O Brasil em liquidação: Eletrobras é a bola da vez

A manobra de Temer para tomar o poder em nome da plutocracia tem um objetivo claro: acelerar o processo de depredação e entrega do patrimônio público! A imagem de uma empresa completamente falida criada pelo governo e imprensa não corresponde à realidade.

Por Rita Dias, no Brasil Debate

energia eletrica - Reprodução

Está claro que a privatização da Eletrobras a toque de caixa é um objetivo do Governo interino que, para alcançá-lo, deu início aos trabalhos com o apoio da mídia. Notícias sobre a situação econômico-financeira da Eletrobras foram destaque nos principais veículos de mídia desde que Temer assumiu interinamente a presidência. Isso é mais uma expressão do comprometimento da mídia com interesses privados e da falta de compromisso com a informação. A Eletrobras não se encontra em situação confortável, mas não devemos acreditar em muito do que foi divulgado.

No primeiro dia de Governo interino, O Globo publicava matéria afirmando que a Eletrobras poderia ter que pagar até R$ 40 bi, valor correspondente a suas dívidas, devido à dificuldade da empresa para apresentar as demonstrações financeiras nos EUA (Formulário 20-F).

No dia 16 de maio, o mesmo jornal publicava que o ex-ministro Romero Jucá afirmava que, no cenário mais pessimista, a Eletrobras causaria um rombo nas contas públicas de R$ 40 bi, mas que os técnicos da área acreditavam que o mais provável fosse algo em torno de R$ 15 bi. Nessa matéria, relaciona-se esse risco à possibilidade de a empresa ter que resgatar seus recibos de ações (ADRs) negociados no mercado americano, também em função da não apresentação do Formulário 20-F.

O risco alardeado na primeira reportagem relacionado à existência de cláusula de cobertura (covenants) nos contratos de empréstimos contraídos pela empresa foi reiteradamente contestado pela Eletrobras, que afirmou que em nenhum dos contratos existe tal cláusula relativa à apresentação do Formulário 20-F nos EUA e que as cláusulas que permitem a antecipação dos vencimentos dos empréstimos se colocam só para o caso de não apresentação das Demonstrações Financeiras no Brasil. O risco de a empresa ter que “resgatar” os ADRs negociados no mercado americano, com o custo de R$15 bi, também foi logo contestado pela empresa.

Em matérias de pouco destaque, o jornal publicou os esclarecimentos, quando a empresa afirma que nenhuma das possibilidades aventadas era real.

Segundo a Eletrobras, caso a deslistagem da bolsa de Nova York ocorra (o processo está em curso), a empresa não sofrerá nenhum dos impactos alardeados. A Eletrobras afirma que o mais provável é que a deslistagem, caso ocorra, dê origem a ações contra a companhia e seus executivos (classActions), com um impacto financeiro provável bem menor do que os bilhões alardeados, além de impactar o valor e a liquidez das ações.

Na verdade, o grande risco se revelou uma farsa, com objetivo claro: criar um cenário fictício no qual a privatização se coloca como solução natural, ou única. A matéria de O Globo “Câmara aprova MP para salvar a Eletrobras” expôs os objetivos por trás da farsa, revelando a preparação da MP que permite, entre outras coisas, que a Eletrobras privatize suas subsidiárias.

Para onde aponta a mira dos investidores?

A Eletrobras é a maior companhia do setor de energia elétrica da América Latina, atua no segmento de geração, transmissão e distribuição, é controladora de 15 subsidiárias, uma empresa de participações e tem 50% do capital social de Itaipu Binacional. Além disso, diretamente ou através de subsidiárias, possui participação em mais de 170 Sociedades de Propósito Específico (SPE).

Importante ressaltar que, de fato, a Eletrobras apresenta prejuízos desde 2012 (veja Eletrobras: como matar uma estatal). Ainda assim, um olhar cuidadoso nas Demonstrações Financeiras da empresa revela que os R$ 34 bi de prejuízos acumulados entre 2012 e o primeiro trimestre de 2016 foram, em grande medida, afetados por 4 fatores: efeitos da Lei 12.783 (R$ 10 bi); perdas judiciais relacionadas ao empréstimo compulsório (R$ 11,6 bi); interrupção e atraso na obra da Usina Nuclear de Angra 3 (R$ 6 bi)[vi] e prejuízos acumulados da Distribuidora Amazonas Energia (R$ 6 bi).

Todavia, nesse período, a Eletrobras distribuiu a seus acionistas mais de R$ 9 bi de dividendos e juros sobre capital próprio. A Eletrobras também tem aprovado pela Aneel o direito ao recebimento de R$10 bi de indenizações, e um pleito por mais R$ 16 bi que deve ser aprovado em breve, montante à espera da finalização dos trâmites burocráticos e suficiente para mudar substantivamente a realidade da empresa.

Outra questão importante é o debate ainda em aberto sobre a dívida ligada aos Empréstimos Compulsórios, uma caixa preta, responsável por mais de R$11,6 bi do prejuízo e que, por conta de sua natureza, pode e deve ser repartida com a União.

O interesse econômico que rege as privatizações

As empresas na linha de frente da mira para privatização são as sete distribuidoras de energia. A Eletrobras marcou para 22 de julho a Assembleia de Acionistas que pode determinar pela renovação das concessões e a venda de seis empresas (o processo de privatização da CELG-D já está mais adiantado).

Na distribuição, a Eletrobras atua só em regiões de menor densidade e grande dispersão demográfica, amargando seguidos prejuízos. Essas áreas despertavam pouco interesse do setor privado. Mas, com o crescimento das regiões e a conexão de seus sistemas elétricos ao Sistema Interligado Nacional (SIN), o apetite do setor privado despertou.

As distribuidoras de energia privadas são conhecidas no mercado financeiro como “vacas leiteiras”, pois os investimentos costumam ser poucos e os dividendos, muitos. Quem mora no Rio de Janeiro e convive com faltas de luz e bueiros voadores enquanto a Light distribui generosos dividendos aos seus acionistas, pode confirmar. Quem viveu as agruras da atuação do Grupo Rede, quando este controlava a Celpa, também sabe que privatização não é sinônimo de melhoria do serviço.

A manobra de Temer para tomar o poder em nome da plutocracia tem um objetivo claro: acelerar o processo de depredação e entrega do patrimônio público! A imagem de uma empresa completamente falida criada pelo governo e imprensa não corresponde à realidade.

O modo de operar a privatização é antigo e foi muito utilizado na década de noventa: o Governo dá condições ao setor privado que não daria para a empresa pública, assumindo as dívidas e permitindo o aumento de tarifas, por exemplo. No fim, a conta fica mais cara, pois além de ficar sem os ativos, herdamos as dívidas, preços altos e o compromisso de sustentar as altas taxas de lucros exigidas pelos investidores.

Ainda que a arrecadação oriunda da venda de ativos públicos possa ser contabilizada como redutora do déficit imediato, com a privatização o governo perde os dividendos futuros das empresas privatizadas, o que pode tornar o benefício fiscal da operação muito menor ou até mesmo inexistente numa perspectiva de médio prazo.

O Governo perde também um importante instrumento para promoção de políticas públicas. Tudo leva a crer que a venda das distribuidoras é apenas o primeiro passo da liquidação da Eletrobras. A privatização da Eletrobras e esse modelo que prioriza o lucro na prestação de um serviço público devem ser vistos como um grave ataque ao patrimônio público. O fornecimento de energia elétrica é um direito humano e uma atividade essencial. Colocar esse direito em risco em nome dos lucros é uma temeridade.