Pedro Paulo Zahluth : Não há razão para otimismo na economia

Os indicadores não apontam recuperação da economia, afirma Pedro Paulo Zahluth Bastos, em entrevista concedida à Carta Capital. O texto foi publicado antes da divulgação do resultado do PIB de 2016, que indica retração de 3,6%.

Pedro Paulo Zahluth

CartaCapital: O senhor tem acompanhado o debate entre os economistas ortodoxos a respeito da eficiência da taxa de juros para controlar a inflação? Como definiria essa discussão?

Pedro Paulo Zahluth Bastos: A discussão é caracterizada pela preguiça dos economistas neoclássicos brasileiros em olhar os dados e tentar basear seus argumentos em evidências. Para todos, o que vale é defender o argumento de que a inflação resulta em última instância do desequilíbrio fiscal. Para a maioria, importa também defender a política de juros elevados que faz do Brasil, há muito tempo, uma anomalia internacional, o que explica a reação apaixonada à crítica mal direcionada feita por André Lara Resende ao Banco Central.

CC: Por quê?

PPZB: O argumento de que a inflação tem relação com o aumento da dívida e o déficit público não respeita os dados nem para o caso brasileiro nem para as economias desenvolvidas. Nestas, o déficit público explodiu por causa da crise financeira global, os bancos centrais entupiram os bancos privados de liquidez barata, e ao contrário do esperado a inflação baixa despencou. Aqui, o déficit explodiu em 2016, mas a inflação apresentou nítida tendência de queda. O modelo teórico dos ortodoxos justifica a elevação de juros para reduzir o gap entre o produto efetivo e o potencial, ou entre a taxa de desemprego corrente e a taxa de desemprego que, na visão deles, não gera inflação, por limitar ganhos salariais. No Brasil desde 2015, o desemprego despencava, enquanto o Banco Central não parava de elevar os juros nominais e, depois, aumentar os juros reais, o que, aliás, era um motivo central tanto da depressão quanto do aumento da dívida pública. E não uma reação a isto.

CC: O governo, com apoio de boa parte da mídia, tem tentado emplacar um discurso otimista a respeito da recuperação da economia. Os indicadores permitem tal otimismo?

PPZB: Ainda não. Os emplacamentos de automóveis em fevereiro despencaram mais de 8% em relação a janeiro. A taxa de desocupação dos trabalhadores chegou a 12,6% no trimestre encerrado em janeiro e se aproxima de 13 milhões, ou mais 879 mil desempregados em relação ao trimestre concluído em outubro de 2016 e mais 3,3 milhões em relação a janeiro de 2016. Em dezembro, as vendas no varejo recuaram 2,1%. O ritmo de queda pode ter diminuído, mas a economia ainda não se recupera. O BC tem tentado diminuir o estrago, mas o risco de inadimplência continua a travar o crédito bancário e pode, no limite, ameaçar bancos menores, sobretudo se grandes construtoras começarem a quebrar em dominó. O real forte barateia o pagamento de dívidas externas das empresas, mas ao mesmo tempo expulsa exportadores do mercado global. Se o governo federal cortar gastos e forçar os governos estaduais a fazê-lo neste ano, a recuperação vai atrasar ainda mais e, quando começar, será muito lenta.

CC: Quais medidas poderiam estimular a recuperação?

PPZB: É fundamental retomar programas e projetos paralisados e concluir obras em meio caminho, pela rapidez do impacto econômico. A estratégia política dos golpistas não era apenas fazer o ajuste fiscal, mas paralisar o legado do ciclo político anterior, esperando que a população o esquecesse até 2018. Isto fracassou. Além disso, um pool de bancos públicos deve ser mobilizado, ao mesmo tempo em que se atraem instituições privadas para avaliar e alongar dívidas conjuntamente. Tecnicamente, fazer empréstimos sindicalizados. A redução dos spreads só é possível com uma ação conjunta dos bancos públicos. A renegociação das dívidas, sobretudo de empreiteiras e construtoras, é de alta prioridade, pois sua falência implicará em novas quebras de fornecedores menores, aumento do desemprego e desnacionalização. Isso passa por acelerar acordos de leniência e reverter o caráter anti-nacional da Lava Jato.

CC: E o que mais?

PPZB: Além de alongar as dívidas das empresas, é fundamental alongar a vigência do seguro-desemprego, desde junho de 2015 limitado a quatro ou cinco parcelas na primeira solicitação, mais quatro na segunda e mais três na terceira. O desemprego de longo prazo instalou-se no País, e não podemos produzir mendigos ou algo pior por falta de opção. A renegociação da dívida com estados e municípios é fundamental para assegurar crescimento e base parlamentar, que o sucesso das demais políticas assegurariam com empresários e trabalhadores. Deve-se garantir gastos correntes e conclusão de obras paralisadas, o que exige reverter a emenda constitucional do teto de gastos federais e sua imposição nos contratos com os estados.

CC: E o que fazer para deter o processo de desindustrialização?

PPZB: Os economistas ortodoxos não se importam com a especialização produtiva. Desconhecem as evidências de que o crescimento da renda per capita está associado ao grau de complexidade da economia, ou seja, ao aumento da capacitação produtiva e da diversificação das redes internas na indústria de transformação e serviços elaborados. O Atlas da Complexidade Econômica elaborado em consórcio entre a Universidade de Harvard e o MIT tem um cipoal de evidências que os neoclássicos não podem refutar, mas não podem dizer que desconhecem.

CC: Os desenvolvimentistas entendem?

PPZB: Novos-desenvolvimentistas, como Luiz Carlos Bresser-Pereira, entendem os efeitos da complexidade industrial, mas não dão importância ao peso das filiais estrangeiras na matriz industrial brasileira e à transformação tectônica da indústria global associada à industrialização chinesa. Com isso, continuam a defender um crescimento orientado por exportações, em uma economia mundial cujo comércio passou a crescer abaixo do PIB mundial e que é abarrotada por produtos asiáticos baratos. Assim, desprezam inteiramente a importância do mercado interno, não só para integrar populações excluídas e reduzir a heterogeneidade social e regional quanto para estimular o investimento industrial. Sem mais proteção do mercado interno e negociação séria com as filiais estrangeiras que se tornam, cada vez mais, importadoras e maquiladoras, e sem um planejamento do crescimento do mercado interno, com grande investimento público, não há saída para a indústria no Brasil neste novo mundo de superprodução asiática e preços industriais cadentes.

CC: O que representam o fim da política de conteúdo nacional e as mudanças nas regras do pré-sal?

PPZB: A meta fundamental do bloco no poder depois do golpe é substituir um modelo de crescimento orientado para o mercado interno e para a inclusão social, por outro orientado prioritariamente para o mercado internacional. Para isso, tem o projeto de vender o Brasil barato, atrair sócios ricos para parceiros locais subordinados, sem qualquer estratégia soberana. Daí a proposta de reduzir custos salariais diretos e indiretos e atrair grandes corporações com um “ambiente de negócios” propício, e não com um mercado interno pujante e um governo capaz de negociação soberana da inserção internacional do País. Na década de 1990, a despeito da mão de obra barata da maioria da população, o Brasil não conseguiu concorrer com China e México, e hoje teria que disputar com Vietnã e Bangladesh também.

CC: Na contramão, certo?

PPZB: A desnacionalização de grandes empresas privadas, de ativos estratégicos como o campo de Carcará e da infraestrutura pública deve ser evitada, por conta de impactos estruturais negativos sobre balanço de pagamentos, custo-Brasil, equilíbrio fiscal, capacidade de planejamento e efeitos de encadeamento produtivo e tecnológico. Os investidores estrangeiros tendem a concentrar suas atividades de capacitação tecnológica em seu mercado de origem, inclusive em sinergia com fornecedores locais que tem também interesse em adquirir capacitação no mercado doméstico. A revisão da exigência de conteúdo local mínimo vai no sentido de reduzir encadeamentos produtivos e tecnológicos locais, aproximando o setor de petróleo e gás de um enclave, como ocorre em vários países africanos ricos em petróleo, mas carentes de tecnologias. Não é o caso do Brasil, que domina tecnologias world class na exploração de petróleo em águas profundas. A venda de ativos da Petrobrás, aliás, transfere a custo barato tecnologias cuja aquisição envolveu grande esforço de qualificação tecnológica local, para concorrentes que não contribuíram para financiar este esforço de qualificação.

CC: Qual medida do governo Temer o senhor considera a mais nociva?

PPZB: É difícil elencar uma apenas. Além da entrega de campos ricos do Pré-Sal a preço de banana para petroleiras internacionais, a tragédia é o conjunto de mudanças na Constituição. As reformas constitucionais visam proteger o neoliberalismo contra reações democráticas futuras, a partir de um processo político que não podemos deixar de chamar de golpista. Dentro do plano de perenizar o golpismo neoliberal, a emenda constitucional 95, do teto do gasto, ex-PEC 241 e 55, é até agora a mais nociva, mas o plano integral envolve, como se sabe, eliminar a Consolidação das Leis do Trabalho e a Seguridade Social, com a reforma trabalhista e da Previdência social. Hoje, o projeto da elite brasileira e o do novo PMDB é levar o Brasil de volta ao século XIX. Não surpreenderá se a legislação e a fiscalização dos casos de trabalho escravo venha a regredir décadas, ao mesmo tempo em que se planeja vender terras a estrangeiros, como nos áureos tempos da monocultura cafeeira.