As mulheres que combatem notícias falsas na América Latina

Mulheres de cinco países da América Latina estão na linha de frente de combate às informações inverídicas que diariamente invadem as redes sociais e se espalham feito um vírus pela internet. A praga vem sendo chamada de pós-verdade, um jeito de tornar moderno o velho boato. Este levantamento mostra que na Argentina, Brasil, Equador, México e Peru, os sites dos fact-checkers, ou checadores da veracidade de informações, são coordenados ou liderados por mulheres.

Por Reinaldo Chaves

Notebook - PA

Como checar informações é algo que jornalistas já faziam ou deveriam fazer, o fact-checking com o tempo passou a ser um símbolo de novos projetos de jornalismo pelo mundo. Os políticos, claro, são os principais alvos. O México, por exemplo, tem 119 milhões de habitantes e o governo do presidente Enrique Peña Nieto anunciou em 2015 que “3,1 millones de mexicanos ya no pasan hambre”. Ou seja: afirmou que seu principal programa social era um sucesso e que 2,6% da população já não passava fome.

A editora do El Sabueso, Tania Montalvo, foi checar a afirmação de Peña Nieto e descobriu que a informação era enganosa. “Fomos verificar e descobrimos que não havia dados para apoiar a alegação. Na sequência, o governo mudou o sentido discursivo da campanha, pois sua credibilidade estava perdida. Atualmente nem faz mais propaganda desse programa social”, diz Montalvo.

El Sabueso – Animal Político (México)

El Sabueso surgiu em 2015, dentro do site jornalístico Animal Político. Montalvo e sua equipe costumam verificar frases e promessas de qualquer nível da política e governo no México.
“Frases falsas são comuns no México. E isso geralmente aumenta porque a mídia tradicional repete o discurso dos políticos sem buscar dados que confirmem o que eles dizem.
Já tivemos checagens em que a mídia tradicional publicou um fato e nós dissemos que era um erro”, afirma Montalvo.

Agência Lupa (Brasil)

Os checadores brasileiros são unânimes em afirmar que o linchamento da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, acusada injustamente em 2014 de ser uma sequestradora em um boato no Facebook e que acabou sendo morta no Guarujá (SP) por conta disso, é um triste exemplo do perigo das informações falsas.

“Ela morreu de notícia falsa”, diz Cristina Tardáguila, diretora da Agência Lupa. Segundo ela, se o Brasil “não tem um Donald Trump fabricando notícias falsas ou informação truncada a cada tuite”, há sites “sem escrúpulos, só interessados em dinheiro” que publicam diariamente notícias falsas em busca de cliques e centavos do AdSense (serviço de publicidade oferecido pelo Google para sites em geral).

A Agência Lupa é uma derivação de um projeto que Tardáguila lançou em 2014 no jornal O Globo ‒ o Preto no Branco. Em novembro de 2015 ela passou a atuar como startup (empresa iniciante de base tecnológica) incubada dentro da revista Piauí e recebeu um aporte de investimento da editora Alvinegra. A equipe faz checagens que não se restringem a um assunto, apenas nos anos eleitorais eleição o foco efetivamente é política. A empresa já fez, por exemplo, checagem sobre se o remédio Oxyboldine tirava a ressaca mesmo (na época do Carnaval).

Aos Fatos (Brasil)

Outro grande exemplo no Brasil de fact-checking é o site Aos Fatos, criado em julho de 2015. Ele cobre sobretudo política nacional e questões locais com relevância nacional. Há ainda a checagem do discurso de autoridades, além de peças publicitárias, documentos e declarações públicas.
“Estamos em um país com altíssimo número de analfabetos funcionais, de modo que a informação, verídica ou não, chega ainda a um grupo seleto de pessoas. Há falta de uma cultura informativa saudável na elite brasileira, de uma educação que estimule o desenvolvimento de capacidades críticas. Isso tudo contribui para a disseminação da desinformação. Mas não acredito, por ora, em um cataclisma provocado unicamente por boatos”, analisa Tai Nalon, diretora de Aos Fatos.
O Aos Fatos costuma checar virais de internet, que podem ou não conter informações falsas e podem ou não estar em formato noticioso. “Normalmente, os grandes virais sequer estão em formato clássico de notícia, de modo que o termo ‘notícia falsa’ não é conceitualmente preciso”, ressalva.

Chequeado (Argentina)

Um dos projetos mais antigos e bem-sucedidos de fact-checking na América Latina é o Chequeado, na Argentina, que começou em 2010. O site trata de questões políticas, econômicas e sociais fundamentalmente. Laura Zommer, a diretora-executiva, é jornalista, advogada e ativista do acesso à informação pública e da abertura de dados.

“A verificação de notícias nesse momento do país é crucial porque a tecnologia possibilitou a produção e circulação de notícias falsas, que sempre existiram, mas agora se multiplicaram em excesso afetando o direito dos cidadãos à informação”, comenta.
 ‎‎
El Verificador – Gkillcity (Equador)

No Equador, as eleições presidenciais terminaram no dia 2 de abril com vitória apertada do candidato governista Lenín Moreno no segundo turno, com 51,1% dos votos. O candidato da oposição Guillermo Lasso ficou com 48,8%, mas disse que houve fraude e pediu a recontagem dos votos. Muitos apoiadores dele foram para a rua protestar – em alguns casos motivamos por boatos.

“Durante as eleições, compartilharam muitas imagens e vídeos de supostas fraudes. Mas foi verificado que algumas imagens eram velhas, alteradas ou fora de contexto, como um senhor deficiente que preencheu sua cédula em seu carro e depois foi acusado de preencher várias cédulas. Estas imagens causaram grande descontentamento e muitos equatorianos foram às ruas para protestar contra a fraude eleitoral em 19 de fevereiro”, conta Lisette Arévalo, editora do projeto El Verificador, seção de fact-checking do site Gkillcity, fundado no ano passado.

Ojo Público (Peru)

No Peru, em março, inundações causadas pelas intensas chuvas em todo o  país  provocaram a morte de 98 pessoas. Várias cidades também ficaram sem abastecimento de água. Uma série de rumores foi difundida pelo Whatsapp, Twitter e Facebook dando conta de que a falta de água seria duradoura, que o governo iria privatizar o abastecimento ou que seria necessário estocar água.

Fabiola Torres, co-fundadora e editora do Ojo Público, site de jornalismo investigativo do país, afirma que esse foi o sinal mais recente do poder dos boatos. “No Peru temos páginas na internet com aparência de similaridade com sites de notícias sérios, mas que são hospedados fora do país e só disseminam mentiras. Recentemente divulgaram que os peruanos poderiam entrar por 80 dias nos EUA sem visto. A embaixada dos EUA teve que desmentir rápido para evitar problemas”, conta.