"Reformas", rupturas e o fim das cidadelas sociais

No dia 12 de maio, o governo do presidente Michel Temer completa um ano. Neste curto período, o atual governo conseguiu transformar um país soberano numa colônia. É verdade que o Brasil já vinha cambaleante. Mas tínhamos o pré-sal e os programas sociais que assistiam os mais pobres. Perdemos o primeiro e os segundos estão ameaçados pelo congelamento de gastos.

Por Marcos Verlaine* 

Fora Temer

O congelamento de gastos será uma tragédia social para o Brasil, porque sem investimentos numa agenda social robusta, o país está fadado ao subdesenvolvimento. E quem mais sofrerá são os mais pobres e vulneráveis socialmente.

A trava nos gastos primários do governo atende demanda do rentismo, dos ricos, dos banqueiros, em detrimento de investimentos que poderiam fazer com que o país saísse da crise com mais rapidez. Na prática, a Emenda à Constituição 95/16, tira a população pobre do orçamento, independentemente de haver ou não aumento de receitas e crescimento do PIB, nos próximos 20 anos. A EC 95 proíbe gastar além do orçamento executado no ano anterior, corrigido pelo IPCA (Índice Nacional de Preço ao Consumidor Ampliado).

Como não pode, a partir da promulgação da EC 95, aumentar despesas, para aumentar ou ampliar os gastos em uma área, o governo deve reduzir em outra e vice-versa.

O limite ou congelamento de gastos implodiu a Constituição de 88, na parte dos direitos sociais. Trata-se de uma ruptura com o que o constituinte original procurou construir um pacto civilizatório. Pois bem, este pacto está rompido!

“Reformas”

As “reformas” da Previdência (PEC 287/16) e trabalhista (PL 6.787/16) encaminhadas ao Congresso pelo governo Temer aprofundam a exclusão social e sacramentam o limite de gastos, em particular a previdenciária.

A PEC 287 simplesmente dificulta ou impede a aposentadoria no Brasil — ao instituir idade mínima de 65 anos e 25 anos de contribuição — de milhões de trabalhadores, em particular os celetistas, regidos pelo Regime Geral, a cargo do INSS. E literalmente inviabiliza a aposentadoria dos trabalhadores rurais aos equipará-los aos urbanos. Enfim, não é uma reforma. É a implosão da Seguridade Social no Brasil.

A contrarreforma trabalhista caminha no mesmo sentido da previdenciária. Ao determinar que as convenções e acordos coletivos prevalecerão sobre a legislação trabalhista (CLT), simplesmente o Estado deixará de mediar a desigual relação entre o capital e o trabalho. Fazendo com que a parte mais fraca social e economicamente nessa relação sofra perdas que comprometerão o salário e as condições dignas de trabalho.

A reforma trabalhista completa a previdenciária. Não são estanques ou estão dissociadas. Uma está para a outra, como a previdenciária está para o limite de gastos. Aprovado o PL 6.787/16, a CLT virará peça de museu, bem como a Justiça e o Direito do trabalho, que perderão objeto e sentido. Tudo girará em torno do entendimento do que ficar acordado entre trabalhadores vulneráveis e patrões fortalecidos. Os trabalhadores, a partir do negociado pelo legislado, terão de abrir mão de direitos para manter o emprego, precário e com baixos salários!

A mudança proposta no PL 6.787/16 determina, ainda, o reconhecimento de novos modelos de contrato de trabalho, como o temporário, com ampliação de 90 para 120 dias; o parcial, que passa a ser de 30 horas semanais, mais 26 horas extras; e o intermitente, que “uberiza” a relação de trabalho ao transferir todo ônus da relação empregatícia para o trabalhador.

Cidadelas sociais

A Constituição de 88 erigiu o Estado de Bem-Estar Social. Os capítulos que tratam dos direitos e garantias fundamentais, e dos direitos sociais, em particular, são a expressão disso.

O artigo 7º da Constituição, combinado com inciso XXVI, reconhece as convenções e acordos para ampliar e acrescentar direitos. O sistema de Seguridade Social, acolhido pela Constituição, engloba a Saúde Pública, artigo 196; a Previdência Social, artigos 201 e 202; e a Assistência Social, artigo 203, compõem as “cidadelas sociais”, que serão destruídas pelas contrarreformas.

Estas cidadelas são as proteções, as fortificações erigidas e fortalecidas pela Constituição de 88, que o governo Temer, a mando e serviço do mercado quer destruir. Destruídas, jogarão o Brasil e o povo mais pobre, na condição de país fadado ao subdesenvolvimento e o povo na condição de párias sociais.

Lutar contra as “reformas” do governo é a tarefa central dos movimentos sociais e sindical. Ampliar a luta, com unidade de ação, deve ser o centro da agenda política dos que combatem o fim do pacto civilizatório e das cidadelas sociais.

(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap