava a identidade programática do movimento armado que ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia.
Por Elton Arruda*
Publicado 29/06/2016 11:47
Ao fim da década de sessenta, algumas dezenas de jovens militantes do PCdoB permeavam suas ideias pelas trilhas, matas, córregos e, principalmente, em meio ao povo natural da região. Era feita a propaganda que conclamava um mundo novo, justo e solidário, através do maior recurso didático da história: o exemplo de vida!
Em poucos anos conquistaram aliados e apoiadores, engendraram-se no cotidiano popular aprendendo e ensinando com o povo, sendo povo, confiaram e ganharam confiança. Nesse curso também despertaram atenção de implacáveis inimigos, viraram ameaça real aos poderosos. A repressão a este movimento foi brutalmente desproporcional, banhou de sangue brasileiro toda a mata, por meio de três grandes campanhas militares e operações de inteligência gigantescas envolvendo milhares de militares fortemente armados. Em 1975 o movimento estava contido.
Por sua bravura e o sacrifício que exigiu, cabe às novas gerações erguer a memória heróica de seus lutadores, dentre eles, um jovem conhecido como Piauí que, se vivo, teria completado, em 12 de junho de 2016 seus 73 anos de idade. Seu nome verdadeiro era Antônio de Pádua Costa, nascido na cidade de Luiz Correa, litoral do Piauí. Com aproximadamente 24 anos já militava no movimento estudantil atuando no Diretório Acadêmico do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) onde também era do Conselho do Dormitório do Alojamento do “Fundão”. O jovem piauiense era estudante de Astronomia, afeito a raciocínios complexos, mas com muito senso prático, era de fato um pensador e um executor.
Foi logo em 1968, durante o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) que Antonio de Pádua entra no radar funesto da repressora ditadura militar. No frio matinal de um sítio no município de Ibiúna, no sul de São Paulo, algumas centenas de agentes do DOPS e da Força Pública fizeram cerco definitivo ao Congresso que se pretendia clandestino. Vários ônibus foram lotados de estudantes
e, entre eles, Antonio de Pádua foi levado para o presídio de Tiradentes e, por este não comportar todos os estudantes presos, depois foi transferido para Carandiru. Desde esse episódio histórico na luta dos estudantes brasileiros passa a viver sob cerco e perseguição da ditadura e, sem alternativas, cai na clandestinidade.
Mesmo antes de mudar para a região do Araguaia, Antonio de Pádua – um ativo integrante do PCdoB – já tinha relação com as movimentações no Araguaia. Acredita-se que ele arrecadava contribuições e donativos na universidade para a guerrilha até 1970, quando vai definitivamente se juntar aos seus nas matas do Sudeste do Pará. A partir de então, de armas em punho, o jovem guerrilheiro já com 27 anos, passa a interagir com a comunidade. Descrito por moradores da região como alegre e brincalhão, se entrosava fácil, mas não se apartava da arma nem para dançar nas festas.
O guerrilheiro Piauí combate nas matas até o começo de 1974 como Vice-Comandante e depois Comandante do Destacamento ‘A’. Depoimentos revelam que Antonio de Pádua, após um confronto do seu destacamento com o Exército teria vagado por semanas pelas matas na companhia de um garoto que era filho de um companheiro de armas já morto. Esse gesto revela a generosidade do revolucionário que dividiria então seus cuidados e parcos recursos entre a defesa da própria vida e o zelo pela criança órfã.
Quando foi entregar em segurança o garoto aos seus tios na cidade de São Domingos, foi traído e entregue aos militares que combatiam a guerrilha que amarraram e encapuzaram o guerrilheiro faminto e cansado para levá-lo à base de Bacaba. Uma vez preso, Piauí foi levado para a mata várias vezes para entregar esconderijos e depósitos de armas de seus companheiros. Os depoimentos revelam que o guerrilheiro andou com guias a serviço dos militares apontando lugares que não eram mais usados pela guerrilha.
As informações apontam que no fim de março de 1974 Piauí teria sido levado para a Casa Azul, em Marabá, onde funcionava um centro de torturas para tentar obter mais informações. Quando perceberam que de nada lhes serviria aquele preso, as forças da repressão barbarizaram seu corpo com balas numa vala no coração da selva, onde também repousavam mais dois cadáveres. Era finda a curta, mas intensa e heróica vida de um comunista, piauiense, guerrilheiro do Araguaia e defensor da democracia.