Comeback, o adeus de Nelson Xavier

A estréia de Erico Rassi com o seu “Comeback” é puro cinema. Já dizia o intelectual italiano Ricciotto Canudo, no início do século XX, que o cinema é arte que incorpora todas as artes. Isso se vê no filme de Rassi.

Por Vandré Fernandes*

Nelson Xavier - Foto: Divulgação

A trama de Comeback começa com o encontro de Amador, um ex-pistoleiro interpretado por Nelson Xavier, com o neto de um amigo. O garoto quer ser pistoleiro e vai se aconselhar, quer que o velho o ensino a arte de matar. Amador não quer cair no esquecimento e ver a sua fama ficar guardada nos recortes de jornais, em álbum de fotos, ou em velhas fitas VHS com telejornais que contavam as suas ações. Então, a vaidade de Amador e o desejo do jovem fazem o pistoleiro voltar à ativa.

Se a preocupação com o esquecimento no roteiro é recorrente, a velhice também. Ela está representada pelo avô do garoto, que está prestes a morrer num hospital, e no baile da terceira idade. Também está na arma ultrapassada de Amador. Nas máquinas de caça níquel e de junkie box. Nas músicas de Altemar Dutra e Manolo Otero e tantas outras referências que nos remetem ao passado.

O filme também aborda a naturalização do uso da violência e dos assassinatos, algo recorrente nas periferias dos grandes centros ou nos grotões do Pará. Essa naturalização é espetacularizada pela grande imprensa em seus programas policialescos, que imitam os velhos jornalões que tinham no crime a sua alta venda nas bancas. Quem nunca ouviu a expressão: Esse jornal se espremer, sai sangue.

Mas Comeback não é um filme com um serial killer. Não há assassinatos generalizados como é recorrente em alguns filmes do gênero. Ele bebe mais no Wersten e no Noir. Rassi sabe o quer. Passeia com a câmera nos dando uma sensação de insegurança e impotência, algo próximo da realidade das cidades do norte brasileiro, em que a pistolagem anda à solta e, a qualquer hora, você pode ser eliminado. Essa tensão nos prende o tempo todo. Com uma narrativa lenta e poucos diálogos, Comeback trafega na contramão da tendência dos filmes nacionais, em que o diálogo excessivo e os cortes frenéticos passaram a ser a principal estrutura no nosso cinema, uma ditadura imposta pelo vídeo clip.

Nelson Xavier está brilhante. Seu olhar frio, sua fala serena, mostra como deve ser a construção de um personagem, que atira e mata como uma sombra. Amador lhe rendeu o trófeu Redentor no Festival de Rio. Foi o último papel do ator que iniciou sua carreira há 60 anos, passando pelo Teatro de Arena, CPC da UNE, Cinema Novo, novelas, interpretando grandes personagens como Lampião, Chico Xavier, nos deixou em decorrência de um câncer no pulmão.

Comeback não pode envelhecer e cair no esquecimento. É preciso cultivá-lo para que mais cineastas brasileiros projetem na tela filmes para o cinema e não vídeo clipes e novelas na telona. #FicaDica.