Publicado 01/09/2016 10:05 | Editado 04/03/2020 16:24
Logo no nascedouro do golpe de 2016, escrevi um artigo abordando o sentimento de uma criança de nove anos quando do prelúdio da ditadura militar. Com o título “Da criança de 64 ao Médico pela democracia”, relatei a angústia vivenciada nesse período sombrio da nossa história. No fatídico 31 de março de 1964, o dia do início do Golpe, eu era essa criança e não tinha discernimento para compreender inteiramente o que acontecia ao meu redor. Hoje, 31 de agosto de 2016, sou um sessentão, Médico pela Democracia, muito experiente e consciente do meu papel na resistência a tudo que este novo golpe representa.
Ao votarem pelo impeachment da Presidente Dilma, 61 senadores representando um grupo de fascistas golpistas decretaram, mais uma vez, pena de morte à democracia brasileira. Os efeitos deste ato insano serão sentidos por anos a fio. Um álibi perfeito e a chave mestra para Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Congresso abrirem processos contra governantes eleitos democraticamente sempre que eles contrariarem os interesses de uma maioria parlamentar ou os projetos inconfessos de seus apoiadores.
De agora em diante, não interessa se o gestor cometeu ou não crime de responsabilidade, até uma presidente honesta foi condenada sem crime, imaginem um reles prefeito ou governador. A pena máxima de cassação, como em 1964, será utilizada a torto e a direito. O pacto da democracia foi rompido. O exemplo do Senado golpista vale mais que mil palavras.
O insensato jurídico cometido e o grave ataque à democracia perpetrado será fator de instabilidade social e política. Os derrotados nas urnas acalentarão o seu inconformismo na possibilidade de um terceiro turno no tapetão dos impeachments da vida. A trupe de Aécio Neves e seus partidos rejeitados pelo povo são a prova inequívoca de que funciona. O futuro que nos espera é sombrio e nebuloso. Abrimos uma ferida sem precedentes em nossa democracia. Quem viver verá!
Em sua defesa no Senado, Dilma cravou de forma indelével nos anais da nossa história os patrocinadores do golpe: a estaca foi no usurpador Michel Temer, no gangster Eduardo Cunha, no infame derrotado Aécio Neves, na grande mídia, nos tubarões do capitalismo nacional e internacional, em parte do judiciário, nos deputados e senadores golpistas de ocasião. Digo que quem trabalhou ou tramou a favor desse impeachment não merece nada além do que a alcunha e o carimbo de canalha golpista.
Dilma, durante todo o processo que sofreu, manteve a postura da maioria das grandes mulheres, destemida, revelou a força e a altivez das heroínas. Ela não temia o seu afastamento, pois a única morte a ser temida por um ser digno e decente é a da sua honra e, na conjuntura atual, teme-se também a ruptura da democracia pela qual tanto lutou.
O rebuscado português com suas mesóclises do usurpador Temer serão agora a tônica do dia a dia. O projeto rentista derrotado em 2014 deve ser, de forma desenfreada, pautado e a sua implantação buscada de todas as formas. Entretanto, o povo nas ruas, os movimentos sociais, os trabalhadores, os intelectuais, os jovens, os estudantes e os progressistas deste país, como em 1964, resistirão.
A derrota do Golpe de Estado baseado no processo fraudulento de impeachment da Presidente é uma questão de tempo. Ele já nasce fracassado. O discurso de Dilma, o peso da injustiça cometida, o calvário da democracia, os ensinamentos da resistência, a lucidez de quem sabe que está do lado certo são motivos de sobra para termos certeza da vitória.
Sonho com uma vida mais justa, com melhor distribuição de renda, democracia para todos e não com anos de escuridão e trevas pelos quais passei. Agora, para mim e muitas outras crianças de 1964, é a segunda chance, como falei no meu artigo anterior, de lutar contra um usurpador.
Conclamo todos para nossa nova luta, agora não contra as baionetas, mas sim contra os golpistas parlamentares e seus exércitos de entreguistas e fascistas. Não vai ser por falta de mobilização que vamos perder mais uma batalha. Vamos combater o Golpe de 2016. Não estamos sós!
*Arruda Bastos é médico, ex-secretário da saúde do Estado do Ceará, professor universitário e um dos coordenadores do Movimento “Médicos pela Democracia”.
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