Lanchas, jatos, iates e os R$ 2 bilhões de isenção aos mais ricos

Todo início de ano, invariavelmente, José Vieira da Silva, de 54 anos, recebe em sua casa, no bairro do Limão, em São Paulo (SP), o boleto do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Proprietário de um Chevrolet Onix — que usa revezando com a esposa — ele comemora que o valor tem ficado mais baixo, conforme o carro envelhece. Ainda assim, ele desembolsou R$ 1,1 mil reais para o tributo neste ano. 

Por Tute Pina*, do Brasil de Fato

Iate Octopus, do bilionário Paul Allen

Por outro lado, donos de helicópteros, jatinhos particulares, iates e lanchas são isentos desta taxa anual. Em 2013, o Sindifisco Nacional calculou que, se jatos particulares e helicópteros pagassem IPVA no Brasil, os governos estaduais poderiam somar mais de R$2,7 bilhões.

O dado atualizado, no entanto, certamente é maior com a atualização, por exemplo, da frota de helicópteros. O Sindifisco usou o número de 903 helicópteros – quando hoje a frota do país já ultrapassa 2,1 mil, a maior de helicópteros urbanos do mundo, de acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

O caso, para o professor João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é um exemplo da desigualdade tributária no Brasil. “Isso é uma grande injustiça porque automóvel tem um valor, em termos de propriedade, baixo em relação a esses que são isentos. Um jatinho pode custar em torno de US$ 10 milhões, enquanto um automóvel de segunda mão, R$15 mil”, observou.

Taxação

O tema chegou a ser debatido no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2007. Na época, a Corte, com relatório do ministro Gilmar Mendes, entendeu que o IPVA sucedeu a antiga Taxa Rodoviária Única (TRU), que historicamente exclui embarcações e aeronaves. Os barcos e aeronaves são registrados pelo Tribunal Marinho, pela Capitania dos Portos ou pelo Ministério da Aeronáutica, e não são licenciados nos municípios, como os carros.

Sicsú ressalta que o IPVA é um imposto de propriedade, e não uma taxa de uso, como pedágios, estacionamentos ou taxas de portos. "É uma taxação da propriedade. Ou seja, este imposto incide sobre veículos populares, mas não incide nestes veículos que também são automotores”, disse.

A extensão do IPVA para barcos, helicópteros e aviões é um dos problemas para os quais o Plano Popular de Emergência, criado pela Frente Brasil Popular (FBP) – que é formada por mais de 80 organizações – , pretende apresentar soluções — além de trazer medidas para dez eixos políticos, sociais e econômicos.

No ano passado, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) apresentou um projeto de lei ao Congresso Nacional para a criação de um imposto semelhante ao IPVA para proprietários de embarcações e aeronaves.

"Elas [propostas de emenda constitucional no Congresso Nacional] estão paradas porque deputados e senadores e seus financiadores que são donos de helicópteros, jatinhos, lanchas e Jet Ski", afirmou o professor.

Mesmo sem mar, o Distrito Federal é a quarta entidade da federação que tem a maior frota de embarcações de luxo do país. Em primeiro lugar no ranking nacional está São Paulo, seguido de Rio de Janeiro e Paraná.

Grandes fortunas

Além de estender o IPVA, o Plano Popular de Emergência propõe a adoção do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Com alíquota anual variável entre 0,5% e 1%, o imposto incidiria sobre os detentores de patrimônio líquido superior a oito mil vezes o limite de isenção previsto no Imposto de Renda para Pessoa Física do período arrecadatório.

Sicsú pontua que de todos os impostos aprovados pela Constituição de 1988, o IGF é o único que ainda não foi regulamentado. O ministro do STF Alexandre de Moraes, indicado pelo presidente golpista Michel Temer (PMDB), extinguiu, sem analisar o mérito, o pedido de regulamentação do IGF.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) foi proposta pelo Governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Moraes alegou que governadores só podem ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade se demonstrarem que a matéria em discussão afeta seus estados.

Países europeus com bons índices de igualdade social, como França, Suíça, Noruega e Luxemburgo, já adotam o tributo. Na Espanha e Islândia, o IGF surgiu como uma medida para combater os efeitos da crise econômica de 2008. Na América Latina, Uruguai e Argentina também são adeptos da taxação das grandes fortunas.

"É um imposto com a alíquota baixa, como a proposta sugerida pela Frente Brasil Popular, e não é verdade que isso faria com que os proprietários de fortunas tirariam as fortunas no país. O caso da França mostra exatamente o contrário, como está havendo concentração de riqueza no mundo, a cada ano que passa o número de contribuintes aumenta e a arrecadação também", disse.

Outra previsão do Plano Popular de Emergência é a diminuição da carga tributária sobre bens e produtos de consumo popular. Dono de um pequeno bar na Barra Funda, José Vieira da Silva aprova a alteração: "A gente paga muitos impostos por coisas pequenas, até para beber água. Sou a favor de mudar isso", disse.