Treinadores brasileiros em fúria cobram CBF por mais direitos

Reinaldo Rueda desembarcou no Flamengo na segunda-feira (14), uma tacada do clube carioca depois de ver fracassada sua tentativa de ser campeão com um técnico formado em casa, no caso Zé Ricardo. A chegada do colombiano, um estrangeiro no ninho dos treinadores brasileiros, provocou uma enorme polêmica e as reações mais adversas.

jair ventura - Foto: Vinícius Britto/Lance

Chamou atenção as declarações de Jair Ventura, da nova safra, a respeito da reserva de mercado de técnicos no País. Ventura teve apoio de Vanderlei Luxemburgo, um decano das pranchetas, mas apanhou muito por marcar posição em um território tão hostil.

Mais que cobrar da CBF critérios para regulamentar a vinda de estrangeiros, Ventura e Luxemburgo são uma ponta de um movimento dos treinadores brasileiros que ganhou corpo neste ano. Passa pela regulamentação da profissão – lei em tramitação na Câmara dos Deputados –, contempla a formação de técnicos de futebol, chega aos regulamentos dos campeonatos, exigindo contrapartidas dos clubes quando demitem os chamados “professores” durante as competições e, mais duro, exigir dos treinadores estrangeiros uma licença, por parte da CBF, para que possam trabalhar no País.

Sinais desse movimento de treinadores ficaram bem claros quando o Palmeiras demitiu Eduardo Baptista, em abril, com apenas quatro meses de trabalho no clube paulista. Por meio de um grupo no WhatsApp, nomes de peso como Abel Braga, Felipão direto da China, Mano Menezes, Rogerio Ceni, entre outros, se mobilizaram para cobrar do Palmeiras e clubes em geral mais respeito à classe. E deitaram falação sobre o tema nas entrevistas coletivas.

No início do Brasileirão de 2017 muitos treinadores entraram com camisetas com a foto de Caio Junior, morto no acidente da Chapecoense, pedindo atenção à lei que vai regulamentar a profissão de treinador – a lei leva o nome de Caio Júnior. Dorival Júnior, então treinador do Santos, disse ao Chuteira FC da importância da lei ser aprovada pelos deputados. Dorival falava em nome de uma classe que, parece, começa a reivindicar seus direitos.

A polêmica envolvendo Rueda dominou os debates na mídia. Jair Ventura, do Botafogo, foi o primeiro a levantar a questão e levar uma saraivada de petardos. “Problema não é o Reinaldo Rueda. O que me incomoda é ver a desconfiança que os treinadores brasileiros encontram no exterior. Não tenho nada contra técnicos estrangeiros trabalhando no Brasil. Para trabalharmos fora do Brasil, temos de ter uma licença que outros países exigem. Por que no Brasil não cobramos uma licença dos estrangeiros que vem trabalhar aqui?”, indaga Ventura.

Vanderlei Luxemburgo entra na conversa e cobra providências da CBF. “O que queremos no Brasil? Que se crie uma norma, em que os técnicos estrangeiros podem e devem vir ao Brasil, mas há de se ter um critério. A CBF tem que anuir os contratos dos treinadores e criar uma norma, para que os estrangeiros tenham que seguir as regras do futebol brasileiro. E hoje não tem norma nenhuma. Temos que reivindicar esse direito de criar uma regra estabelecida para os técnicos. O técnico brasileiro aqui, hoje, na sua grande maioria, não tem o privilégio que os estrangeiros têm, de colocar uma multa rescisória no contrato se forem mandado embora. Os brasileiros estão tendo multa de um salário pela CLT. Então, por que fazem essa diferença no contrato? Queremos respeito”, insiste Luxemburgo.

Bronca de Luxemburgo e Ventura passa por falta de critérios da CBF

A entidade tem cursos de formação de treinadores, mas seu “diploma” não é reconhecido, por exemplo, por entidades como a Uefa. Não tem a chancela do futebol europeu que exige dos treinadores estrangeiros o curso de formação com a patente da Uefa.

Em cima dessas exigências a CBF deve se reunir na segunda-feira (21/8) com os principais treinadores brasileiros para discutir e, quem sabe, aprovar algumas normas em defesa dos técnicos de futebol.

Luxemburgo ataca mais uma vez: “A CBF tem que estar junto nesse processo. Os cursos que fazemos aqui têm que ser reconhecidos mundialmente em todas as federações, de todos os países. E a CBF tem que fazer com que isso se torne uma realidade, para termos o privilégio de trabalhar em qualquer outro lugar. E estarei na CBF na próxima segunda-feira (21/8) para discutir sobre isso com a entidade e toda a nossa classe. E que, a partir desse encontro, se estabeleçam essas regras”.

Estrangeiros no Brasil

Longe do debate a respeito da reserva de mercado e da possibilidade de técnicos brasileiros trabalharem na Europa, a questão da contribuição do estrangeiros desperta atenção. Como bem contou esse Chuteira FC, estrangeiros pouco acrescentaram ao desenvolvimento do futebol brasileiro nas últimas décadas. Os que mais ajudaram trabalharam aqui nos anos de 1950 e 1960 – casos de Bella Gutmann (húngaro), Fleitas Solich (paraguaio), Filpo Núnez (argentino), entre os mais destacados. Foram importantíssimos na construção tática dos times e deixaram conceitos que são usados até hoje.

Nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil exportou uma leva de treinadores ao países asiáticos. A maioria foi lá assediada pelos petrodólares do mundo árabe. Emprestaram conhecimento, ganharam muito dinheiro e voltaram ao País bem mais pobres do ponto de vista na armação dos times, inovações táticas e métodos de treinamentos.

Na Europa, poucos conseguiram um lugar de destaque. Sebastião Lazaroni, após rotundo fracasso com a Seleção Brasileira na Copa da Itália em 90, assinou com a Fiorentina e não deixou saudades no futebol italiano.

Campeão do mundo com o Brasil na Copa de 94, Carlos Alberto Parreira foi contratado pelo Valencia, da Espanha, e não vingou.

Vanderlei Luxemburgo, campeão de tudo no futebol brasileiro, passou apenas um ano no Real Madrid em 2005, época dos galácticos Zidane, Ronaldo, Roberto Carlos, Beckham, Figo.

Luiz Felipe Scolari conseguiu melhor sorte no comando da Seleção de Portugal chegando às semifinais da Copa de 2006 e não deu certo no Chelsea. Felipão está na China há quase três anos. Por lá passaram Muricy Ramalho, no início dos anos 2000, e mais recente Cuca, Luxemburgo e Mano Menezes.

Legítimas ou não as propostas dos treinadores brasileiros, vale apenas destacar uma curiosidade. A Premier League, o Campeonato Inglês, o mais badalado e rico do mundo, tem em seus grandes clubes técnicos estrangeiros. Anote aí: Antonio Conte (italiano no Chelsea), José Mourinho (português no Manchester United), Pep Guardiola (espanhol no Manchester City), Jurgen Klopp (alemão no Liverpool), Arsène Venger (francês no Arsenal).