Emicida visita acampamento do MTST: Resistência e esperança na avenida

Nas tardes quentes de fevereiro, o clima do maior centro financeiro da América Latina, a Avenida Paulista, saiu dos padrões. Ao lado da estação Consolação do metrô, 400 membros do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) compartilham tempo, barracas, colchões, tendas e atividades culturais.

Por Gabriel Valery, da RBA  

Emicida em acampamento do MST - Rede Brasil Ataul

“Oito dias de muita luta e muita festa. Estamos resistindo em frente ao escritório da Presidência para reivindicar as lutas por moradia e também ampliando as vozes dos indignados que, de forma alguma, classificam o governo Michel Temer (PMDB) como ilegítimo”, diz o militante Felipe Brito.

Palco da pressa paulistana, poucos passam por ali sem demonstrar reação. Mesmo os mais átonos são convidados pelos militantes: “Sabe o que estamos fazendo aqui?”, repete a dona Devanir para quem quiser parar e ouvir . Os cabelos brancos e o rosto marcado de sol revelam a idade avançada e uma vida de trabalho. A maior parte dos que passam para, solícita, e recebe um panfleto com as reivindicações do movimento.

A boa recepção não lembra em nada algumas cenas de intolerância vistas pela internet contra movimentos sociais. Alguns apertam o passo e empinam o nariz. Ofensas são raras. Ontem (23), militantes, simpatizantes e curiosos passaram mais uma tarde de paz.

Eles esperavam uma atração surpresa, que era anunciada de tempos em tempos por Brito no microfone da tenda cultural, além de aulas públicas que seriam ministradas pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e pela presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral.

Crianças correndo pelas tendas como se estivessem em casa presenciaram uma situação isolada de desrespeito. Um homem passou várias vezes pelo local montado em uma motocicleta das grandes, gritando para os trabalhadores “trabalharem”. Pela frequência das passagens e ofensas, parecia que ele é quem não tinha o que fazer.

Dona Devanir ficou irritada com a situação, mas logo o incômodo passou: “Vocês sabem porque estamos aqui?”, disse para os acampados, que retornaram com sorrisos. “Olha, as vezes irrita, mas sabemos da nossa luta e, precisamos ficar felizes para continuar”, disse, retornando à sua tarefa.

“Na noite de quarta-feira (15), mais de 30 mil sem-tetos, vindos de diversas ocupações, organizadas pelo MTST, vieram em marcha até o escritório da Presidência para exigir do governo Temer a liberação dos recursos para os projetos de moradia popular pelo Minha Casa Minha Vida Entidade, congelados desde que Temer assumiu o poder por meio de um golpe”. informa o manifesto que distribui. “Nosso acampamento surge pela defesa da moradia popular, mas também como um polo de resistência contra a retirada de direitos como a reforma da Previdência e trabalhista.”

Rotina e visitantes

A cartunista Laerte Coutinho também passou por ali. “As vezes recebemos visitas que nos enche de alegria. Todos podem participar, colaborar e sugerir atividades para nós. São todos bem-vindos”, anunciou Brito. “Fico maravilhada de ver que isso está acontecendo”, respondeu Laerte.

“A impressão que se tem de que o povo brasileiro está sendo atropelado por um golpe, que está sendo derrotado, é falsa. É uma impressão de quem não olha para o povo. Uma impressão de quem só lê a grande mídia, de quem não olha para os lados ao passar por aqui. É preciso ver essas pessoas que lutam e que não estão se entregando ou desistindo”, afirma a cartunista, para quem a questão da moradia é um dos exemplos em que o povo demonstra que está junto e mantém a luta acesa. "É possível brecar as medidas de opressão e as medidas que nos tiram direitos fundamentais. É possível avançar. Estou aqui e espero ajudar."

Na sequência, os acampados formam uma fila em outra tenda para comer um lanche. Doações sustentam o acampamento. Após uma grande chuva cair sobre São Paulo no dia anterior, a solidariedade foi amplificada. A reconstrução foi rápida e o estoque de água e comida foi fortalecido.

As atividades são organizadas. Café da manhã, almoço e janta têm horários marcados bem como os mutirões de limpeza, três vezes ao dia. Entretanto, a todo momento é possível ver algum acampado varrendo a calçada da Avenida Paulista ou recolhendo os lixos de latões espalhados pela ocupação.

Grito de resistência

Por volta das 17h, aumenta a fluxo de transeuntes, e de também o de interessados de interessados. Carina Vitral, da UNE, ministrou aula pública sobre os retrocessos na educação promovidos pelo governo Temer. “É importante valorizar a luta por moradia do MTST. É um movimento de guerreiras e guerreiros que está aqui sem hora para sair. A UNE está lado a lado com vocês”, disse. Carina ponderou que mesmo com contradições, dificuldades e limites, nos governo de Lula e Dilma, o movimento estudantil podia sonhar, dialogar, propor uma educação mais avançada e pública para todos. A estudante de Economia, natural de Santos, posiciona a educação no Brasil antes e depois do golpe.

“Nossa luta foi interrompida (…) depois do golpe vemos os interesses do governo Temer. Na educação, são interesses do setor privado, que batem de frente contra a luta pela educação pública. Tentam fortalecer meia dúzia de empresários que oligopolizam o ensino e colocam os interesses privados à frente da educação que nossa Constituição determina como pública e de qualidade para todos”, disse. Para Carina, a maior perda deve incidir sobre o Plano Nacional de Educação (PNE). “Esse plano previa metas ousadas em cada nível de educação. Tínhamos uma meta de 30% dos jovens em universidades públicas, sendo que hoje são menos de 15%. Também tínhamos a meta de 60% dos jovens nas universidades. Eram metas de mudanças que estão mortas agora”, disse.

A razão do fim das metas, para Carina, é a Emenda Constitucional 96, de autoria do Planalto, que“limita gastos públicos para os próximos 20 anos. "Retrocedemos. Antes aumentávamos investimentos. O plano era colocar 10% do PIB na área", disse. "E como faríamos isso? Agora as razões do golpe ficam claras. No PNE prevíamos a utilização dos recursos do pré-sal. E qual a ligação da Operação Lava Jato com o golpe? Qual a desculpa para o impeachment? Corrupção. A mesma desculpa que foi dada para desmontar a Petrobras. Agora estamos sem esses recursos porque o dinheiro será entregue à empresas estrangeiras que vão explorar no nosso lugar", disse em referência à mudança do marco regulatório do petróleo, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), que reduz a exclusividade da Petrobras na exploração do pré-sal.

Carina foi seguida por deputado Paulo Teixeira: “Se paramos de sonhar em avançar, se sofremos riscos, o que resta? Não é chorar. Resta muita luta e combatividade”.

Lembranças de um acampamento golpista

O deputado saudou os acampados com agradecimentos. “A sociedade deve agradecer cada um de vocês. Isso, porque lá em frente ao prédio da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado), várias pessoas acamparam vários meses para tirar Dilma do governo. Ela saiu por meio de um golpe apoiado por eles, pela Fiesp, pela mídia e pelo Judiciário. Com isso, derrubaram junto a democracia brasileira”, diz.

“E o pior: prometiam crescimento econômico com empregos e honestidade. O que vemos agora é a ampliação do desemprego, a retirada de direitos, a destruição da Previdência pública e a mudança no marco regulatório do petróleo (…) Vemos a cada dia mais corrupção. Eles queriam tirar a Dilma para fazer o que o senador Romero Jucá (PMDB-RR) disse: um grande acordo nacional junto com o Supremo para parar investigações”, observa o parlamentar.

Teixeira seguiu sua aula pública sobre a terra, e como criar instrumentos contra a especulação imobiliária. O deputado afirmou que esteve com o ministro das Cidades de Temer, Bruno Araújo, e que este prometeu retomar o diálogo com os movimentos sociais. “Isso só foi possível porque ontem fizemos uma reunião e ele sabia desta ocupação.”

Carina e Paulo Teixeira convocaram todos os presentes para que, no dia 8 de março, se mobilizem nas ruas contra a reforma da Previdência.

Em seguida foi anunciada a atração surpresa da noite: Emicida. O rapper paulistano fez o acampamento encher. A calçada intransitável ouviu suas primeiras palavras: “Temos que resistir. A pergunta que me faço sempre é: quando é que foi fácil? Tivemos que lutar por nossas vidas desde o momento que nascemos. E somos pessoas que nos sentimos vivos se todos estiverem se sentindo vivos. A importância de nos mantermos unidos é a importância do riso das crianças”.

Na manhã desta sexta-feira, o acampamentos recebeu novas visitas. Pastor Ariovaldo ministrou uma espécie de aula-culto, em abordou a importância da religiosidade e lamentou que algumas personalidades criem uma visão negativa façam uso oportunista do evangélicos. Segundo ele, grandes comunidades de evangélicos com visão progressista e engajados em lutas por justiça social.

O presidente nacional da CUT, Vagner Freitas, acompanhado do presidente da CUT-SP, Douglas Izzo, também passou pela ocupação. "Aqui no acampamento do MTST, além de moradia, estamos lutando pela nossa aposentadoria, direito a escola, emprego, hospital, cidadania. Não vamos deixá-los construir uma sociedade do de brancos e ricos", diz Vagner.