Iêmen, um país à beira da catástrofe humanitária

Escutam-se poucas vozes na grande mídia mundial para comover a opinião pública em busca de uma solução urgente para o país, que convive há dois anos com bombardeios da Arábia Saudita e sofre com a pior epidemia de cólera já registrada

houthis

Entendendo o conflito

A tensão no Iêmen começou a se acirrar na Primavera Árabe, em 2011, quando o movimento político- religioso dos xiitas houthis participaram de protestos contra o então presidente e se aproveitaram de um vácuo no poder para expandir seu controle territorial em algumas regiões do país. O grupo rebelde é respaldado pelo Irã, também xiita, e reivindica mais participação no poder.

Após anos expandindo seu controle, em setembro de 2014 os houthis conquistaram a capital do Iêmen, Sanaa. No início de 2015, o presidente Abd Rabbo Mansur Hadi foi forçado a fugir para a Arábia Saudita. Os houthis dissolveram o Parlamento e formaram um conselho presidencial para governar.

Em março de 2015, a Arábia Saudita passou a liderar uma aliança árabe para conter o avanço dos houthis. A aliança tem o apoio dos Estados Unidos e faz bombardeios aéreos constantes às áreas dominadas pelos rebeldes. No entanto, até hoje não conseguiu recapturar Sanaa.

Com o bloqueio aéreo e marítimo imposto pela coalizão saudita, o Irã consegue enviar somente pequenas quantidades de armamentos e outros materiais de ajuda para os Houthis.

Além dos houthis, apoiados pelo Irã, e do presidente Hadi, apoiado pela Arábia Saudita, a disputa de poder no Iêmen inclui tribos sunitas, a Al-Qaeda e até o Estado Islâmico.

Durante a Operação Tempestade Decisiva (operação de bombardeio liderada pela Arábia Saudita), 1.080 pessoas foram mortas, sendo a maioria constituída de civis; outras 4.352 pessoas ficaram feridas e cerca de 150.000 foram deslocadas dos seus lares, o que cria uma situação de crise humanitária de grande escala no país

O conflito está tão tenso como o da Síria mas as pessoas estão presas no Iêmen, então não há filas de refugiados em países vizinhos, o que não causa irritação onde os repórteres podem vê-los e chamar a atenção para o conflito”

Repercussões

Nesta semana, algumas publicações afirmaram que 80% da população do Iêmen precisa de ajuda humanitária urgente. O país sofre a pior epidemia de cólera já registrada, que afeta 300 mil pessoas. Uma pessoa morre a cada hora em decorrência da epidemia.

Três milhões de pessoas se viram obrigadas a abandonar suas casas como resultado da guerra e suas consequências. A superestrutura administrativa do país foi destruída pelos bombardeios realizados principalmente pela Arábia Saudita (com ajuda dos países Egito, Marrocos, Jordânia, Sudão, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Qatare Bahrain) e o conflito armado que se acentuou nos últimos dois anos. As principais vítimas têm sido civis, especialmente crianças.

O país precisa de água potável, medicamentos e alimentos. Em poucas palavras, o Iêmen está à beira do caos humanitário.

Escutam-se poucas vozes nos grandes meios da imprensa mundial para comover a opinião pública em busca de uma solução urgente. Custa trabalho encontrar financiamento para as organizações humanitárias internacionais para ajudar essa nação.

É fácil encontrar dinheiro para a corrida armamentista. Foi fácil para a vizinha Arábia Saudita, de onde vieram os principais ataques, com danos em escolas, hospitais e zonas urbanas, gastar mais de 5 bilhões de dólares em compra de armas provenientes principalmente dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Após os ataques, que vieram principalmente da Arábia Saudita, a Coalizão regional afirmou que substituiria as investidas militares por esforços de paz por meio de ações políticas e sociais, mas não descartaram novos bombardeios no futuro. Porém, essa missão de paz não ajudou o Iêmen que continua em situação caótica.

Em 2014, antes que se iniciasse o último dos conflitos armados vividos pelo Iêmen, a esperança de vida ao nascer não chegava aos 65 anos de idade, em uma população de mais de 25 milhões de pessoas. A taxa de mortalidade materna superava as 200 para cada 100 mil bebês nascidos vivos.

Antes que os bombardeios dos aviões estrangeiros e o conflito interno destruíssem a infraestrutura econômica e social do país, um terço da população vivia em pobreza extrema, na indigência. Hoje, essa categoria abarca a quase totalidade do país.

Em 2013, o Iêmen dedicava somente 1,3% de seu PIB (Produto Interno Bruto) à saúde pública, do que se pode inferir a grave deterioração desse importante indicador do bem-estar da população. Esse fator provocou, junto à destruição física de hospitais e da infraestrutura de saúde pela guerra, que o sistema de saúde do país se encontre em colapso para enfrentar a terrível epidemia de cólera. Em 2010, as mortes por cólera eram de 3% do total (800 por ano), enquanto a malária reportava uma taxa de mortalidade de cerca de 5%.

A guerra que o povo iemenita tem vivido nos últimos decênios não se dá só por meio de bombas e projéteis. Uma guerra silenciosa tem causado enormes estragos no país: a miséria, o subdesenvolvimento, a exploração dos recursos naturais. Os espaços noticiosos – às vezes – se alarmam quando cai uma bomba, mas fazem silêncio sobre outras circunstâncias que fazem sangrar os povos.

O povo iemenita hoje está pagando o preço de anos de esquecimento e as consequências diretas de uma agressão estrangeira e de enfrentamentos armados. O país se converteu em refúgio de grupos terroristas, muitos deles formados, financiados e treinados por potências estrangeiras. A situação do Iêmen, em meio a uma absoluta situação de desemprego e de fome generalizada, faz com que não poucas pessoas se juntem a esses grupos em busca de sustento para si e para sua família. É neste estado de desolação, miséria e abandono social que está o caldo de cultivo para grupos como a Al Qaeda e similares. O Iêmen ensina que as bombas não vão matar o terrorismo, como tampouco matam a miséria.

O povo iemenita, as crianças iemenitas, gritam por ajuda. É necessário que o mundo escute esses gritos estremecedores e que se comovam na prática. A reunião do G20 “se esqueceu” de falar disso. A grande mídia olha para o outro lado. Temos que nos unir ao chamado dos desvalidos dessa nação.

No Iêmen, foram desconsideradas todas as normas do Direito. O Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional foram pisoteados e nada aconteceu, e os violadores andam pelo mundo com os bolsos cheios de petro-dólares. Sobre os direitos humanos, quase não vale a pena falar, porque já quase não há humanos com os direitos mais elementares.

É horrível a situação que o Iêmen vive hoje, e mais horrível é o silêncio ou a indiferença da humanidade ao que está acontecendo no país.