Berzoini: ajustes no BB não atraem investimentos e freiam economia

Ex-ministro e funcionário do BB lamenta retomada de pensamento "tecnocrático" dos anos 1990. Segundo ele, Lula/Dilma mostraram ser possível atuar como banco público e aumentar rentabilidade.

rICARDO BERZOINI - Foto: Gerardo Lazzari/RBA

Funcionário do Banco do Brasil desde 1978, o ex-ministro Ricardo Berzoini pode ser considerado parte do público-alvo da instituição, que pretende levar milhares de trabalhadores a aderir ao Plano Extraordinário de Aposentadoria Incentivada. "Devo ser incentivado", brinca. Dos 109.159 funcionários no país, 18 mil fariam parte do que o BB considera "público potencial". O plano anunciado no domingo (20) prevê fechamento de 402 agências e transformação de 379 em postos de atendimento – 51 já tiveram o fechamento iniciado no mês passado. Segundo anúncio, as medidas serão implementadas ao longo de 2017.

Berzoini vê no pacote – que em breve, acredita, deverá ser anunciado também pela Caixa Econômica Federal – a retomada de uma linha de pensamento econômico que consiste em enxugar estruturas com o objetivo de atrair o investimento privado. "É uma ilusão", afirma. "Não vai atrair, como não atraiu no governo Fernando Henrique, quando o investimento privado estagnou e o setor público definhou."

Segundo ele, os governos Lula e Dilma mostraram que é possível conciliar o banco de mercado com o público, "inclusive potencializando a rentabilidade" e estimulando a atividade econômica. As medidas do BB apontam, afirma, para a redução do crescimento, em um processo que o ex-ministro e ex-sindicalista chama de "espiral descendente", um efeito cascata com impacto em toda a economia. Na mesma direção da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que "implode o SUS, implode a educação pública, vai servir de argumento para uma reforma regressiva da Previdência".

O retorno aos anos FHC, que ele lamenta, fazem Berzoini lembrar de um trocadilho que serviu de comparação entre governos. "A gente brincava que o governo Fernando Henrique Cardoso era o governo "latinha": lá tinha uma fábrica, lá tinha uma loja, lá tinha uma agência bancária, e agora não tem mais. No governo Lula, a gente brincou que era o governo "latão": lá tão construindo uma fábrica nova, lá tão fazendo investimento público, lá tão gerando emprego. Estamos saindo do "latão" para a "latinha" de novo."

Inclusive como funcionário, como o sr. vê essa estratégia do banco, que parece se inserir no contexto do ajuste do atual governo?

Se insere no contexto da linha econômica do governo, da linha que eles sempre defenderam, que participaram do governo Fernando Henrique Cardoso. Estão reproduzindo em parte aquilo que aconteceu no governo Fernando Henrique. Aquela visão de que para ter maiores resultados tinha de reduzir sua presença no território brasileiro, reduzir sua capilaridade e também o contingente de funcionários. Exatamente o contrário do que aconteceu no governo Lula e no governo Dilma, onde o Banco do Brasil foi decisivo para o Brasil enfrentar a crise financeira de 2008/2009 e para implementar políticas públicas fundamentais para redução da pobreza, da desigualdade. E mesmo assim deu lucros extraordinários, maiores do que na época de Fernando Henrique, provando que adotar uma política expansionista, de integração do banco com objetivos estratégicos do país, não dá prejuízo, ao contrário, pode aumentar a participação no mercado e sua rentabilidade.

Isso sinaliza, como a própria PEC (55), redução de gastos, de investimentos…

Exato, e redução da presença do Estado para atender à sociedade. O Banco do Brasil é um misto de empresa comercial, que disputa o mercado com Bradesco, Itaú, Santander, e ao mesmo tempo é um banco público. Ele desempenha as duas funções, e durante o governo Lula nós conseguimos fazer prevalecer essa visão de que essas duas missões não são incompatíveis, ao contrário, criam uma sinergia. Eu me lembro quando o então governador (José) Serra decidiu vencer a Nossa Caixa, e várias cidades de São Paulo poderiam deixar de ter agência bancária ou reduzir o atendimento, o presidente Lula determinou que o Banco do Brasil – evidentemente, com critério, observando os interesses dos acionistas minoritários – avaliasse a possibilidade de comprar a Nossa Caixa, para evitar que ela se tornasse um banco privado e, portanto, reduzisse o seu atendimento.

A própria questão da expansão do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que foi fundamental para a agricultura familiar a partir do governo Lula, a questão do microcrédito, onde o Banco do Brasil tem uma presença relevante, a entrada do BB no crédito imobiliário, que desafogou a Caixa Federal e ampliou as possibilidades de financiamento. Tudo isso demonstra que é possível fazer, inclusive potencializando a rentabilidade do banco.

E o cenário agora…

A estratégia do governo é aquela velha estratégia: enxugar, cortar, terceirizar. E ao reduzir o tamanho do Estado, eles pensam que vai atrair investimento privado. Não vai. Não vai, como não atraiu no governo Fernando Henrique, quando o investimento privado estagnou e o setor público definhou. Quando eles imaginam que essas medidas simpáticas ao mercado vão atrair investimento privado, é uma ilusão. Quando atrai, é um investimento predatório. Essa é a lógica que, lamentavelmente, a gente vê voltar ao nosso país, que durante 13 anos e meio nós combatemos.

Não está acontecendo muito rápido? São poucos meses de governo e uma série de medidas nessa direção.

É porque eles acreditam que essa é a saída, como eu disse, que vai atrair investimento privado. Por exemplo, o governo Fernando Henrique Cardoso privatizou o Banespa. Eles acreditavam que a entrada do Santander através da rede do Banespa ia dinamizar o crédito, ia ampliar a eficiência do sistema financeiro, e não foi isso que aconteceu. Ao contrário. O Santander rapidamente passou a praticar no Brasil os spreads bancários que ele não pratica na Espanha, onde pratica spreads pequenininhos. Aqui no Brasil se adaptou ao mercado local. Como as autoridades monetárias brasileiras sempre foram coniventes com isso… Inclusive posso dizer, até como autocrítica, nos nossos governos, com exceção da tentativa que a presidenta Dilma fez em 2012, de forçar o spread bancário para baixo, para melhorar a qualidade do crédito, mesmo nos nossos governos, quando (Henrique) Meirelles era presidente do Banco Central, não houve esse esforço nesse sentido. Já com a Dilma e o (Alexandre) Tombini, houve esforço, que foi bem sucedido em parte.

Por que a Selic, que chegou a 7,25%…

Mais importante até que a Selic, que eu acho que já poderia estar hoje, com a inflação projetada para os próximos 12 meses em 5,5%, 5,4%, poderia estar pelo menos a 11%, para evitar que os rentistas se apropriem dessa margem extraordinária, e ao mesmo tempo evitar que as pessoas tomem crédito muito… Mas o spread, que é a diferença entre a taxa de captação e a taxa de empréstimo, que no Brasil é o mais alto do mundo, seguramente já poderia ser bem menor se houvesse mecanismos de indução. Então, o que está acontecendo com o Banco do Brasil vai acontecer com a Caixa. Em breve, a Caixa deve anunciar também um plano de aposentadoria, fechamento de agências, redução de custo, que é aquela visão burocrática, tecnocrática, que afundou o Brasil nos anos 90.

Nesses anos 90, quando o senhor ainda estava no sindicalismo, no movimento bancário, houve muitas investidas também contra o Banco do Brasil.

Eu e todos os funcionários ficamos seis anos com salário congelado, uma repressão intensa dentro do banco. Foram fechadas muitas agências, muita terceirização de serviços, redução da atividade. O Banco do Brasil era claramente orientado pelo governo a não ser agressivo na competição com os bancos privados. O banco amargou situações muito difíceis naquela época.

Foi uma ofensiva tão voraz como a atual?

Sem dúvida. Chegamos a ter um ano em que houve mais de 20 suicídios de funcionários. A repressão, o arrocho salarial, o clima de terror dentro das agências levava as pessoas à depressão e, em casos extremos, ao suicídio.

O sr. falou que, nos governos Lula e Dilma, foi possível conciliar as duas funções do banco…

Até porque elas são sinérgicas. Quando você avança no apoio ao Pronaf, aqueles agricultores que se desenvolvem mais se tornam um agricultor de classe média, passa a comprar seguro, a fazer plano de previdência, a comprar outros produtos e passa também a aplicar no banco. Ou seja, você tem uma relação em que você ajuda o seu cliente a crescer, e ao crescer ele se torna leal àquela empresa que o financiou.

Mas, principalmente na área econômica do governo, havia muita gestão para que o banco fosse mais de mercado do que público?

Essa tensão sempre houve. Por exemplo, no governo Lula, o então presidente do Banco Central, que hoje é ministro da Fazenda, chegou a defender publicamente que não deveria haver o chamado crédito direcionado, ou seja, aquelas linhas de crédito que têm determinação legal, que têm fontes de funding, de captação, privilegiadas, como a poupança e o Fundo de Garantia para habitação, a poupança verde para o Pronaf, para o crédito rural e agricultura familiar, o FAT, que financia o crédito do BNDES. São linhas de crédito baseadas em fundos constitucionais. Normalmente, a área técnica da Fazenda é muito avessa a esse tipo de política de ampliação, de melhoria da condição do crédito, são formados numa cultura liberal, de direita, muitas vezes em universidades do exterior, que fazem concurso e passam a defender essas ideias dentro do governo, independentemente de quem está com mandato popular. Então, essa tensão é permanente, entre o Tesouro Nacional e o Palácio, a Receita Federal e o Palácio, porque são burocratas que se julgam donos da verdade.

Mas agora há uma afinidade, não é?

Agora estão alinhados, como estiveram no governo Fernando Henrique Cardoso, quando as teses neoliberais, as teses de Chicago, as teses do FMI prevaleciam em toda a orientação econômica do governo.

Com essa redução do tamanho e do papel do banco como fomentador, qual o impacto para a economia? Porque o discurso é de retomada do crescimento.

O impacto é a redução do crescimento. Veja bem, óbvio que eu não defendo que se façam gastos desnecessários. O banco tem de ser criterioso no seu controle de custo. Mas quando você fecha 400 agências, você está eliminando 400 locais de atendimento, onde tem funcionários – além de se fazer crédito, vender produtos e praticar a atividade bancária –, vigilantes, pessoal da limpeza, você paga um aluguel do imóvel numa cidade, condomínio, esse aluguel vai deixar de ser pago…

Tem um fenômeno na economia que a gente chama de espiral descendente. Quando tem a espiral ascendente, a pessoa investe para construir o prédio porque acha que alguém vai alugar, contrata funcionário porque está avaliando que vai conseguir rentabilizar aquela contratação, muitas vezes antecipa o pagamento de algumas obrigações porque acha que isso vai ser positivo do ponto de vista da atividade econômica dele. Quando você entra na espiral descendente, é o seguinte: eu não compro porque tenho medo de perder o emprego, o comerciante não investe ou fecha a loja porque acha que não vai vender, o prefeito corta custo porque acha que não vai arrecadar e o aposentado também deixa de consumir porque acha que vai ser arrochado. Imagine, por exemplo, a situação do Rio de Janeiro, com essa crise toda, e lá vai fechar não sei quantas agências do Banco do Brasil.

Em breve, a Caixa deve anunciar uma coisa semelhante. A gente brincava que o governo Fernando Henrique Cardoso era o governo "latinha": lá tinha uma fábrica, lá tinha uma loja, lá tinha uma agência bancária, e agora não tem mais. No governo Lula, a gente brincou que era o governo "latão": lá tão construindo uma fábrica nova, lá tão fazendo investimento público, lá tão gerando emprego. Estamos saindo do "latão" para a "latinha" de novo.

E a PEC 55?

A PEC 55 significa, até disse isso outro dia num evento na Câmara Legislativa de Brasília, um ataque a Ulysses Guimarães e a Getúlio Vargas, antes de atacar o Lula e a Dilma. Ulysses foi o condutor da Constituinte de 1988, e anunciou no ato de promulgação que era a Constituição cidadã, tinha uma concepção social, com todas as limitações e contradições que a própria Constituição tem. Na verdade, a PEC 55 implode o SUS, implode a educação pública, vai servir de argumento para uma reforma regressiva da Previdência.

Sobre esse tema eu falo com tranquilidade, porque sempre defendi publicamente, às vezes até com divergência no meu partido, que a Previdência precisa periodicamente passar por revisão de regra. Mas, do jeito que querem fazer, eles querem excluir os pobres, porque vivem menos, e portanto eles ou não aposentarão ou terão pouco tempo de vida após aposentar. A PEC vai certamente reduzir a assistência social, que é outra marca da Constituição de 1988. E ao mesmo tempo vai sabotar o Estado que foi desenhado por Getúlio. Boa parte das instituições que existem hoje no Brasil foi criada nos anos iniciais ditatoriais de Getúlio ou nos anos de governo democrático dele, e a PEC 55 vai limitar isso.

Acho que é até difícil o povo entender o que é a PEC 55, porque é uma discussão de gestão orçamentária, que é complexa, mas a forma que eu encontro de explicar é essa. Este ano se comemoram 100 anos do nascimento do Ulysses. Nesse centenário, a homenagem do PMDB a ele é fazer um PEC antipopular e antiConstituição. Eu inclusive avalio que é inconstitucional, mas evidentemente quem diz que é constitucional ou não, antes, é a Comissão de Constituição e Justiça do Senado e depois de promulgada, se for promulgada, é o Supremo Tribunal Federal.