Como o marketing reduziu a economia a um produto de butique

A melhor tradução desses tempos de superficialidade e redes sociais foi a afirmação do publicitário Nizan Guanaes, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), sugerindo a Michel Temer aproveitar sua impopularidade para tomar medidas impopulares.

Por Luis Nassif

Henrique Meirelles - Agência Brasil/Elza Fiuza

Comprova que nas últimas décadas a discussão econômica e política tornou-se refém dos refrãos de mercado, da criação de reputações vazias e do salvacionismo da purgação dos pecados: a economia está ruim porque pecamos, gastando mais do que tínhamos; se for feita a lição de casa, com sacrifícios (dos outros), recuperaremos o caminho da salvação.

Nada exprime mais esse vazio, esse falso intelectualismo, do que as manifestações do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.

Diz ele que o governo é ruim, mas a equipe econômica é competente. Qual o nível de análise para chegar a tal conclusão? Nenhum. Não analisou a produção acadêmica, não conhece a atuação pregressa de nenhum deles, não demonstra o menor conhecimento para uma avaliação minimamente competente de sua atuação à frente da Fazenda ou do Banco Central. No entanto, opina, e com a carteira de Ministro do Supremo e porta-voz de um iluminismo de butique.

É de uma superficialidade assustadora, uma mera repetição do que ouviu na Globonews e se tornou um bordão de bom pensamento, como uma marca de gravata, uma indicação de um bom livro ou boa música. E diz Barroso, com aquele tom alarmista dos gansos do Capitólio, que o atraso é permanente no Brasil, porque as forças que o sustentam são poderosas.

Mire-se no espelho. O atraso ancestral é decorrente da superficialidade escandalosa de pessoas como ele, que supostamente deveriam representar uma elite letrada, porque um dos grandes juristas do país, mas que se movem no mercado de ideias da mesma maneira que socialites nas colunas sociais, esforçando-se atrás de frases de senso comum para serem in.

No Brazil Forum UK 2016 – feito para especialistas – Barroso apresentou como uma das vantagens do Brasil a estabilidade democrática e um conjunto de condições para o desenvolvimento, dentre os quais, a educação. Para a mídia e o populacho de suas relações sociais, apresenta como saída política o estado de exceção e como saída econômica a PEC 241, analisando as estratégias fiscais com a mesma superficialidade com que se analisa uma conta de padaria.

O gênio Henrique Meirelles

Foi esse processo de banalização das análises que transformou em gênio financeiro o Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que jamais passou de diretor da área internacional de um banco médio dos Estados Unidos – embora deixasse divulgar a informação de que “global president” seria presidente global, e não de um mero diretor de área internacional, que respondia por menos de 8% dos ativos do banco.

Mestre na arte do marketing pessoal, levou Lula no bico. E, por ser permanentemente disponível para o mercado, o próprio mercado e os papagaios da mídia trataram de construir a imagem de grande Ministro, assim como fizeram com Antônio Palocci, enquanto lhes serviu e, antes dele, com Pedro Malan.

Agora, tenta-se criar o mito Armínio Fraga, um especialista em ganhar dinheiro, arte que exige uma espécie de talento que nada tem a ver com a construção de políticas macroeconômicas sustentáveis, com visão de nação.

Uma boa síntese da superficialidade de análise do mercado em relação à economia pode ser lida na excelente entrevista de Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum com o mega-operador Luis Stuhlberger (https://goo.gl/xAd2uy) o mais bem-sucedido administrador de fundos hedge.

Stuhlberger é o que de mais sofisticado o mercado produz. Mesmo assim, é dono de um pensamento mecanicista, incapaz de entender o jogo nacional de maneira sistêmica, os limites da ação política, os impactos dos ajustes fiscal e monetário sobre a economia real, o estado de espírito da população com o aprofundamento da crise, seus impactos sobre a ação legislativa. Ou mesmo entender a enorme cadeia produtiva que passa ao largo da influência das grandes corporações. Por aí se explica o fato de só depois do desastre consumado se dar conta de que a realidade não obedeceu às expectativas do mercado.

Para esses gestores, mesmo os mais sofisticados como Stuhlberger, a economia se resume ao Banco Central e aos investimentos de private equity. E como são os grandes compradores de análise econômica, os economistas e consultores se limitam a atender às demandas do freguês.

É o chamado paradoxo das expectativas positivas:

1. Se os gestores financeiros acreditarem no país, eles investirão e o país volta a crescer, independentemente das condições das demais variáveis da economia.

2. Mas os investidores só investirão se as demais variáveis apresentarem expectativas positivas.

Como operadores como Stuhlberger só conseguem analisar grandes agregados, caem do cavalo quando percebem que apenas o poder da fé não basta para mover as montanhas.

É por aí que se entende a geração da última expectativa: Armínio Fraga e sua inacreditável proposta de acentuar ainda mais o ajuste fiscal, com a economia rumando para a depressão, mesmo após a comprovação ampla dos desastres cometidos pelo pacote Joaquim Levy e da ameaça de pacote Meirelles.

Lógica suicida do BC

O mesmo acontece com o Banco Central, com as inacreditáveis taxas reais de junho em um quadro em que a economia caminha para a depressão.

Anos atrás, cunhei a expressão “cabeças de planilha” inspirado na planilha de Ilan Goldjan, então diretor do Banco Central, atualmente seu presidente.

Ao lado de Armínio, Ilan foi um dos instituidores do sistema de metas inflacionárias, visando a coordenação das expectativas dos agentes econômicos. Montou uma planilha que definia resultados automáticos para cada situação, desde as previsões de inflação, a partir de dados desagregados, até a intensidade do ajuste da Selic.

Todo o mercado, então, passou a trabalhar em torno da planilha do Ilan. Não interessava acertar o que aconteceria com a economia, mas com a planilha do Ilan, estivesse certa ou errada. Acertar o resultado da planilha significaria acertar o nível da taxa Selic, as taxas dos leilões do Banco Central e do Tesouro, toda uma indústria montada com as apostas em torno da inflação.

A cadeia improdutiva da arbitragem criou a mística da inflação como a variável-chave de toda a economia. Bastaria a inflação cair para o centro da meta para todos os problemas se resolverem, caírem as taxas longas de juros, o investimento voltar, trazendo de volta o crescimento. Pouco importa se, para chegar ali, deixou-se para trás uma terra arrasada.

Mais que isso, desenvolveram a tese de que cada instrumento de política econômica só pode ter um objetivo. Ou seja, geração de dívida pública, apreciação cambial, impacto no crescimento, nada disso importava: a política monetária só tinha como alvo a inflação e nenhum obstáculo poderia ser imposta a ela, nem a denúncia de custos excessivos

Essa visão insuportavelmente simplista não se reciclou nem após a crise pós-eleição, que desmontou toda a noção de equilíbrio macroeconômico. Era evidente que o passado não mais servia de balizamento para o futuro, porque vive-se uma situação inédita de recessão com queda de receita fiscal e crescimento agudo da dívida.

Momentos de instabilidade, como o atual, exigem um pensamento muito mais sofisticado e pragmático, capaz não apenas de analisar os indicadores, mas intuir de bate-pronto os movimentos da economia, entender as novas correlações, identificar os pontos centrais da crise para formular diagnósticos rápidos e certeiros.

Exige experiência de mundo real e inteligência para se mover em fatos nunca antes ocorridos.

Nada foi feito.

Esse Brasil – que Barroso reputa de iluminista – tem o brilho da luz neon de uma Lava Jato e as purpurinas douradas da falsa sofisticação.