Com apoio de financiamento coletivo, Uneafro segue luta por igualdade

Para Douglas Belchior, líder do cursinho dirigido à educação popular, solidariedade do público fortalece movimento para “tirar o negro da linha de tiro, as famílias da miséria e mudar a realidade” 

Por Gabriel Valery, da RBA

Belchior

“O resultado final do trabalho foi além do recurso em si. Significou um endosso, um fortalecimento, uma reafirmação e uma credibilidade para o nosso movimento. Tudo isso vai ser muito importante para nós”, avalia o coordenador da União de Núcleos de Educação Popular para Negrxs e Classe Trabalhadora (Uneafro), Douglas Belchior. O trabalho mencionado foi a campanha de financiamento coletivo bem-sucedida, que vai permitir a manutenção e a ampliação de ações da instituição até o fim de 2017.

A campanha #Uneafroresiste superou a meta flexível de R$ 59 mil, com apoio de 559 pessoas. “Sempre nos organizamos e nos financiamos. Tivemos pouquíssimas experiências de busca de recursos, tanto no Estado, quanto no terceiro setor. Então, resolvemos, depois de quase 10 anos de existência, experimentar essa iniciativa que foi um sucesso”, afirma. A quantia total arrecadada foi de R$ 66.912.

Douglas explica que os recursos terão basicamente dois destinos. “Vamos conseguir, conforme o combinado, manter nosso escritório aberto, nossa pequena estrutura que funciona na Rua da Abolição, no centro de São Paulo, com os custos de funcionamento do local com duas pessoas disponíveis para articular a rede de cursinhos populares, fazer um trabalho de assessoria, de busca de novos recursos, de busca de novos estudantes e assessoria pedagógica”, afirma. Hoje, a rede Uneafro conta com 30 cursinhos comunitários em todo o Brasil.

Já a outra aplicação do dinheiro tem relação com a ampliação das atividades da Uneafro. “Vamos produzir um material didático com conteúdos de cidadania, formação política e diversidade. Estará lá a luta pela democracia contextualizada com demais temas da atualidade, sobretudo contra o golpe, contra reformas que são formas de retroceder no tempo em décadas”, afirma sobre a agenda política adotada por Michel Temer, que prevê, em suas reformas trabalhista e da Previdência, arrocho e retirada de direitos. “As reformas atingem fundamentalmente as famílias de jovens que estão em nossos cursinhos, então, levar essa informação, aproximar esse debate é muito importante”, completa.

Os objetivos do cursinho popular, como explica Douglas, também são, fundamentalmente, divididos em dois: trazer qualidade de vida a populações marginalizadas e fornecer educação política. “Existimos para isso, atender uma demanda que a sociedade impõe, que é o acesso à universidade para ter um bom emprego e melhores oportunidades de trabalho. Com isso, tirar o negro da linha de tiro, tirar as famílias da miséria e mudar a realidade local. E isso deve ser acompanhado por uma formação político-ideológica. Não adianta a pessoa ascender socialmente e usar isso para interesses individuais, privatistas e conservadores.”

O coordenador da Uneafro explica que as ações da organização não são novas, nem foram iniciadas por eles. “O movimento de cursinhos populares para negros é a continuação de uma luta histórica. A luta da população negra pelo direito de acesso à educação. Este debate sempre foi tema central para a elaboração política do povo negro organizado desde antes do fim da escravidão. Então, temos movimentos rebeldes negros, em especial na revolta dos Malês, onde o fato de ser um grupo letrado foi fundamental para a articulação política daquele coletivo”, afirma, sobre o processo que aconteceu durante o período regencial do país, em 1835.

“Mesmo a movimentação abolicionista tinha muita força e apelo de legitimidade política, de intervenção política, força política, porque também era algo articulado por jovens negros liberais, na época, que tinham acesso às letras. Eram eruditos, tinham acesso ao conhecimento”, explica. Na época do Império (1822-1889), chegaram a criar leis para impedir os negros de frequentar escolas. “Mais do que direito ao acesso à educação, o próprio conteúdo sempre foi alvo de disputa da luta negra. Não adianta eu colocar meu filho negro na escola se lá ele vai ter acesso a conteúdos racistas”, afirma.