A economia brasileira à beira do abismo da austeridade fiscal de Temer

Foi preciso que 120 bancos, gestores de recursos, distribuidoras, corretoras, consultorias e empresas não financeiras confirmassem, na segunda-feira (31), a piora das expectativas econômicas para o noticiário abrir uma brecha na produção incessante de notícias otimistas. 

gráfico economia - Antonio Pinheiro, Fernanda Carvalho/ Fotos Públicas

Participantes da pesquisa Focus do Banco Central, aquelas instituições aumentaram sua previsão anterior de queda do Produto Interno Bruto neste ano, de 3,22% para 3,30%, e reduziram a projeção de expansão do PIB, em 2017, de 1,23% para 1,21%.

As revisões apenas confirmam as análises dos economistas preocupados com as graves consequências da austeridade fiscal radical do governo, PEC 55 incluída, na intensificação da crise. Um desses efeitos é a queda vertiginosa da arrecadação federal de setembro em 8,27%, diante do mesmo mês de 2015. Foi o menor recolhimento de impostos e tributos dos últimos sete anos, informou a Receita Federal.

A suposta melhora das expectativas dos empresários no início do atual governo, apoiada em presumidos bons efeitos do arrocho fiscal na economia, não se confirmou. Ainda na segunda-feira, a Fundação Getulio Vargas divulgou a queda da confiança em 15 dos 19 setores industriais pesquisados e a diminuição do Índice de Expectativas do setor de serviços em 4,3 pontos, para 86,7 pontos, no maior recuo desde setembro do ano passado. Esse rebaixamento, diz a FGV, sugere acomodação e o início de uma fase de ajuste para baixo.

Os indicadores decepcionantes incluem o desemprego de 11,8%, segundo o IBGE. No terceiro trimestre, a taxa foi 2,4%, a maior na crise atual. Não fosse o pequeno aumento da força de trabalho, em 0,8%, em vez do 1,8% dos trimestres anteriores, “a taxa de desocupação atingiria 12,7%, isto é, muito além dos 11,8% verificados pelo IBGE”, chama a atenção o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Isso porque a taxa de desocupação é o porcentual de desocupados em relação ao total de integrantes da força de trabalho.

A situação das empresas também é grave, com o recorde histórico de 244 pedidos de recuperação judicial em setembro. No mês anterior, houve 137 solicitações e em setembro de 2015, 147. Nos primeiros nove meses deste ano, o aumento acumulado chegou a 62% em relação ao mesmo período do ano passado.

Há diminuição generalizada na concessão de crédito, mas o encolhimento adquire maior magnitude para as empresas, com recuos de 12,5% no primeiro trimestre, 13,9% no segundo e 16,4% no terceiro, mostram dados do Banco Central e do Iedi. O crédito para a aquisição de veículos diminuiu respectivamente 20,4%, 14,5% e 7,8%. No crédito pessoal, houve retrações de 14,8%, 8% e 9,8%.

A contração dos financiamentos e as altas taxas de juro pioraram a situação financeira das firmas, com grandes estragos a partir de 2010, mostra trabalho do Centro de Estudos do Mercado de Capitais do IBMEC sobre o endividamento de 605 empresas não financeiras. Os dados agregados indicam endividamento crescente entre 2010 e 2015, acompanhado de redução da relação entre geração de caixa e despesas financeiras, com forte queda no ano passado, quando a geração de caixa passou a representar só 58% das despesas financeiras.

Os efeitos combinados da recessão, desvalorização cambial e queda dos resultados das vendas “fizeram com que 49% das empresas apresentasse geração de caixa inferior ao valor das despesas financeiras, porcentagem essa que era de 22,6% em 2010”. Dados do primeiro semestre de 2016 relativos somente às companhias de capital aberto mostram um aumento da proporção com geração de caixa inferior às despesas financeiras, de 50,2%, em 2015, para 54,9%, nos 12 meses terminados em junho de 2016. Essa situação financeira resulta do crescimento do seu endividamento entre 2010 e 2016, combinado à queda das vendas e redução da margem de geração de caixa, com ápice em 2015 a partir do agravamento da recessão, do forte impacto da desvalorização cambial e da elevação da taxa de juros sobre o valor da dívida e das despesas financeiras a ela associadas. “Com isso, metade das pesquisadas não tem conseguido gerar caixa nem para cobrir as despesas financeiras.” EconomiaAbre3.jpg

Nas exportações, saída habitual para atenuar o efeito da queda das vendas internas, a situação é problemática, avaliam os analistas do Iedi. O saldo da balança comercial em outubro, de 2,3 bilhões de dólares, foi o menor desde fevereiro, inclusive quando aferido pela média por dia útil. A média diária de exportações chegou a 686,1 milhões, com queda expressiva de 10,2% diante de outubro de 2015. Essa piora recente pode ser “um sinal dos efeitos da valorização da taxa de câmbio, que ultrapassa 20% entre janeiro e outubro, em termos nominais”. Há outro motivo de preocupação com o desempenho da balança comercial. O recuo da importação de bens de capital em outubro e a queda da produção interna desses bens em setembro, de 7,2% diante do mesmo mês no ano passado, mostra que “as perspectivas para o investimento não são das melhores”.

Entre todos os setores empresariais, a indústria é acompanhada com especial preocupação por seu papel estratégico na inovação, no aumento da produtividade e na geração de empregos de maior qualidade. Aí também não há notícias alvissareiras. A produção industrial cresceu 0,5% em setembro, segundo dados do IBGE. É pouco, diante da queda de 3,5% em agosto. Além de que a elevação se limitou a 9 dos 28 setores acompanhados pela instituição.

“Dessa maneira, restam poucas dúvidas de que foi ruim o desempenho da indústria no terceiro trimestre do ano. A queda de 1,1% diante do segundo trimestre de 2016 interrompeu, na série com ajuste sazonal, uma trajetória de redução das perdas iniciada na virada do ano e que já começava a dar alguma esperança de recuperação”, concluem os redatores do informativo Análise Iedi. A queda da produção da indústria como um todo foi de 11,5% no primeiro trimestre, 6,6% no segundo e 5,5% no terceiro.

Melhores perspectivas dependem em grande medida de uma política econômica apropriada à recuperação, mas daí não surgem sinais animadores. O oposto é verdadeiro. O arrocho fiscal atrofiou o BNDES, único banco fornecedor de crédito de longo prazo a taxas viáveis para os investimentos das empresas. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos e a Federação das Indústrias de São Paulo protestaram contra o pagamento antecipado ao Tesouro Nacional de 100 bilhões de reais transferidos ao BNDES no governo anterior, mas o banco já respondeu que considera a medida essencial para melhorar o desempenho fiscal e a confiança do mercado.

A quitação desidrata a linha de crédito Financiamento de Máquinas e Equipamentos (Finame), o dispositivo mais próximo de uma política industrial no País. Uma proposta de emenda constitucional em tramitação no Senado prevê a retirada do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) do banco público e pretende-se liquidar a carteira da BNDESPar.

Por temor de complicações com a Lava Jato, a instituição anunciou, no mês passado, a suspensão de pagamentos e a revisão de 47 contratos de exportação de serviços de engenharia de empreiteiras implicadas na operação, no valor de 13,5 bilhões de reais.

Receia-se o descarte definitivo das empreiteiras nacionais por meio de relicitações dos projetos com contratação de construtoras estrangeiras. Um cálculo desta revista estima em 31 bilhões de reais o valor de projetos aprovados de aeroportos, rodovias e mobilidade urbana, com capacidade de gerar 900 mil empregos, parados porque o financiamento com o BNDES contratado com as vencedoras das licitações não sai, por estarem envolvidas na Lava Jato.

A obstinação do governo em impor uma austeridade anacrônica e muito além da capacidade de absorção da economia e da sociedade é garantia de perenização de uma crise, em boa medida, desnecessária.