Documentário conta a história de gangue LGBT afro-americana 

Marginalizados pela orientação sexual ou identificação de gênero, membros formaram gangue Check It na capital norte-americana. A violência tornou-se a resposta e é contada em um filme que levou quatro anos para ser feito

Por Ana Rita Guerra *

Check It poster

Ao fundo é possível ver a imagem inconfundível da Casa Branca. Eles andam pelas ruas que circundam o pilar do governo norte-americano, com facas nos bolsos e punhos de metal. São adolescentes que caíram pelos buracos da sociedade, marginalizados pela orientação sexual, pela identificação de gênero e pela cor da pele. "Ninguém ia nos defender, por isso tivemos que fazer isso sozinhos", diz Day Day, um dos membros da única gangue LGBT negra conhecida no mundo.

O Check It foi formado em 2005 por adolescentes entre os 12 e 13 anos, fartos dos abusos constantes que sofriam por serem gays, transexuais, bissexuais, fora dos moldes que eram considerados aceitáveis. A violência tornou-se a resposta aos ataques de que eram vítimas, e a sua história foi captada pelas lentes de Dana Flor e Toby Oppenheimer, num documentário intitulado simplesmente Check It.

O filme está circulando pelos festivais: tem Wren Arthur como produtor e o ator Steve Buscemi (Boardwalk Empire, Os Sopranos), Stanley Tucci e o comediante Louis C.K. como produtores executivos. Nesta semana, Louis C.K. disponibilizou o filme no seu site por apenas cinco dólares, com a intenção de alcançar um público maior.

"Uma das experiências mais difíceis foi assistir de perto aos desafios que essas crianças enfrentam diariamente", disse ao DN a realizadora Dana Flor. "É trágico. Eles são a personificação dos erros da sociedade. Caíram por todas as fendas possíveis, da família à Igreja, da escola aos orfanatos e à justiça." Sem qualquer financiamento, Dana e Toby demoraram quase quatro anos para terminar o documentário – dois filmando e mais dois para editar.

"Ninguém quer fazer dinheiro com isso, teremos sorte se conseguirmos o ponto de equilíbrio, isto é, nem ganhos nem perdas", admite. O projeto não surgiu de uma vontade de fazer justiça social; os produtores não são ativistas. Queriam contar uma história extraordinária, e na perseguição desse objetivo encontraram o melhor e o pior da humanidade.

"Alguns deles não vão sobreviver", lamenta Dana, que vive em Washington D.C. e mantém contato com os membros da gangue. Durante o período de filmagens, um dos membros morreu, outro foi atingido por um tiro, outro esfaqueado, muitos foram violentados. São ocorrências quase diárias, e o que se vê no documentário é um microcosmos do que acontece com o grupo todo, que já tem mais de 200 membros.

A história de vida de cada um deles é dura: pais na prisão, mães viciadas em crack, expulsos das escolas e sem perspectivas de futuro. Recorrem à prostituição na Rua K, correndo enormes riscos todas as noites. Têm temperamentos explosivos, reagindo desproporcionalmente à mínima provocação. "As pessoas têm medo do Check It", diz uma adolescente no início do filme.

Essa contradição é evidente em Skittles, um dos membros mais extravagantes do grupo, que um ex-lutador de boxe tenta treinar para esse esporte. Os esforços acabam por não dar resultado. O que se vê no documentário é que todos esses adolescentes têm sonhos e querem uma vida melhor, mas falta a estrutura que nunca lhes foi dada.

Ron "Mo" Moten, ex-presidiário que trabalha como mentor, é um dos (poucos) adultos que não desistiram deles. Foi Mo quem apresentou a gangue a Dana e a Tobby, quando eles faziam pesquisas para um filme completamente diferente. "Nunca tinha conhecido pessoas assim", diz Dana. "Se eu e você tivéssemos nascido naquelas circunstâncias, estaríamos fazendo o mesmo. Porque essas não são escolhas que eles fizeram. Não são más pessoas, são forçados a fazer coisas más porque não tiveram escolha." Dana fala das péssimas escolas públicas da zona onde eles vivem e da falta de oportunidades nos bairros por onde andam. "É um milagre que ainda estejam vivos e caminhando pelas ruas", nota.

"Para colocar essa história em termos mais universais, isso é sobre a coragem de ser quem se é, não importa o preço a pagar." Os produtores esperam que o documentário instigue a discussão e chame a atenção para estes e tantos outros adolescentes marginalizados, cujas vidas são tratadas como descartáveis pela sociedade. "Vivemos em um déficit de empatia", afirma Dana. "Esses adolescentes vêm de um determinado bairro em uma certa cidade, mas podiam ser os filhos de qualquer pessoa. Podíamos ser nós."