O custo social e econômico do golpe: 15 milhões de lares sem renda

Pesquisa do jornal Valor Econômico divulgada nesta terça-feira (29) mostrou que no segundo trimestre deste ano em 15,2 milhões de lares do país não havia ninguém gerando renda a partir do próprio trabalho. Um aumento de 22% comparado a 2014. Para especialistas ouvidos pelo Portal Vermelho, os números significam agravamento da pobreza, retração da economia e aumento na escalada da violência.

Por Railídia Carvalho

desigualdade social - Fernando Frazão/Agência Brasil

Clemente Ganz, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), afirmou que a eliminação da renda do trabalho é decorrente dos números do desemprego.

No dia 17 de agosto, pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que o segundo trimestre deste ano encerrou com 26,3 milhões de desempregados. O número considerou desempregados, os subocupados e os que não estão procurando emprego.

“Houve um grande crescimento do desemprego dos chefes de família, talvez os únicos responsáveis por trazer alguma renda do trabalho para aquele domicílio”, afirmou Clemente.

Não ter renda do trabalho significa que o indivíduo não está exercendo nenhuma atividade laboral como autônomo, assalariado ou servidor público que dê origem a uma renda familiar. Estão desempregadas e contando apenas com as políticas públicas de transferência de renda, alvo de cortes do governo do presidente Michel Temer.

Temer deprime economia

Na opinião de Clemente, a opção de Temer pelo pagamento dos juros da dívida deprime ao invés de dinamizar a economia, o que gera quebradeira de empresas e desemprego. “Por outro lado, em vez de preservar instrumentos de transferência de renda, especialmente o seguro-desemprego, Bolsa Família, ele corta. Está desprotegendo as pessoas e promovendo ineficiência econômica.”

A conta é simples: Cada real transferido para uma pessoa gera 1,8 reais no Produto Interno Bruto (PIB). “É evidente que é micro mas é um micro que anima a economia, o que é diferente de pagar juros da dívida pública que tem efeito de 0,7, 0,8 na economia. O governo opta por pagar juro”, comparou Clemente.

Ex-secretária nacional de Assistência Social no governo da presidenta eleita Dilma Rousseff, Ieda Castro vê pela frente “caos social” com o enfraquecimento e o desmonte das políticas de assistência social. Para ela, os números da pesquisa sobre a falta de renda nos lares brasileiros mostram que aumenta a demanda para setores agora fragilizados.

“As políticas sociais que normalmente são uma retaguarda e reduzem o impacto de uma crise econômica forte estão sendo esvaziadas com congelamento de recursos para saúde e educação por 20 anos”, ressaltou a ex-secretária.

A fome vai bater na porta

Segundo ela, a área de assistência social perdeu mais de 40% dos recursos com o corte realizado pelo governo em março deste ano. Ela citou o pente fino de Temer no Bolsa Família como um equívoco.

“Essa política de cruzamento de dados do Bolsa Família ignora que o emprego das pessoas com salários mais baixos são instáveis e sazonais.” Temer tem reduzido vários desses benefícios. “São empregos de alta rotatividade, um dia tem e no outro não tem mais”, explicou Ieda.

“O resultado vai ser caos social. Vamos ver agravar a mendicância, a fome vai voltar a bater na casa das pessoas, principalmente no Nordeste que já sofre pela inexistência de políticas estruturantes de convívio com o semiárido. Mesmo com o investimento que fizemos para melhorar o acesso à energia e água ainda é precária a condição de vida no Nordeste”, argumentou.

Segundo a pesquisa do Valor, a região nordeste é onde a situação da renda nos lares é a mais precária, especialmente no estado de Alagoas. “Todas as projeções dos estudos é que realmente nós vamos retornar talvez a uma condição do Brasil antes do ano 2000 onde era comum divulgar as pessoas comendo rato do mato, procurando qualquer coisa para comer e também a ocorrência de saques na merenda escolar”, completou Ieda.

Custo social irreparável e retrocesso na política pública

Clemente argumentou que abrir mão do sistema de proteção social deve gerar um custo difícil de recuperar. “Estudos apontam que situações como a descrita pela pesquisa geram humilhações, fragilidades, perda da convivência, problemas com drogas, álcool, aumento da violência contra as mulheres, filhos, pequenos furtos. É a expansão da pobreza degradando as condições de vida e vínculos sociais.”

Ieda critica o que ela considera um retrocesso na cultura política da assistência social. “Nos últimos 14 anos tentamos criar um sistema público de assistência social que agora está sendo ameaçado de ruir com esse contingenciamento muito alto em cima da área. O governo não está conseguindo manter o funcionamento das políticas dos municípios. A execução financeira de 2017 não atingiu nem 30%.”

Segundo ela, o que se avista é uma barbárie que “pode ser que a sociedade se sensibilize”. “O problema é que a resposta sempre vai vir filantrópica, clientelista e aí vai se reproduzir a cultura política desse pais de enfrentar a pobreza com esmola em vez de adoção de políticas públicas fortes”, denunciou Ieda.