Cruz Vermelha: Aumenta número de pessoas que julgam tortura aceitável

Um relatório do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), divulgado na segunda-feira (5), indica que, com relação à mesma pesquisa realizada em 1999, aumentou o número de pessoas que consideram a tortura um método aceitável para obter informações de oponentes em zonas de conflito.

Bairro da cidade de Alepo, Síria

“Este é o resultado mais perturbador”, disse a Opera Mundi Vincent Bernard, editor-chefe da International Review of the Red Cross, principal publicação do CICV.

“Na pesquisa, os entrevistados entendiam que a tortura é ruim, mas, colocados diante de um cenário real, passam a justificar a prática”, afirmou Bernard. Segundo ele, isto ocorre porque as pessoas acreditam precisar de proteção diante de uma realidade de ataques terroristas e conflitos simultâneos, e que a tortura irá protegê-las.

“Acredito que essa realidade violenta está deixando as pessoas anestesiadas à violência, de certa forma, por considerarem a tortura como um método aceitável de obter informações de combatentes inimigos”, disse.

O levantamento do CICV, intitulado Vozes da Guerra, realizou entrevistas por email, telefone ou presencialmente com 800, mil ou cinco mil pessoas, com idades entre 18 e 70 anos, entre junho e setembro deste ano. Os entrevistados eram provenientes de 16 países: Afeganistão, China,

Colômbia, EUA, França, Iêmen, Iraque, Israel, Nigéria, Palestina, Reino Unido, Rússia, Síria (por questões operacionais, foram entrevistados sírios refugiados que vivem no Líbano), Sudão do Sul, Suíça e Ucrânia.

Na mesma pesquisa realizada em em 1999, 28% dos entrevistados afirmaram que um combatente inimigo capturado poderia ser torturado para se obter informações militares. Já no levantamento deste ano, 36% dos entrevistados defenderam a prática.

Mesmo depois de serem informados que a tortura é proibida por lei, quase 60% dos entrevistados mantiveram suas posições de que a tortura em um combatente inimigo pode ser aceitável para se obter informações.

Dos 36% que haviam defendido inicialmente a prática, 44% mantiveram suas posições, afirmando que a tortura é aceitável em alguns casos, enquanto 15% disseram que a tortura é aceitável sempre, sendo uma parte da guerra.

Apenas 37% mudaram de opinião, dizendo, ainda, desconhecerem que seus países haviam concordado em proibir a tortura.

O Iêmen foi o único país em que 100% dos consultados afirmaram ser errado torturar e, destes, 99% disseram ser contra torturar combatentes inimigos para obter informações.

A tortura foi proibida por uma convenção da ONU de 1984, que foi ratificada por 159 países, incluindo os 16 países consultados para a realização do relatório do CICV.

Segundo o próprio CICV, a pesquisa “não é um estudo acadêmico, mas, sim, uma indicação do que as pessoas nos países afetados por conflitos armados e outras que vivem em cinco países membros permanentes do Conselho de Segurança e na Suíça pensam sobre diversas questões relacionadas com a guerra”.

“As pessoas parecem ter se esquecido que a proibição à tortura é algo universal e que se aplica a todas as partes de um conflito”, afirmou Bernand. Ele apontou, ainda, ser contraditório muitos dos entrevistados justificarem a tortura, mas, ao mesmo tempo, defenderem assistência médica a todos os feridos de um conflito.

Cerca de 89% dos entrevistados concordaram, ou em parte ou totalmente, que todos os feridos e doentes em conflitos têm direito a assistência médica. Em países afetados por conflitos, essa opinião foi defendida por 94% dos questionados, dos quais 72% concordaram totalmente e 22% concordaram parcialmente. No Iêmen, um dos países analisados, 100% dos entrevistados disseram acreditar que assistência médica deve ser prestada a todos. Já na Síria, 66% dos entrevistados tiveram essa opinião.

Além disso, 82% dos entrevistados acreditam ser errado atacar hospitais, ambulâncias e profissionais de saúde. Em países em conflito, esta foi a opinião de 89% dos consultados.

“Mas isso é positivo e nós também temos que focar nas coisas positivas da pesquisa e relativizar alguns resultados. Por exemplo, 38% das pessoas disseram acreditar que as leis internacionais impedem que as guerras sejam piores, que é um número menor do que em 1999 [na época, 41% afirmaram acreditar nas leis internacionais], mas aí há uma ambiguidade”, defendeu Bernard.
Ele explicou que vêm aumentando o número de denúncias de ataques a civis, hospitais e outras violações em geral em comparação a 1999, o que passa uma imagem de que a lei “não serve para nada” e de que, na verdade, estão ocorrendo mais violações.

“Nós temos os instrumentos legais para combater crimes e estamos observando uma tendência de maior proteção contra possíveis violações à Convenção de Genebra [que regula as ações em um conflito], mas a maior facilidade em relatar crimes e o consequente aumento dos relatos faz com que as pessoas pensem que somos impotentes”, disse Bernard.