Donald Trump não é a fraude nigeriana 419

No início da corrida para a nomeação do Partido República, um artigo fez furor: Donald Trump está a fazer a fraude nigeriana 419.

Donald Trump

A alegoria de James Altucher era simples: nesse esquema, um email com erros ortográficos é enviado por um suposto filho de um príncipe nigeriano morto que pede a nossa informação bancária para libertar 20 milhões de dólares que partilhará conosco. No final rouba todo o nosso dinheiro.

O busílis, argumenta, está nos erros: “qualquer pessoa no topo dos 90% das pessoas racionais sabe que um email mal escrito de um príncipe nigeriano é uma fraude”, os autores da fraude estão a excluir estes à partida para se fixarem nos 10% que podem cair.

Trump estaria a fazer o mesmo, a dizer as coisas mais estúpidas e ultrajantes, filtrando automaticamente o topo racional para se fixar nos 12% de eleitores idiotas. Acrescenta que não há qualquer outro candidato para esse eleitorado. O corolário da tese era “ele sabe que tem zero possibilidades de ganhar a nomeação republicana por um milhão de razões”.

O tempo mostrou que o corolário estava errado. Mas, mais importante é saber que os pressupostos estão errados. Trump falava para a maioria, de tal forma que ganhou a nomeação republicana com o maior número de votos de sempre. E, pelo menos até ao aparecimento de um vídeo periférico que nada acrescentou ao que se sabia sobre o próprio, era um sério candidato a disputar as eleições norte-americanas.

O principal erro é desvalorizar Trump por ser um pantomineiro. Berlusconi dominou e mudou a política italiana; na Hungria, Orban dirige e o maior partido da oposição está à sua direita; Farage ganhou as europeias e impôs o Brexit nos seus termos; Marine Le Pen teve igual vitória nas europeias e – à semelhança do seu pai – espreitas as presidenciais.

É paradoxal, mas a maior vitória de Trump – que começou a campanha a ser encarado como um palhaço pelos seus adversários – é precisamente ter sido levado a sério e ter integrado o mainstream. Não foi o único a construir esse facto, as condições já lá estavam.

Com o advento do Tea Party, o Partido Republicano extremou as suas posições. Fundamentalistas religiosos e ultraconservadores começaram por perder eleições internas mas obrigando o establishment do partido a assumir as suas posições para os derrotar. Foi esse passo que deu a legitimidade democrática a propostas lunáticas.

Por isso, o Tea Party passou também a ganhar algumas eleições internas. Trump corresponde a esse caldo cultural, de ódio, de racismo, xenofobia, misoginia, da fratura social, do nós contra eles – em suma – do medo, apenas lhe conferiu um tom histriónico.

Donald Trump tem ainda outro trunfo: o de ser a antítese de si próprio. Assume-se contra o sistema quando não só representa a burguesia, como é mesmo um do top 1%. Mas, num país onde a política do existente desilude tanto, colhe os frutos a descrença do sistema.

Como diz John Foot, “a lição para a América é que durante demasiado tempo Berlusconi foi tratado como uma piada e um palhaço. No final, ninguém estava a rir”. É de fato a lição para todos e todas nós.