Viver com a consciência – o impeachment e a neurociência

Dia 29 de agosto próximo será histórico para o Brasil, quando o Senado Federal receber a Presidente eleita Dilma Rousseff para realizar a sua defesa, pessoalmente, no processo de impeachment.

Por Alexandre Weffort*

Manifestação contra o golpe - Paulo Pinto

Dilma apresentará a sua defesa, que será também a defesa de um mandato popular, a defesa da democracia enquanto sistema de representação da vontade coletiva através do voto, a defesa da cidadania brasileira que, neste início de milénio, deu passos significativos de emancipação e igualdade. A defesa é uma passo do processo e uma exigência da História.

Na obra titulada “O Livro da Consciência. A Construção do Cérebro Pensante”, o famoso neurocientista português António Damásio propõe um conceito de homeostase sociocultural, pretendendo com ele referir “a contribuição dos sistemas económicos e políticos (…) [enquanto resposta a] desequilíbrios provocados por comportamentos sociais que fazem perigar os indivíduos e o grupo. (…) A contribuição dos sistemas económicos e políticos (…) eram uma resposta aos problemas funcionais que ocorrem no espaço social e que exigem correcção dentro desse espaço” (pg. 358).

Damásio chega ao problema sociocultural através da neurociência. Mas a sua conclusão poderia ser também resultado de um pensamento político. Neste início de milénio, com os governos Lula e Dilma, o Brasil deu passos fundamentais na promoção da cidadania, trazendo benefícios básicos da vida social moderna a milhões de brasileiros que se viam privados dessas condições elementares.

Podemos assinalar esses benefícios referindo os programas sociais no plano da habitação, da educação, da alimentação, da saúde. Esses programas podem ser descritos em termos do investimento que representam e do seu custo (essa visão económica pode, no entanto reduzir-se a uma visão economicista, que é a que guia o pensamento neo-liberal). E, mais difícil, mas mais elucidativo, será a consideração do custo que representará para o Brasil a ausência desse investimento social (é outra forma de exercer o pensamento económico, mas num sentido progressivo, de promoção do desenvolvimento integral do ser humano).

O governo interino de Temer, orientado no sentido do neoliberalismo, manifesta um entendimento redutor da sociedade à questão financeira. É manifestamente incapaz de compreender o alcance do conceito proposto por Damásio. Este cientista coloca a questão da homeostase sociocultural como conceito e critério evolutivo da humanidade a partir do estudo do cérebro e da consciência, num capítulo intitulado “Viver com a Consciência”.

Essa condição – ser consciente – foi o que, em essência, determinou o caminho seguido pelo Brasil nesta sua breve experiência democrática. Construído na conjugação de inúmeras vontades, nas iniciativas e lutas mais variadas, trata-se da consciência definida pelo conceito de cidadania.

No final já próximo do processo de impeachment, o caminho de construção da cidadania no Brasil continuará a ser trilhado. A evolução das condições de cidadania é uma exigência da vida. Resta apenas saber se, no imediato, se as instituições brasileiras estão à altura – no plano ético – das exigências históricas. Os Senadores determinarão o modo como o processo de impeachment será concluído: terão de ‘viver com a sua consciência’, por mais que lhes pese.

Tendo no Estado um suporte para o desenvolvimento sociocultural ou, pelo contrário, como mero instrumento de dominação das classes abastadas sobre os demais, o Brasil, os trabalhadores e os brasileiros no seu conjunto, viverão com a consciência colectiva, com a consciência de classe, com a consciência nacional, com a consciência política de cidadania construída nas lutas sociais, no exercício pleno da democracia.

E… Fora Temer!

*Alexandre Weffort, residente em Portugal, é professor, mestre em Ciência das Religiões e doutorando em Comunicação e Cultura

(Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho)