10ª Bienal da UNE debate fronteiras, geopolítica e refugiados

Dando continuidade às atividades e debates da 10ª Bienal da UNE, que acontece em Fortaleza e prossegue até a próxima quarta-feira (01), a preocupação com a reinvenção das fronteiras na nova ordem mundial foi discutida durante encontro realizado na manhã desta terça-feira (31), no Centro Dragão do Mar.

Fernando Haddad - Bienal da UNE

Josué Medeiros, ex-membro da Secretaria Nacional de Juventude iniciou sua intervenção destacando que os novos cenários políticos nacional e internacional exigem da esquerda, da juventude e da sociedade progressista uma forma de repensar as ações com o intuito de retomar o protagonismo no combate ao avanço do fascismo. “Quem vota na direita não é necessariamente fascista. Alguns votavam nos partidos progressistas, mas viu-se ‘traído’. A crise que vivemos não só no Brasil, mas em outros países do mundo, como as eleições de Donald Trump nos Estados Unidos, simboliza este sentimento que a direita conseguiu captar”. Para Medeiros, desde as manifestações de junho de 2013, o país busca um processo de renovação e reinvenção, mas com a democracia em risco. “Nosso desafio é impedir que tudo o que conseguimos construir nos últimos anos seja destruído”.

Josué Medeiros destacou a importância de encontros como os realizados pela UNE, mas alertou que a mobilização deve ir além. “Estamos aqui, uns falando e outros ouvindo. As redes sociais viraram o grande espaço de indignação, mas sabemos que esta ferramenta não transforma verdadeiramente a vida das pessoas. Temos o dever de estabelecermos novas ligações entre nós e o povo, aquelas mesmoas pessoas que legitimara o golpe e que permitiram que esta fronteira tenham sido construídas”. Ele acrescentou que a questão é ainda mais ampla. “Não vamos resolver esses dilemas sozinhos. Devemos buscar soluções compartilhadas com nossos vizinhos da América Latina, com os Estados Unidos e Europa. Sem eles não conseguiremos superar o desafio desta crise de contornos mundiais. Não sei se estamos vivendo os piores dias da democracia, mas poderemos vivê-los nos próximos anos”, projetou.

Incógnitas e a busca de saídas

Tatiana Berringer, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), considerou que pensar 2017 é ter incertezas no cenário internacional, com reflexo no Brasil. “Neste ano em que comemoramos o centenário da Revolução Russa, que também foi fruto do acirramento de conflitos, vivemos um momento de repensar a esquerda e as fronteiras. Elas não estão sendo diluídas nem reinventadas pois nunca saíram do lugar”, ponderou. Segundo Tatiana, a crise mundial atual é o prolongamento da crise de 2008 que o tempo tornou os tensionamentos ainda mais fortes. Ela alertou sobre as notícias divulgadas sobre as guerras e os conflitos internacionais. “Quem domina esta informação em escala mundial tem o interesse de filtrá-las e tem posicionamento claro de defesa do capital financeiro”, considerou.

Fazendo uma contextualização temporal, Tatiana falou sobre o risco que os Estados Unidos sofriam de perder sua hegemonia com o reposicionamento da Rússia, o crescimento da China, a criação dos BRICS e a eleição de governos progressistas na América Latina. “O mundo vive no embate entre ações e reações e a busca de saídas não estão simples. Ficaram as incógnitas e a sensação de uma virada à direita em vários países do mundo”.

A professora reforçou ainda a necessidade de repensar e reforçar a reinvenção das novas fronteiras. “Elas só virão se partirem das classes populares, dos laços de solidariedade entre os povos, baseados na luta de resistência. Cabe à esquerda recuperar a consciência de classe e a organização da classe trabalhadora. Temos que tirar este espaço do Facebook e levá-lo às ruas. Nós devemos ocupar o país e, assim, retomar a nossa esperança”, defendeu.

Conhecimento, informação e conteúdo

A advogada Larissa Leite, coordenadora do Programa de Proteção da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, defendeu que o conhecimento deve ser a principal arma de todos contra as narrativas apresentadas pela grande mídia. “O noticiário apresenta diariamente notícias superficiais, preconceituosas e errôneas. Dentro da questão da reinvenção, proposta neste debate, deixo o apelo para que tentemos primeiro entender de fato os fenômenos, fugir da repetição dos discursos e modelos”.

Ela questionou se a reinvenção das fronteiras é um fato, um desejo ou um medo. “Uma mudança nem sempre é boa e os últimos acontecimentos como, por exemplo, os conflitos em várias partes do mundo, comprovam que a dinâmica das fronteiras está mudando. Certamente temos mais imigrantes no Brasil do que tínhamos há dois anos”.

Segundo Relatório da ONU, em 2015 foram registrados 250 milhões de refugiados no mundo, sendo os principais países de origem Índia, México, Rússia, China e Síria. No Brasil, segundo dados da Política Federal, o país tinha 45 mil estrangeiros registrados, enquanto em 2014 o número saltou para mais de 119 mil. “A desinformação causa uma reação pública negativa. Quando falam em ‘invasão estrangeira’, desconhecem que o país recebe menos de 1% de imigrantes. Destes, 51% é composto por crianças e a maioria dos adultos é de mulheres. Temos o dever humanitário de receber estes refugiados que abandonaram suas pátrias de forma impositiva, quer seja por guerras ou por medo”.

América Latina e África

Para André Brayner, diretor do Instituto Brasil África, reinventar as fronteiras é “reinventar-se todo dia”. O mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza considera que a América Latina tem muito a ensinar para o mundo. “Conceitualmente, a América Latina nasce na integração entre os povos”. Para ele, a região apresenta movimentos importantes nas relações internacionais, como a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba).

Já com a África, Brayner reforça a necessidade de repensar a construção de relações sólidas com o continente. “A União Africana de Nações é exemplo para a Unasul. Lá, eles se preparam para se desenvolver de forma sustentável. Contam também com o Banco Africano de Desenvolvimento, que pensa estrategicamente o continente, levando em conta os interesses dos povos. Temos muito a dialogar com os africanos. Chegou a hora repensar o ser humano a partir das civilizações e dos povos para que possamos reinventar as fronteiras”. Brayner encerrou sua participação citando um provérbio africano que diz: “’Se quiser ir rápido, vá só; mas se quiser ir longe, vá acompanhado’. Devemos seguir juntos e encontrar saídas para a humanidade”, conclamou.

União de forças

O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, iniciou sua intervenção destacando a combativa participação da UNE enquanto Ministro da Educação. “A atuação da entidade foi fundamental nos avanços da educação no país. Posso citar a defesa do FIES, do Fundeb, do piso do Magistério, a expansão da universidade, a criação do Enem, o Ciência sem Fronteiras, dentre tantos outros. Hoje é fácil defender estes programas, mas na época não tínhamos apoio da população e a UNE sempre esteve ao nosso, resistindo e defendendo essas ideias transformadoras”, enalteceu.

Para Haddad, a ideia de fronteira remonta ao sedentarismo, iniciada quando as comunidades deixaram de ser nômades e fincaram morada, a partir da agricultura. “As tribos não tinham os mesmos ‘panos de fundo’ em comum. E então surgem os conflitos, de forma ainda primitiva, e seus desdobramentos em todo o processo histórico”.

O ex-ministro, filho de libaneses, considera que o Capitalismo dá forma e força aos conflitos. “Meus pais não vieram para cá porque quiseram. Correram risco de vida em busca de um lugar melhor para viver. E o Capitalismo, que diariamente expulsa famílias de casa, se perpetua cruelmente”.

Para Haddad, ao mesmo tempo em que o sistema exige imaginação e criatividade, tolhe quando algo é pensando de forma a tornar-se maior que ele. “É esta a fronteira que precisamos romper. Se a gente colocar nossa energia, como a de encontros como este, a serviço de um projeto de emancipação, de combate à fome e às guerras, se os grandes líderes mundiais se dedicassem um pouco aos problemas da humanidade, certamente forjaremos um mundo novo. Nossa imaginação deve estar a serviço de um projeto maior, pois, a partir daí, as condições sempre estarão dadas. As transformações não acontecem por falta de dinheiro, nem de mercadoria, nem de produção. Isso sempre será um pretexto. Devemos pensar e repactuar o que é imprescindível no planeta: o combate à miséria, a sustentabilidade e o respeito ao ser humano. Assim as fronteiras passarão a ser palavras vazias”.