Em coletiva, Temer relata encontro com Calero e aumenta contradições

A entrevista coletiva de Michel Temer (PMDB), concedida neste domingo (27), mostrou que o escândalo La Vue, que envolveu um de seus mais próximos aliados, Geddel Vieira Lima, elevou a lama do governo até o pescoço. Geddel pediu demissão após o também ex-ministro Marcelo Calero afirmar ter sido “enquadrado”, inclusive pelo próprio Temer, para atender o desejo de Geddel e liberar a obra embargada.

Michel Temer - Antonio Cruz/Agência Brasil

Na coletiva, Temer disse que estava apenas e tão somente arbitrando um “conflito de órgãos”. Ele buscou uma suposta brecha jurídica para tentar justificar sua atuação.

O presidente disse que “não estava patrocinando nenhum interesse privado” ao “arbitrar” a divergência entre Calero e Geddel e ter sugerido ao então ministro da Cultura encaminhar o caso para a Advocacia Geral da União (AGU).

“O ex-ministro [Calero] me procurou na quarta-feira [23] à noite, durante o jantar com os senadores, dizendo que tinha um pedido [feito por Geddel] que seria difícil atender. Eu disse para fazer o que achasse melhor, e que se houve pleito, que visse o que seria melhor fazer”, disse.

Temer, no entanto, admitiu que, na quinta-feira (24), se reuniu com Calero que “contou por inteiro o caso” e que o então ministro informou que “não queria entrar na história”.

“Eu disse que se ele não quisesse entrar na história, havia uma solução legal: a lei diz que quando há conflito de órgãos, pode-se ouvir a Advocacia-Geral da União, que fará avaliação daquele conflito. Logo depois ele disse que queria voltar à noite para falar comigo. Voltou às 21h com a mesma conversa, com o mesmo conteúdo. Parece que ele gravou mesmo”, acrescentou Temer.

A “solução legal” de Temer é o suposto conflito que existiria entre o Iphan nacional, que embargou a obra, e o Iphan da Bahia, que aprovou a construção.

Temer tenta dar um verniz institucional e legal ao que ele chama de “conflito” entre os ministros. No entanto, a história que ele mesmo conta evidencia as contradições de seu ato.

Vejamos: o presidente chama um ministro para que ele resolva o problema entre órgãos, até aí, tudo seria normal se o assunto fosse de interesse público. Temer disse ainda que estava arbitrando diante de um conflito “administrativo”, já que havia duas decisões distintas entre o Iphan nacional e o da Bahia.

Mas diferentemente do que Temer chama de uma conversa “puramente institucional” para arbitrar “administrativamente”, ele arbitrava para atender o interesse de Geddel que comprou um imóvel no espigão, gastando a bagatela de R$ 2,4 milhões no empreendimento.

Na primeira conversa com o então ministro Calero, Temer deu carta-branca para que ele fizesse o que achasse melhor. Mas depois de ouvir as reclamações do interessado Geddel – e não do Iphan –, ele voltou atrás e decidiu “arbitrar”, ou seja, ele supostamente resolveu “arbitrar administrativamente” para atender Geddel.

Na coletiva, Temer deu detalhes de como agiu. “Todos vocês sabem que sou cuidadoso com as palavras e que jamais diria algo inadequado. E neste particular, havia um conflito de órgãos da administração, entre o Iphan nacional e o Iphan da Bahia. E, olha, vou fazer um parêntese, parece que isso levou três, quatro semanas, um ano, mas tudo isso ocorreu em três dias”, afirmou.

E segue: “O ex-ministro [Calero] me procurou numa quarta-feira à noite, no jantar com os senadores, dizendo que tinha um pedido, mas que seria difícil atender, etc. Eu disse: Faça o que você achar melhor, mas se houve um pleito você veja o que é possível fazer”.

Sentindo que estava pisando em terreno movediço, Temer continuar a relatar: “Como surgiu um conflito entre esses dois órgãos, porque depois eu fiquei sabendo quando ele veio à tarde, no dia seguinte, para falar comigo, e ele me contou por inteiro a história”. No entanto, segundo depoimento de Calero dado à Polícia Federal, foi Temer quem o convocou para uma reunião.

“Ele registrava que haveria um recurso hierárquico do Iphan nacional para o ministro. Ele disse que não queria entrar nessa história. E eu disse: Olhe ministro, se você não quer entrar nessa história há uma solução legal. A lei diz que, quando há conflito de órgão, pode-se ouvir a AGU. Se você não quer despachar, mande para a AGU”, completou Temer.

No discurso de Temer, propositalmente, ele confunde quem conversou com quem. Isso porque ele teria que informar que teria conversado com Geddel. Por outro lado, em ato falho, deixa claro que Calero não queria interferir na decisão técnica do Iphan nacional, que havia embargado a obra.

Como já apontamos, ao atuar pelo pleito de Geddel, Temer não agiu “para solucionar o conflito”. Se não pressionou Calero em favor de Geddel, com disse, Temer prevaricou já que Geddel cometia crime de improbidade administrativa e não o demitiu. Se pressionou, cometeu crime de improbidade, ou seja, em ambos os casos cometeu crime de responsabilidade, que deve levar ao impeachment.

Jucá

A estratégia de dar um caráter “administrativo” ao ato de corrupção chegou ao ponto de o presidente nacional do PMDB, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, dizer que o ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) não usou o cargo para atuar em benefício pessoal, mas estava “defendendo a Bahia, defendendo Salvador” quando conversou com Calero.

Segundo ele, o fato de Geddel ter comprado um imóvel no espigão, não interfere na sua atuação para que o Iphan aprovasse a construção do empreendimento imobiliário de 30 andares em área com bens tombados.

Jucá diz que Temer apenas tentou “cobrar uma posição e solicitar uma decisão” ao sugerir a Calero buscasse uma solução com a AGU (Advocacia-Geral da União).

“Não houve corrupção do presidente ou da estrutura de governo para definir uma solução. Houve, sim, pressão do ministro Geddel para que fosse a Advocacia-Geral da União a arbitrar [sobre] uma diferença de posicionamento entre técnicos do Iphan da Bahia e técnicos do Iphan nacional”, afirmou Jucá.

Vale lembrar que o laudo apresentado pelo Iphan da Bahia, que autorizava a construção do condomínio La Vue, foi baseado em um estudo interno e sem valor legal. Documento que liberou a obra foi assinado por um profissional sem qualificação para julgar o impacto paisagístico em uma área de bens tombados como a que está inserido o espigão e contrariou estudos técnicos anteriores, que indicavam a necessidade de proteção da região.