Trump pode abrir as portas para a deportação dos ‘sonhadores’

Decisão, que ainda não é definitiva, seria o fim da proteção legal a 800.000 jovens imigrantes que chegaram aos EUA quando crianças e estão integrados

donald trump e melania

O destino de 800.000 jovens está prestes a mudar nos Estados Unidos. O presidente Donald Trump está decidido, segundo a imprensa norte-americana, a suspender o decreto que permite a permanência dos sonhadores (dreamers, em inglês) os imigrantes sem documentos que chegaram quando crianças. A decisão, ainda sujeita a alteração, seria anunciada na terça-feira e viria acompanhada de um prazo de seis meses para que o Congresso encontre uma saída. Sua promessa eleitoral foi acabar com esse programa, aprovado por Barack Obama no verão de 2012 e que nunca teve a simpatia dos republicanos. Mas o cancelamento, apesar de bem recebido pelo núcleo duro de seu eleitorado, colocaria o presidente no lado mais escuro e radical do espectro político. O mesmo que já abraçou ao conceder indulto ao ex-xerife Joe Arpaio ou não condenar com veemência os neonazistas de Charlottesville.

A imigração se tornou um dos pontos fortes de Trump. Grande parte dos eleitores republicanos, mas também um bom número de democratas, são partidários da linha dura com os estrangeiros em situação irregular. O presidente sabe disso. E sempre que pode, aperta as leis migratórias para fazer esquecer seus fracassos. A estratégia, até agora, permitiu a ele manter praticamente intacto seu poderio eleitoral. Desta vez, os efeitos são menos claros. Os afetados não fazem parte dos espectros habituais do crime e da marginalidade, são imigrantes mais jovens e integrados, aqueles que sentem os Estados Unidos como seu país e que se esforçaram para cumprir suas leis e progredir. Tirar-lhes a proteção, abrir a porta de para expulsão, como alertam as pesquisas, supera o limiar da tolerância de muitos eleitores republicanos.
 
Os beneficiados pelo programa Ação Diferida para Chegada de Jovens Imigrantes (DACA em inglês) encarnam como poucos o sonho norte-americano. Para serem aceitos, devem ter entrado nos Estados Unidos com menos de 16 anos, ter menos de 31 anos completos em junho de 2012 e ter vivido permanentemente no país desde 2007. Também não podem ter antecedentes criminais e precisam estar estudando ou ter o ensino médio completo. Em troca, têm permissão de estudar, trabalhar e dirigir, bem como acessar à previdência social e dispor de um cartão de crédito. Em um sistema desumano com os desfavorecidos, o DACA propicia um escudo que lhes permite avançar, mas em nenhum caso representa a concessão de residência. É somente uma permissão que adia a possibilidade de deportação e precisa ser renovada a cada dois anos.
 
Essa excepcionalidade não é alheia a seu parto atribulado. Obama nunca conseguiu um apoio majoritário do Congresso. A lei que deveria oferecer cobertura aos dreamers se chocou com a voragem obstrucionista dos republicanos e o Governo democrata acabou impondo um paliativo legal mediante um decreto presidencial. Essa falta de apoio parlamentar permite agora que seu sucessor a elimine com uma canetada. Além disso, deu um argumento venenoso à direita mais radical, que considera o programa um caso flagrante de extrapolação dos poderes executivos em matéria migratória. Seguindo esse raciocínio, dez ministérios públicos estaduais, liderados pelo Texas, deram um ultimato a Trump para cancelar o programa nesta terça-feira. Caso contrário, vão impugná-lo.
 
A decisão ainda precisa ser publicada. Em campanha, movido por sua visceral xenofobia, somou-se ao coro de vozes contrárias ao DACA e o considerou uma “anistia ilegal”. Naquele momento, Trump alardeava que seu objetivo era expulsar os 11 milhões de pessoas  sem documentos. E ponto. Não importava se eram crianças, se estavam integrados nem se eram socialmente produtivos.
 
Já no poder, como em tantas outras questões, tentou abafar o incêndio que ele mesmo desencadeou. Declarou sua empatia aos dreamers e, em uma entrevista à rede ABC, chegou a anunciar que não tinham com o que se preocupar. Amanhã terá de se definir.
 
Encerrar o programa permitiria a ele se reconciliar com sua base mais radical. Depois de incitar o medo ao imigrante, de culpar o imigrante pela crise e pela falta de segurança, bastaria acolher uma interpretação rigorista da lei para abrir as portas à possível expulsão dos 787.580 jovens inscritos no programa. Seria um triunfo do America First (América Primeiro) e a prova de que Trump, em vez de paz social, busca obter energia eleitoral a partir do atrito constante.
 
Mas também representaria o início de um pesadelo. Apesar de não serem classificados como um grupo prioritário para a deportação, as inevitáveis expulsões de crianças e jovens que não conhecem seu idioma de origem nem têm memória de seu país natal mostraria o lado mais sombrio de Trump. Essa radicalização o afastaria do centro republicano e abriria uma fissura dificilmente recuperável em suas próprias fileiras. Figuras de destaque como o presidente da Câmara dos Representantes, o republicano Paul Ryan, rechaçaram publicamente o fim do DACA e pediram que Trump deixe o Congresso procurar uma solução permanente. “Estamos falando de crianças que não conhecem outro país nem outro lar. Vivem em um limbo que requer uma solução legislativa”, disse Ryan. Mais contundentes foram os representantes das grandes empresas. Em uma carta, 400 diretores, entre eles os de Facebook, General Motors e Hewlett Packard, aconselharam o presidente a proteger os dreamers. “São uma das razões pelas quais continuamos tendo uma vantagem competitiva global”, escreveram, e estimaram em 460 bilhões de dólares (1,4 trilhão de reais) o prejuízo que sua saída poderia trazer.