Pedro Serrano: "A porteira das aventuras ditatoriais está aberta"

O jurista e professor de Direito Constitucional da PUC, Pedro Serrano, comentou as declarações feitas pelo general gaúcho Antonio Hamilton Mourão que, em palestra no último dia 15, defendeu a "intervenção militar" como saída para a crise política, caso o Poder Judiciário "não solucione".

Por Dayane Santos

General Hamilton Mourão - Reprodução

"Muito absurdo um general da ativa e do alto comando do Exército ameaçar as instituições e Poderes do Estado, quando, inclusive, é proibido por lei de se manifestar sobre política", disse Serrano.

A declaração do general foi durante participação de um evento da maçonaria em Brasília na sexta-feira (15) "“[…] ou as instituições solucionam o problema político retirando da vida pública o elementos envolvido em todos os ilícitos ou então nós teremos que impor uma solução", destacou o general.

"Os Poderes terão que buscar uma solução. Se não conseguirem, temos que impor uma solução. E essa imposição não será fácil. Ela trará problemas. Pode ter certeza", completou Mourão.

Serrano classificou o discurso como estarrecedor. "Ou o governo pune severamente, ou a porteira das aventuras ditatoriais está mais que aberta. Estarrecedor o que está ocorrendo", afirmou o jurista.

"Desde logo me posiciono com a mais absoluta radicalidade contra qualquer tipo de intervenção militar. Se a cúpula do Exército não puni-lo ,temos que sobrestar nossas divergências e nos unirmos em apoio a medidas governamentais que punam o general e todos seus companheiros e superiores que sejam com ele complacentes", argumentou o professor Serrano.

E finaliza: "Na defesa da democracia não pode haver vacilo ou tibieza, temos de nos unir, democratas de direita, centro e esquerda contra esse tipo de arroubo subversivo da ordem democrática, sem concessões".

Pelas redes sociais, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), que também é juiz e professor de Direito, comentou o caso. "Espero que o Ministério Público tome providências imediatas contra essa pregação contrária à Constituição e às leis".

Quem é Mourão

No Exército desde 1972, o general é o mesmo que, em outubro de 2015, foi exonerado do Comando Militar do Sul, em Porto Alegre, pelo comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, e transferido para Brasília, após fazer críticas ao governo de Dilma Rousseff. Ele também fez uma homenagem póstuma ao coronel Brilhante Ustra, acusado de inúmeros crimes de tortura e assassinatos na ditadura militar.

Mourão, que atualmente é secretário de economia e finanças das Força Armadas, disse que seus “companheiros” do Alto Comando do Exército avaliam que ainda não é o momento para a ação, mas ela poderá ocorrer após “aproximações sucessivas”.

“Até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”, acrescentou.

E completa: “Então, se tiver que haver, haverá [ação militar]. Mas hoje nós consideramos que as aproximações sucessivas terão que ser feitas”. Segundo o general, o Exército teria “planejamentos muito bem feitos” sobre o assunto, mas não os detalhou.

Posição das Forças Armadas

As declarações do general voltaram a causar desconforto entre os militares. Ele foi afastado de suas funções a frente do Comando Militar do Sul, em outubro de 2015, após declarações dadas a oficiais da reserva na qual fez críticas à classe política, ao governo Dilma e convoca os presentes para "o despertar de uma luta patriótica" para o "descarte da incompetência, má gestão e corrupção".

Ele disse ainda que "a maioria dos políticos de hoje parecem privados de atributos intelectuais próprios e de ideologias, enquanto dominam a técnica de apresentar grandes ilusões".

Sobre as recentes declarações de Mourão, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, reagiu dizendo que “não há qualquer possibilidade” de uma ação do Exército deste tipo.

“Desde 1985 não somos responsáveis por turbulência na vida nacional e assim vai prosseguir. Além disso, o emprego nosso será sempre por iniciativa de um dos Poderes”, afirmou o comandante.

De acordo com matéria publicada pelo Estadão, o próprio general Mourão, diante da repercussão, negou que estivesse "pregando intervenção militar", dizendo que a interpretação das suas palavras "é livre", já que falava em seu nome, e não no do Exército.

Em outras ocasiões, o general Eduardo Villas Bôas se pronunciou sobre movimentos que pedem a intervenção militar, classificando de "tresloucado" e "malucos" as pessoas que pedem tal ação.

"Esses tresloucados, esses malucos vêm procurar a gente aqui e perguntam: 'Até quando as Forças Armadas vão deixar o país afundando? Cadê a responsabilidade das Forças Armadas? Eu respondo com o artigo 142 da Constituição. Está tudo ali. Ponto".

Pelo artigo 142, "as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

Surfando na antipolítica

Na palestra, Mourão tomou o cuidado de fazer as suas afirmações no condicional. Mas, por outro lado, apesar de dizer que falava em seu nome, disse que "os companheiros" do Alto Comando estariam fazendo movimentações sucessivas, portanto, falou em nome de outros.

Desde o impeachment, Mourão surfa no discurso da campanha da antipolítica como se a cura da doença é matar o paciente que se encontra em estado grave.

Diante de um cenário de profunda crise política desencadeada pelo golpe contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff, com as instituições cada vez mais perdendo a credibilidade junto àpopulação, o discurso do general ganha eco de alguns setores e para a maioria da população pode até parecer o caminho mais adequado frente a uma situação de total perda da confiança.

Na palestra dada na semana passada, ele ainda utilizou o discurso revanchista em que coloca aqueles que se opõem à ditadura militar contra os militares. Ao dizer que a "imposição" militar traria problemas, ele afirmou que a sua geração "é marcada pelos sucessivos ataques que a nossa instituição recebeu de forma covarde, de forma não coerente com os fatos que ocorreram no período de 64 a 85".

Segundo ele, os militares buscaram "fazer o melhor e levamos pedradas de todas as formas". "O que interessa e termos a consciência tranquila de que fizemos o melhor", diz ele. A declaração generalista é para criar o ambiente do nós contra eles, discurso que foi usado durante o período da ditadura militar, que resultou na cassação de direitos, na tortura, no fim da liberdade de imprensa, no assassinato de milhares de pessoas.

Mourão é mais um que se coloca como um quarto poder, puro, imaculado e só formado por heróis que podem nos salvar. Setores do Ministério Público tem usado a mesa alcunha para se destacar.

Eles ignoram o fato de que as decisões sobre os rumos do país devem partir não de um grupo seleto e "puro", mas do seu povo. E esta solução é por meio de eleições livres e democráticas, que respeitem a Constituição e os direitos e garantias fundamentais.