Judicialização da política agrava crise entre os poderes

Analistas afirmam que o episódio que esquentou o clima entre entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e a presidente do Supremo Tribunal Federal, a ministra Carmen Lúcia, é a demonstração da judicialização da política no país, que coloca em risco a representatividade e o Estado Democrático de Direito.

Em meio à crise, chefes dos Três Poderes se reúnem para discutir segurança - Palácio do Planalto

Trata-se do embate entre os Três Poderes após uma operação da Polícia Federal autorizada por um juiz de primeira instância que resultou na prisão de quatro integrantes da policia legislativa.

“A Constituição é bem clara, dá independência e harmonia entre os poderes, no sistema de freios e contrapesos. Fica desagradável e perigoso para os representantes tanto do Congresso quanto do Supremo divergirem publicamente”, afirmou o advogado e professor licenciado da FGV Luciano Viveiros, em entrevista ao Jornal do Brasil.

Para o professor de Direito Constitucional da UFF, Daniel Andrés Raizma, há uma crise institucional profunda. “O problema está menos no Judiciário do que nos outros poderes. Por exemplo, o Executivo e o Legislativo cometeram uma série de ilegalidades que culminaram na queda de uma presidente. Intermediando os conflitos está o Judiciário, cuja tarefa foi de intervir quando necessário.”

O Legislativo, de acordo com Raizman, tem sua imagem danificada por determinados políticos. “O sistema não funciona sem o mínimo de moral e controle ético, o que gera, por sua vez, uma crise de legitimidade ética e moral. O sistema perde sua representatividade ante a população”, ressalta.

A afirmação do professor é confirmada pela alto índice de abstenções nas municipais deste ano O total de abstenções neste domingo (30) foi de quase 7,1 milhões de eleitores (ou 21,6% do eleitorado). O número de votos brancos ficou em aproximadamente 936 mil (4,28% dos votos). Os votos nulos somaram 2,7 milhões (12,41% dos votos).

Raizman afirma que o grau de deslegitimação do Legislativo faz a população aceitar um mal menor. "Isso é muito ruim. O Estado não pode ser beneficiário de ato ilícito”, disse. E completa: “A sensação de impunidade dá legitimidade aos crimes cometidos nas investigações da Lava Jato. O problema é que você pode aceitar ilegalidades cometidas contra alguém, mas eventualmente você abre um precedente que pode afetar outras pessoas depois. O sentimento de indignação em relação a determinados políticos tem gerado a aceitação do castigo do culpado ainda às custas do inocente.”

“Me pergunto como um juiz pode virar um herói, quando o que ele faz é apenas a competência dele no que ele se propõe a fazer, nem entro no mérito político aqui. Só sua eficiência o torna um herói. Por exemplo, um sujeito que entrega uma bolsa de dinheiro encontrada na rua, nada mais que sua obrigação, se torna um herói. Estamos carentes desse tipo de figura, e quando ela surge, fica acima do bem e do mal”, acrescenta Viveiros.