Potencialidades econômicas da iniciativa “Um Cinturão e Uma Rota”

Essa iniciativa marca principalmente a emergência da China no palco da governança global e, claro, vai refletir também sua visão sobre esse mesmo mundo.

Por José Medeiros da Silva* e Marina Zucker Marques**

Cinturão e a rota

A construção do Cinturão Econômico da Rota da Seda e da Rota da Seda Marítima do Século 21 é o eixo central sob o qual se apoiará a China para a promoção do seu desenvolvimento e a intensificação de suas relações e interações com os outros países. Sua implantação imprimirá uma nova dinâmica na geoeconomia mundial e abrirá novas oportunidades que, se bem visualizadas e aproveitadas, podem beneficiar um conjunto significativo de pessoas, empresas e países.

Abreviadamente denominada de o Cinturão e a Rota, esse grandioso projeto capitaneado pelo governo chinês tem como um dos seus objetivos criar uma nova dinâmica econômica entre a China, a eurásia e a África.

Pelos valores envolvidos, essa iniciativa tem grande potencial para estimular a economia global, que sofre uma acentuada desaceleração desde a crise financeira de 2008. O custo estimado do investimento do projeto está entre US$ 900 bilhões e US$ 4 trilhões (o número não está fechado e as estimativas variam muito dependendo do referencial usado por cada especialista) e vai envolver diretamente mais de 60 países que são em sua maioria de renda média ou baixa. Para se ter uma ideia do montante, em 2016, o PIB dos países envolvidos diretamente nessa iniciativa girou em torno 13 trilhões de dólares (com exceção da China).

Apesar do montante dos investimentos inicialmente previstos estarem programados para serem aplicados ao longo de alguns anos, essa comparação com o PIB dos países diretamente envolvidos revela que tais investimentos não são desprezíveis, podendo auxiliá-los decisivamente no seu desenvolvimento econômico e social.

Além disso, a expectativa de novos investimentos poderá estimular outros grupos econômicos, internos ou externos, a atuarem mais incisivamente nessas economias, gerando assim um ciclo econômico virtuoso capaz de atrair inversões adjacentes e potencializando cada vez seu efeito multiplicador. Dito de outro modo, o real impacto econômico dessa iniciativa também irá depender da natureza dos investimentos e o grau de envolvimento e de encadeamento entre as economias locais. Assim, quanto mais envolvidos estivem os grupos locais, maior a potencialidade do projeto gerar benefícios para os seus atores.

Do ponto de vista financeiro, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB- sigla em Inglês) atuará como o braço da iniciativa Cinturão e Rota. Esse banco já tem um capital autorizado de 50 bilhões de dólares e eventualmente pode ser aumentado para o montante de 100 bilhões.

Atualmente, as instituições financeiras privadas e multilaterais existentes apresentam baixo interesse em financiar projetos de infraestrutura de longo prazo, assim sendo com o AIIB, a demanda por esse tipo de financiamento pode ser suprida, viabilizando dessa forma os investimentos dos projetos que dinamizarão economicamente a proposição chinesa.

Vale mencionar também que, além do AIIB, no final de 2014 o presidente chinês Xi Jinping anunciou a criação do Fundo da Rota da Seda, onde a China aportará US$ 40 bilhões para apoiar o desenvolvimento de infraestruturas e a cooperação industrial dos países ao longo das rotas terrestre e marítima da Rota da Seda.

Evidentemente, apesar dos aspetos econômicos e financeiros serem os fatores-chave da Iniciativa de o Cinturão e a Rota, essa iniciativa será melhor compreendida se observada como um plano bem mais amplo, onde esses fatores não são um fim em si mesmos, mas apenas instrumentos para se atingir objetivos mais duradouros. Nessa perspectiva, o volume dos investimentos até agora anunciados é apenas um fator circunstancial, já que o mesmo deve aumentar exponencialmente ao longo do seu aprofundamento.

De forma mais ampla, a proposta da China se articula em “Cinco Níveis”, objetivando promover a coordenação política, a conectividade de estradas e rotas, o livre comércio, convertibilidade de moedas e aproximações de culturas e povos.

Essa iniciativa marca principalmente a emergência da China no palco da governança global e, claro, vai refletir também sua visão sobre esse mesmo mundo.

Nesse sentido, é preciso um olhar mais aguçado e de longo prazo, livre de uma mentalidade preconceituosa e belicista que predominou no século XX, para que essa nova tendência do desenvolvimento econômico global seja adequadamente dimensionada e conjuntamente trabalhada objetivando sempre a geração e compartilhamento de benefícios efetivos para a melhoria das condições de vida dos mais diversos povos.

Particularmente, destacaríamos ainda que os países de língua portuguesa têm novamente diante de si oportunidades ímpares, que devem ser minuciosamente buscadas e estudadas. Recorde-se de que Macau, uma porta privilegiada do braço marítimo desse novo projeto, é a sede do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial com os Países de Língua Portuguesa de Macau (Fórum de Macau) e foi designada por Beijing como o elemento-ponte principal na construção de sinergias com os referidos países. E não há dúvidas de que o seu legado cultural o legitima para essas conectividades e as interações que emergem do tempo presente.

Parece que Um Cinturão e Uma Rota pode ajudar a tornar bem mais factível o sonho desenhado em um dos poemas mais conhecidos da língua portuguesa e escrito por Fernando Pessoa, um dos maiores patrimônios da cultura lusófona: “Deus quis que a terra fosse toda uma/Que o mar unisse, já não separasse”. (Fernando Pessoa – Mensagem)


*Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, professor na Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang, em Hangzhou, China.

**Economista pela Faculdade de Campinas-FACAMP e atualmente Mestranda em Economia e Comércio Internacional pela Universidade da Indústria e Comércio de Zhejiang, em Hangzhou, China.