Para se entender a crise política do Brasil

Quem vive fora e procura acompanhar um pouco o que se passa no Brasil, deve estar se perguntando o que de fato está acontecendo com o país, qual a natureza dessa atual crise e seus possíveis desdobramentos políticos, econômicos e sociais.

José Medeiros da Silva*
Rafael Gonçalves Lima**

Michel Temer - Foto: Marcos Corrêa/PR

Se não há uma única resposta explicativa, uma breve contextualização nos ajudará a entender a dimensão e a complexidade dessa que já pode ser considerada como a maior crise política do país desde o processo de redemocratização, no início dos anos 80.

O Prenúncio da Crise

Até 2012, o Brasil era visto com grande entusiasmo. Seu protagonismo na arena internacional era evidente e o país passou a ser contado como uma peça importante no reordenamento político do mundo, ao lado de outros emergentes, como a China. Assim, o país jogou um papel-chave no fortalecimento do G-20 político, esvaziando o papel do então todo poderoso G-7 (Grupo dos sete países que controlavam a governança mundial), e na criação do BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul). Não por acaso, em 2007 e 2009, o Brasil foi escolhido para sediar os dois maiores eventos do mundo, a Copa do Mundo de futebol (2014) e as Olimpíadas (2016).

Há quem advogue que tanto o sucesso do Brasil na primeira década do século XXI, assim como sua queda mais recente tenha a ver com o cenário econômico internacional. Ou seja, atribui-se o êxito político dos oito anos do governo Lula (2003-2010) aos altos preços das commodities. Da mesma forma, raciocina-se que a queda vertiginosa dos preços internacionais de algumas matérias-primas foi determinante para o insucesso político do governo Dilma (2011-2016). Entretanto, nos parece que a saída do Brasil da vitrine internacional, assim como o agravamento de sua situação interna podem ser melhor esclarecidos se observadas a movimentação e a forma de ação de alguns setores da sociedade na disputa pelo controle do poder político federal.

Em junho de 2013, as ruas do Brasil foram tomadas por grandes protestos. A então presidente Dilma Rousseff sofreu grande abalo na sua popularidade, jamais recuperada, mesmo com a conquista de sua reeleição no ano seguinte, ou seja, no final de 2014. Na verdade, com as manifestações de julho de 2013, marcam a inversão da onda de otimismo, interno e externo, que vivia o país.

Alguns agentes políticos-econômicos-midiáticos visualizaram nas fendas abertas por essas manifestações uma oportunidade ímpar para fazer avançar seus intentos de assumir o controle sobre o poder político central. Lembremos que no final de 2014, mesmo com a vitória eleitoral (apertada) da presidente Dilma, a disputa não cessou. Assim, o pacto de se aceitar os resultados das urnas como forma de resolução dos grandes impasses políticos já não era mais suficiente para o apaziguamento político das forças contraditórias. A disputa deixa então a esfera eleitoral e adentra por caminhos imprevistos.

Apesar dos acenos econômicos impopulares feitos pela Dilma, um setor importante do empresariado e banqueiros no país não ficaram satisfeitos. A Dilma não era mais uma pessoa de sua confiança, como de alguma forma havia sido o Lula. Assim, continuaram a propagar a tese de que o grande empecilho para a retomada do crescimento econômico do país era a presidente, sendo seu afastamento essencial.

A Operação Lava Jato

Para deixar ainda mais complexo o quadro político, nesse interim, nascia e ganhava força a denominada “Operação Lava-jato”, que para o bem o para o mal, passou a protagonizar a cena político-policial da atual crise.

Deflagrada pela Polícia Federal no dia no dia 17 de março de 2014, a referida operação dizia ter por objetivo principal a ação ilegal de doleiros que praticavam crimes contra o sistema financeiro nacional. Pouco a pouco, porém, as investigações foram se desdobrando e atingindo diversos pesos-pesados do cenário político e econômico nacional. Vários desses personagens, como grandes empresários, ex-governadores, ex-ministros e parlamentares, estão presos.

Assim como as manifestações de junho de 2013, os agentes políticos, econômicos e mediáticos que lutaram para exercer seu controle sobre o país, também se aproveitaram da Operação Lava Jato para se acercar ainda mais dos seus objetivos. No início de dezembro de 2015, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (agora um dos presos da Lava Jato) autorizou o prosseguimento do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. No final de agosto de 2016, o Senado Federal confirma a perda de seu mandato, alegando que a presidente havia cometido crime de responsabilidade fiscal, assim como editado ilegalmente, ou seja, sem a autorização do Congresso, decretos de abertura de crédito.

O presidente Michel Temer

Com a saída da Dilma, toma posse o então vice-presidente Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). A entrada de Temer não significou apenas a substituição de uma presidente pelo seu vice, mas sobretudo o rompimento da aliança entre o PMDB e o Partido dos Trabalhadores (PT), que tinha sido a chave para a funcionalidade do governo de Dilma Rousseff em seu primeiro mandato (2011-2014), assim como para a sua reeleição. Curiosamente, Temer assume o mandato sustentado por uma base política que havia sido derrotada nas eleições de 2014.

Porém, quando as turvas águas da política brasileira pareciam se acalmar e a nova oposição procurava acumular forças para as disputas eleitorais de 2018, conformando-se com o seu novo papel, surge novamente o imponderável. Ou seja, a Justiça deflagra novas investigações, tendo como alvo o próprio presidente Temer e o senador Aécio Neves, até então presidente do PSDB. Aliais, Aécio perdeu não apenas o comando sobre o seu partido, mas foi afastado pela Justiça das suas funções de senador.

Tanto Temer quanto Aécio estão sendo acusados pela Justiça de, no mínimo, terem sido coniventes com a corrupção. Aécio, que não aceitou sua derrota política em 2014, agora está politicamente acabado e na iminência, inclusive, de ser preso. Já a situação de Temer abre o caminho para um novo imponderável.

Conclusão

No atual momento, parte das elites políticas, econômicas e midiáticas correm para encontrar algum atenuante para a crise. A saída de Temer é um cenário bem provável, mas não tão simples. Nesse caso, são três as principais possibilidades. Uma, a renúncia. Outra, a cassação pela Justiça da chapa Dilma-Temer pelo Supremo Tribunal Eleitoral, que deve julgar no início de junho de 2017 aquele pedido do PSDB acusando a referida chapa de abuso de poder político e econômico para se reeleger. Uma terceira possiblidade seria um processo de impeachment, como o já encaminhado à Câmara dos Deputados pela Ordem dos Advogados do Brasil. Esse terceiro cenário, devido o fator tempo é pouco provável.

Caso se confirme a saída de Temer, o cenário mais provável é o de eleições indiretas. Ou seja, um nome que sairá do Congresso Nacional. As forças políticas, econômicas e midiáticas trabalham nessa perspectiva.

Apesar de todos os esforços, a crise ainda tende a se arrastar por um longo período. Ontem, por exemplo, o presidente Temer resolveu publicar um decreto autorizando o uso das Forças Armadas no Distrito Federal, em nome da defesa da ordem, entre os dias 24 e 31 de maio.

É difícil prever quando haverá uma nova conjunção das principais forças econômicas, judiciárias, políticas, midiáticas e populares para o bem do país.

Mas assim como no futebol, sabemos que o Brasil é sem dúvida o país do imponderável. E curiosamente, essa incerteza é a nossa grande esperança. Bem sabemos que algum dia esse imponderável pode se virar em benefício do nosso país e nosso do nosso povo. Por isso seguimos.

*José Medeiros da Silva é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, Professor na Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang.

**Rafael Gonçalves de Lima é mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Jilin, na China.