Brasil sofre intervenção de um partido judicial, Cristina Kirchner

A ex-presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, concedeu uma entrevista coletiva a veículos internacionais neste sábado (23) e falou sobre a “judicialização da política” que atinge seu país e também o Brasil. Para ela está muito claro que há uma “intervenção deste partido judicial”.

Cristina Kirchner - Divulgação/Facebook

Cristina também denunciou que seu país vive uma “diminuição intensa do Estado de Direito”, e disse não ter medo de ser presa, diante do que considera ser uma perseguição judicial à sua figura e ressaltou o avanço de uma “direita conservadora” na América do Sul.

Falou ainda que tanto a União Europeia, quanto o Mercosul, são mecanismos de integração que enfrentam problemas e estão em decadência, em contrapartida, acredita que o Brics pode ser “uma alternativa”.

Veja trechos de temas abordados pela ex-presidenta:

Acusações

Eu fui denunciada quatro vezes de não ser advogada e de ter diploma falso. Me investigaram por enriquecimento ilícito desde 1995 até 2012. (…) Nunca encontraram nenhuma conta minha no Panamá, não tenho nenhuma conta no exterior, nenhuma conta secreta.

Com relação ao medo de ser presa, não o tenho. Se tivesse, não teria feito as coisas que fiz no meu governo e também não teria militado nos espaços políticos que militei desde muito jovem. Ser peronista nunca foi fácil neste país. E nunca foi de graça.

Judicialização da política

Creio que o fenômeno que se vive na Argentina [de judicialização da política] tem ocorrido em outros lugares do mundo. Pelo menos em determinadas regiões vemos muito claramente o aparecimento de um partido midiático que julga publicamente, um partido judicial que é como o espelho desse partido midiático.

Na região é muito claro, como no do Brasil, onde podemos ver muito claramente a intervenção desse partido judicial.

Avanço da direita

Parece que há um retrocesso com relação ao que foram os governos nacionais e populares na região. Há um avanço do que podemos denominar direita conservadora ou restauradora quanto à exclusão social, quanto a abandonar a unidade regional, que primou tanto o espírito [de iniciativas] como a Unasul, o Mercosul ou Celac.

O que mais me preocupa [na Argentina] é que há uma diminuição muito notável da intensidade do Estado de Direito. Sempre a vigência do Estado de Direito tem sido um obstáculo para a imposição de programas [que provocam] miséria, fome, transferência de renda dos setores assalariados e classes médias aos setores mais ricos. Antes eram necessários golpes de Estado para colocar tais programas em marcha. Hoje, fazem por meio do partido midiático e do partido judicial.

Multipolaridade

O Mercosul está muito debilitado, a Unasul e a União Europeia também.
O Brics se apresentava como uma alternativa com o fundo especial do organismo, que seria um tipo de fundo alternativo ao FMI, mas depois tiveram dificuldades econômicas.

Em termos de economia e blocos econômicos, parecia que estava surgindo uma multipolaridade crescente no mundo, mas a situação de debilitamento da UE [União Europeia] nos revela como o que parecia ser uma multipolaridade sofreu uma deterioração e temos novamente um mundo unipolar ou algo que se parece bastante com isso.

Continente em disputa

Eu penso que [esta ideia de] continente em disputa começa a tomar forma claramente quando os governos nacionais e populares – Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia – começam a ter relações comerciais, políticas e econômicas com outros atores internacionais, fundamentalmente com a República Popular da China e com a Rússia.

A participação do Brasil com o Brics e a criação do fundo alternativo ao FMI, criou um alerta vermelho em um país como os Estados Unidos, que não está pensando em quem vai ganhar as eleições, se Hillary [Clinton] ou [Donald] Trump: o sistema norte-americano é o mesmo ganhe um ou outro.

Outra coisa fundamental: somos o grande produtor de alimentos, de matérias-primas no mundo. Por isso, somos uma região estratégica para o desenvolvimento e manutenção de qualquer país potência hoje no mundo. Eu considero que isso deve estar movendo os interesses, pensamentos e ações de tal maneira que exista uma limitação ao ingresso ou abertura dos nossos países a governos que obviamente também têm disputas comerciais e geopolíticas.