Reino Unido: Corbyn se fortalece para consumar virada à esquerda

Jeremy Corby teve seu mandato como líder do Partido Trabalhista britânico confirmado na segunda-feira (26) e deverá continuar o trabalho de conduzir a agremiação para posições mais à esquerda, preocupando transformar essa vitória em um movimento popular que possa impelir o partido para ganhar eleições.

Jeremy Corbyn

Cobryn venceu a batalha pela liderança, com três pontos percentuais a mais (61,8%) que um ano atrás. A rebelião dos deputados, capitaneada pelo deputado Owen Smith, fica neutralizada. Mas a fissura que os separa da militância continua aberta.

Os movimentos de uns e outros permitirão comprovar se o chamado à união formulado pelo vencedor se traduzirá em uma mão estendida a seus críticos e se estes remarão a favor de uma corrente que acreditam afastá-los das preocupações do conjunto dos britânicos.

Com uma vitória que era dada como certa, a medida do sucesso ou fracasso de Corbyn está na comparação com seu resultado de um ano atrás. E ele o superou. Obteve quase três pontos a mais com um eleitorado ainda mais numeroso.

De fato, como muitos de seus seguidores apontavam na segunda-feira, esses 61,8% de apoio teriam sido ainda maiores se não tivessem sido introduzidas, de última hora, medidas eleitorais que excluíam uma parte importante dos novos afiliados.

Seu discurso de posse nesta segunda-feira foi substancialmente diferente do que pronunciou há um ano. Desta vez, Corbyn apelou para o conjunto dos eleitores. O partido, esclareceu ele, está aqui para ganhar as eleições.

“Temos muito mais em comum do que aquilo que nos divide. Vamos começar uma nova página a partir de hoje e empreender juntos o trabalho que temos de fazer como partido”, disse.

Os dois lados são unidos por um inimigo comum, os conservadores, e pela convicção de que uma guerra prolongada seria devastadora. Mas essa guerra continua aberta. A militância se sente atacada por um aparato que insiste em silenciá-la.

Os deputados se consideram boicotados por simpatizantes recém-chegados, carentes de lealdade ao partido e intolerantes à divergência.

Em seu primeiro ano de liderança, Jeremy Corbyn sofreu uma pressão sem precedente na moderna política britânica. Uma hostilidade unânime na imprensa somou-se às conspirações para derrubá-lo latentes desde o primeiro dia.

A demissão em massa e coordenada de 60 membros da equipe de oposição. Um golpe ostensivo, em meio a uma crise nacional, em que 172 dos 230 deputados trabalhistas retiraram sua confiança. E assim que foi aberta a corrida pela sucessão, procuraram excluí-lo da contenda tentando obrigá-lo a reunir o apoio do grupo parlamentar para apresentar sua candidatura.

Mas Corbyn, como ele mesmo se encarregou de dizer, transformou o Partido Trabalhista no maior partido político da Europa. Aproximou da política tradicional uma geração que repudiava seus mecanismos.

Ainda se verá se o socialista de 67 anos, veterano da política de protesto, é quem vai traçar o novo caminho da esquerda social-democrata do país.

O trabalhismo, por mais que alguns resistam a admitir, tem hoje pouco a ver com o que era antes da Grande Recessão, quando a Terceira Via de Blair ganhou três eleições gerais.

O próprio Owen Smith – que pediu união na segunda-feira e deixou aberta a porta para aceitar um cargo na equipe de oposição – reconheceu a mudança no partido ao centrar sua campanha na falta de liderança e não na ideologia.

A vitória não apaga os indícios que apontam para a desconexão do projeto de Corbyn com o eleitorado geral. Algumas de suas posições, como a nacionalização das ferrovias, são compartilhadas pelo conjunto dos eleitores.

Mas seu apoio inequívoco ao desarmamento nuclear unilateral, sua política externa um tanto extravagante e seus laivos marxistas fazem dele, segundo seus críticos, inelegível.

Aos derrotados resta agora respeitar o inequívoco mandato democrático. Demonstrar que é possível o delicado equilíbrio entre compartilhar o essencial e divergir no substancial, que existem vias intermediárias entre o silêncio e a sabotagem.

Deverão reconhecer que não foram capazes de propor uma visão alternativa que convença suas bases. E terão de tolerar uma permeabilidade cada vez maior do partido para absorver a energia do maciço movimento popular que o cerca.

A alternativa é partir. A ameaça de uma cisão continua pairando sobre o partido. Fala-se de uma formação de centro e pró-europeia capaz de atrair também os liberal-democratas e parte dos conservadores.

Mas é difícil esquecer a nefasta experiência do Partido Social-Democrata formado por centristas rebeldes em 1981: o sistema eleitoral britânico, que permite apenas um deputado por circunscrição, castiga os partidos emergentes e pequenos.

A vitória avassaladora não exime o ganhador da pressão. A falta de preparo atribuída ao caráter inesperado de sua primeira vitória não será mais desculpa para hesitações e erros como os que marcaram seu primeiro ano de liderança.

O partido deverá agora pronunciar-se sobre políticas concretas. No desafio mais importante que o país enfrenta, o de definir qual será seu lugar no mundo depois do Brexit, deverá decidir se quer ser a voz dos 48% que votaram a favor da permanência na UE. Uma vez definido o partido que deseja, cabe ao trabalhismo de Corbyn definir seu modelo de país e defendê-lo perante os britânicos.

Fonte: El País