Paulo Pinheiro, ex-secretário de FHC: "A saída está na resistência"

Em artigo publicado no Le Diplomatique, Paulo Sérgio Pinheiro, que integrou a Comissão Nacional da Verdade e foi ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso faz uma análise da conjuntura política do país e do governo de Michel Temer. "Se alguém tinha dúvidas sobre a má-fé e os objetivos reais do impeachment, os primeiros dias de governo do presidente interino foram muito didáticos", diz ele.

Comissão Internacional Independente de Investigação da ONU - ONU

"O Congresso que derrubou a presidenta Dilma Rousseff agora deita e rola na condição de herdeiro solitário do Poder Executivo. Uma tragédia anunciada para todos que defendem a democracia no Brasil. Deter esse processo de rápida degradação institucional não pode ser mais visto como um objetivo da esquerda ou de um partido; é uma questão de princípios para quem acredita na democracia", salientou.

Para Paulo Sérgio, o "impeachment foi um sórdido pacto de conspiração para fuga da justiça de muitos que operaram sempre à revelia da lei" e um caminho para impor ao país "reformas que jamais teriam apoio popular e liquidar os direitos conquistados na esteira da constitucionalidade de 1988".

"Por isso nossa situação é tão grave. Estamos no pior dos mundos. Um bando de gângsteres políticos, que jamais saiu do poder nas três décadas de democracia, vendeu ao establishment econômico que o apoiou a tramoia insana de derrubar uma presidenta pela acusação bizarra de pedaladas fiscais, que jamais constituiriam um crime de responsabilidade", enfatizou.

No texto escrito antes da votação do impeanchment, Paulo Sérgio reforça que o golpe não é apenas uma disputa político-partidária, como tenta dizer a grande mídia, "mas um golpe que visa reverter os mínimos ganhos que o Brasil teve nas últimas três décadas de relativa estabilidade institucional".

"No pacto entre o Boi, a Bala, a Bíblia e os Bancos, o establishment rastaquera do novo milênio revive os mesmos arranjos na coxia, nas sombras das casas-grandes de Brasília, onde não faltam parlamentares acusados de explorar mão de obra escrava, em uma tentativa de juntar todo mundo, o Supremo, militares, políticos, jornais e “estancar essa sangria”; e, além disso, passar medidas que eles sabiam jamais sobreviveriam ao crivo do voto"', afirma.

Segundo Paulo, "para os direitos humanos, o desastre é total". "Além do rebaixamento de ministérios, o grupo que chega ao poder traz uma armada de projetos que sonha dinamitar tudo que se construiu desde 1988. Tem projeto de lei para tudo que é gosto. Diminuição da idade laboral e da maioridade penal, suavização da definição de trabalho escravo, derrubada do Estatuto do Desarmamento, proibição do aborto para mulheres que sofrem estupro. Não há diálogo possível com um grupo tão transparente em sua associação ao crime e tão despudoradamente alheio a qualquer manifestação da vontade popular", disse.

E completa: "A única saída está na resistência e na mobilização da sociedade civil dentro e fora do Brasil. Nosso consolo nessa luta difícil é que o governo interino vive nas trevas dos gabinetes em que nasceu. O ministério foi essa vergonha de homens brancos e investigados não só para garantir o pacto de sempre, mas para perverter o curso da ação da justiça. O próprio presidente interino foi diretamente mencionado numa acusação de solicitar recursos ilícitos para financiar a campanha política de um aliado seu em São Paulo".

Ele defende a unidade dos movimentos para combater o golpe contra a democracia. "Agora, é fundamental que todos os movimentos não se fragmentem. Não tenho dúvida de que as forças do golpe apostarão todas as suas fichas nisso. Serão agrados aqui e acolá. Pedidos de desculpas, medidas revogadas. Apontarão também para as naturais diferenças de agenda das várias correntes progressistas. Para além de cada bandeira, como a dos direitos da mulher, dos afrodescendentes, sem teto, da saúde, cultura, educação, o ponto central deve ser “fora, Temer”. Esse é o eixo que nos une agora. Enquanto vivermos na anomalia institucional, o diálogo será impossível", destaca.

Ele finaliza defendendo a realização de eleições gerais. "Que sejam logo chamadas eleições gerais para renovarmos esse quadro político apodrecido que temos atualmente. E, claro, a médio prazo não podemos perder a chance dessa crise para pensar uma reforma política que limite o poder assustador das forças conservadoras de sempre, com a cláusula de barreira e o controle do financiamento privado das campanhas políticas para impedir que mandatos sejam comprados por grupos de interesses, como hoje ocorre".