Tonelli Vaz: “Querem construir um Orçamento excluindo o povo”

“Essa plataforma é um adeus a qualquer projeto de desenvolvimento com distribuição de renda e valorização do trabalho.” A frase é do assessor da Câmara dos Deputados, especialista em orçamentos e políticas públicas, Flávio Tonelli Vaz, e faz referência às medidas anunciadas pelo governo provisório de Michel Temer. Para ele, o interino busca excluir as demandas do povo do orçamento público. “Esse golpe não é na Dilma [Rousseff], mas nos direitos”, alertou.

Por Joana Rozowykwiat

Flávio Tonelli Vaz

Durante o Seminário Austeridade contra a Democracia, realizado na noite desta quarta-feira (7) em São Paulo, Tonelli Vaz teceu duras críticas ao Plano Temer para a economia.

De acordo com ele, trata-se de um conjunto de medidas que promove o desmonte da capacidade do Estado de intervir no processo de produção e distribuição de riquezas e de prestar serviços públicos à população, além de significar a supressão de direitos e garantias sociais.

“Essa é uma agenda que nunca emergiria das urnas. Aglutina o que há de mais atrasado, do ponto de vista do estágio que a gente tenta construir para a sociedade brasileira”, disse.

O assessor técnico da Câmara citou como instrumentos de implementação dessa política que visa à remodelação do Estado as privatizações; redefinições e limitações à atuação das estatais; desfinanciamento dos bancos públicos; desvinculação de receitas da União; a aprovação do chamado novo regime fiscal; mudanças constitucionais voltadas à redução de direitos sociais e uma reforma trabalhista prejudicial aos trabalhadores.

Ele destacou que, apesar de o governo ser provisório, sua plataforma propõe mudanças profundas, que comprometem a atuação dos próximos gestores.

“Tais medidas vão tornar essa uma situação que se impõe aos próximos governos. Não só porque destroem a capacidade do Estado de intervir, como porque colocam no texto constitucional limitações que tornam impossível aos próximos cinco presidentes – não importa o que as urnas decidam – fazer diferente do que está sendo feito. Vai se eternizando um conjunto de medidas que acaba com os graus de liberdade para se construir uma plataforma diferente de desenvolvimento e bem estar-social”, avaliou.

PEC 241, a “parteira” de todas as reformas

O especialista em Orçamento Público avaliou que a Proposta de Emenda Constitucional 241 – que já tramita no Congresso Nacional e busca limitar o crescimento dos gastos públicos primários – é a “parteira” de todas as outras reformas pretendidas por Temer.

Trata-se uma mudança no regime fiscal, de forma a fazer com que as despesas do governo não possam crescer mais que a inflação do ano anterior, durante um período de 20 anos.

Na prática, significa que não haverá aumento real dos gastos públicos. Ou seja, não será possível ampliar políticas públicas ou a cobertura de programas sociais, mesmo que a população cresça e a economia brasileira deslanche.

“É instalar um controle absoluto sobre a capacidade de ação do Estado, pela limitação das despesas públicas. [A PEC] coloca a execução orçamentária acima de qualquer pressão da sociedade. Mesmo que haja pressão por melhores gastos em saúde ou por maiores investimentos em educação, eles não poderão ocorrer”, vaticinou.

Direitos sociais

De acordo com ele, a iniciativa é de tal forma draconiana que impõe uma série de outras reformas, na saúde, na educação, nos direitos sociais, no financiamento de políticas públicas e nos direitos trabalhistas.

“O Estado terá que escolher quais serviços presta e a quem. Todas as soluções serão via mercado, portanto, não haverá condições de o Estado puxar um projeto de desenvolvimento com distribuição de renda e valorização de salários. A política fiscal passa a não conseguir mais ser utilizada como instrumento de expansão da economia ou como instrumento anticíclico, mesmo que durante essas duas décadas ocorra a pior das crises. Ou seja, elimina a capacidade do Estado de resolver problemas”, apontou.

O assessor da Câmara mostrou um gráfico que mostra a evolução, nos últimos 15 anos, da inflação, do Produto Interno Bruto e das Receitas Correntes Líquidas (abaixo). A partir da imagem, concluiu: “A capacidade econômica de produção de bens e serviços não é equivalente à inflação. [Com a aprovação da PEC] essa economia que eu gero não será apropriada pela sociedade numa forma de serviços públicos ou direitos. E o que o Estado arrecada também não será devolvido em forma de serviços públicos”, criticou.

Em outra tabela, ele mostrou as perdas que o orçamento da saúde, da educação e da seguridade social teriam sofrido, caso a regra fiscal já estivesse valendo desde 2005. Segundo ele, a PEC irá instaurar uma disputa entre as áreas do governo. “Se a educação crescer algo mais, alguém terá que perder. Se quiser vacinação a mais para o idoso, terá que cancelar a das crianças. Essa disputa é que se avizinha”, previu.

Orçamento sem povo

De acordo com a Constituição, “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Segundo Tonelli Vaz, com a plataforma de Temer, “disso aí, só vai restar um sistema para assegurar superavit primário”.

Como exemplo, ele citou o fato de que, na previdência, com a limitação imposta pela PEC, ou os aposentados teriam que perder o direito ao reajuste do benefício pela inflação ou um novo beneficiário só poderia ser incluído à medida que outro morra.

“Na assistência social, limitar o gasto à inflação significa que não posso descobrir na sociedade nenhum novo público alvo. Por exemplo, nesse último ano, tivemos a microcefalia. Esse pessoal vai ter direito ao benefício de assistência social para pessoas com deficiência. E, nos próximos 20 anos, eventos dessa natureza infelizmente podem surgir. Então, ou o benefício não será corrigido pela inflação, ou eu vou ter que suprimir público alvo”, projetou.

“O que está em discussão é como construir um orçamento sem povo. Todas as questões importantes para a população ficam fora do orçamento”, resumiu. Segundo ele, é provável que nem tudo que está na agenda Temer vá ser aprovado, uma vez que haverá resistência, mas alguns desses retrocessos deverão, sim, sem implementados.

Alternativas além do senso comum

Para Tonelli Vaz, é necessário debater esses temas e apresentar alternativas, desconstruindo uma espécie de senso comum criado pela mídia, em torno do discurso da austeridade.
Segundo ele, há toda uma geração que nasceu sob o neoliberalismo e cresce sob o signo do individualismo, “com a ideia de que você está desempregado porque não se esforçou e de que nada é um problema coletivo”.

Para o especialista em Orçamento Público, isso interfere na capacidade de pensar e construir outros caminhos e, portanto, é importante debater essas questões, resgatando a ideia de uma sociedade plural, solidária e que se contraponha à desigualdade.

O seminário foi promovido pela Plataforma Política Social e pelo Le Monde Diplomatique Brasile contou com a participação também dos economistas Pedro Rossi, João Sicsú e Fernando Rugitsky.