Violação dos Direitos Humanos é prática no Brasil, dizem especialistas

Em maio deste ano o Brasil foi condenado pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por violar o direito às garantias judiciais de diligências em prazos razoáveis das 26 mortes resultantes de operações policiais nas chacinas de Nova Brasília, que aconteceram em 1994 e 1995 no Rio de Janeiro. No Dia Internacional de Apoio às vítimas de tortura, procuradores e entidades de direitos humanos afirmam que a impunidade permanece no país.

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O procurador do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ), Sérgio Suiama, lembrou que, em 2010, o Estado brasileiro foi condenado pela CIDH a investigar e responsabilizar criminalmente os autores de violações de direitos humanos durante o período militar, como o desaparecimento de integrantes da guerrilha do Araguaia, mas a sentença não foi plenamente cumprida.

Na opinião dele, a prática da tortura, mesmo com a Constituição brasileira, que é democrática, “não foi ceifada”. O procurador atribui em grande parte essa situação à impunidade garantida aos torturadores.

“Não obstante o Ministério Público tenha proposto até agora 27 ações penais, a grande maioria dessas ações encontra-se paralisada com o argumento da prescrição e de anistia. A impunidade permanece mesmo após uma condenação internacional do Estado brasileiro”, afirmou.

Suiama contou que após a sentença de 2010 foi criado um grupo de trabalho no Ministério Público e foram ajuizadas as 27 ações a partir de 2012. “O trabalho não se encerrou, mas essas ações envolvem 47 réus agentes da ditadura militar e 37 vítimas”, completou.

Consciência contra as violações

De acordo com o procurador, falta uma consciência no país para impedir o surgimento de outros casos. “A reparação pecuniária é um dos aspectos da questão, mas o outro é justamente assegurar que não haja impunidade nos casos cometidos neste contexto. Isso ficou faltando em relação ao passado e ao presente. Esse quadro de impunidade permanece”, afirmou.

Para Suiama, a prática da tortura é uma fato notório. “Em delegacias de polícia, em sentenças provisórias, em penitenciárias, na rua. A falta de punição nesses casos só estimula a pessoa a continuar praticando, seja no presente ou no passado”, acrescentou.

A pouca indignação com a prática da tortura de uma maneira geral foi ressaltada pela coordenadora da área institucional da Segurança Pública, da Justiça Global, a pesquisadora Isabel Lima. Ela exemplificou os casos de tortura em presídios e instituições socioeducativas, que vitimizam idosos em casas de repouso, pacientes de instituições psiquiátricas, pessoas em situação de rua, a comunidade LGBT e pessoas trans. “A tortura é estrutural. Ela não é algo específico, praticado por determinado agente. Ela está entranhada como prática institucionalizada”.

Vítimas: negros e pobres

Na opinião da pesquisadora, as torturas nesses casos revelam um recorte social e racial porque atingem, em sua maioria, pessoas pobres, negras e moradoras de periferias. "A gente pode falar em certa aceitação e legitimação desses atos, dada a pouca divulgação, não só na morosidade do sistema de Justiça, mas na pouca indignação de maneira geral”.

Na opinião de Isabel, a pergunta sobre ocorrência de tortura deveria fazer parte das audiência de custódia. “A gente verificou que em 42,7% das audiências acompanhadas, as pessoas sequer foram perguntadas pelo juiz se sofreram alguma agressão no momento da detenção. Das 238 pessoas que foram ouvidas, 93 relataram terem sofrido alguma agressão e os relatos, muitas vezes, eram desqualificados ”.

Isabel afirmou também que as discussões sobre violações de direitos LGBT têm enfrentado um avanço conservador, com o desmonte de políticas públicas que existiam. Segundo ela também ocorrem as subnotificações nos registros policiais, o que impede a avaliação correta dos dados. “Isso é muito grave porque continua alarmante o número de pessoas LGBT mortas ou agredidas e, principalmente, a população trans”.

Mundo

“A absoluta proibição da tortura e de outros tratamentos ou punições cruéis, desumanas e degradantes constitui-se a mais fundamental conquista da história da humanidade”, destacou o relator especial da ONU para o Combate à Tortura, Nils Melzer.

Segundo Nils, qualquer tipo de tolerância ou aceitação dessa prática, ainda que de forma excepcional e argumentada, provocaria reflexos nocivos à humanidade. “Inevitavelmente, levaria a um declínio rumo à completa arbitrariedade e força bruta, o que seria uma desgraça para toda a humanidade”, observou.

O presidente do Comitê das Nações Unidas de Combate à Tortura, Jens Modvig, os governos precisam assegurar que a tortura não será admitida sob nenhuma justificativa. “Os Estados precisam ser lembrados de que nenhuma circunstância excepcional pode ser evocada para justificar atos de tortura. O caráter absoluto da proibição se aplica a qualquer caso, incluindo o contexto do combate ao terrorismo”.

A reparação às vítimas de tortura pelos governos também foi cobrado pelo presidente do Fundo Voluntário da ONU para Vítimas de Tortura, Gaby Oré Aguilar. “É igualmente importante que os Estados observem sua obrigação de fornecer efetiva reparação e reabilitação às vítimas de tortura e suas famílias, disponibilizando urgentemente recursos necessários para responder ao sofrimento de milhares de vítimas no mundo inteiro”.