Catalunya: Cap a l’Independencia

O longo e penoso processo de unificação do atual formato do Estado espanhol remonta ao século 15. O famoso casamento de Fernando de Aragão com Isabel de Castela deu início a um lento processo de conquista militar e política dos reinos ibéricos, aí incluída a região da Catalunya.

Por Paulo Kliass*

Manifestação na Catalunha - Barcelona-metropolitan.com

Essa natureza centralizadora sempre foi a marca do processo de dominação estabelecido desde Madri para assegurar a integridade do território. O recurso ao autoritarismo também se fez presente durante a maior parte desses quase seiscentos anos de subjugo sobre as regiões que não concordavam com a perda de suas respectivas identidades.

É interessante observar que durante os 2 curtos e efervescentes períodos de experiência republicana, a Espanha reconheceu os excessos de tal imposição e avançou no reconhecimento de algum grau de autonomia para suas regiões, em especial para a Catalunya. Entre 1873 e 1874, por exemplo, foi extinta a monarquia e adotado o modelo republicano, com um político catalão inclusive tendo assumido as funções de presidente do país que havia afastado a família real do comando.

Já em 1931, quando ocorre a proclamação da segunda República, as transformações foram mais evidentes. Durante os cinco anos de governo civil, os catalães obtiveram um estatuto de autonomia aprovado em plebiscito, com o reconhecimento da língua catalã, a definição do autogoverno regional e o estabelecimento da Catalunya como Região Autônoma. A experiência acabou dramaticamente com o golpe encabeçado por Franco e a violenta repressão que se abateu sobre toda a Espanha. As regiões e as forças políticas mais duramente atingidas foram aquelas que haviam defendido o “status quo” republicano de forma efetiva. Assim, mais uma vez Catalunya e Barcelona por seu simbolismo foram massacradas, a ponto de os franquistas de Madri eliminarem os avanços da política institucional na região e de proibirem a língua catalã (escrita, falada e ensinada).

A morte de Franco e o ressurgimento do catalanismo.

Após a morte de Franco em 1975, tem início um período de elevada instabilidade política para a busca de uma transição institucional. A superação do período ditatorial se consolida apenas em 1978, quando uma nova Constituição foi aprovada. E ali está previsto o reconhecimento das autonomias regionais, incluída a da Catalunya. Ao longo dessas 4 décadas, o processo de luta por autonomia e/ou independência apresentou momentos de avanços e de recuos. No entanto, há uma tendência clara em que a maioria da população catalã exige que caiba a seus cidadãos o direito de decidir a respeito de seu próprio futuro.

A política interna na Catalunya amadureceu de forma significativa durante esse período, com a ampliação do arco de alianças no sentido da autodeterminação. As sucessivas equipes indicadas para o comando do Poder Executivo na “Generalitat” passaram à maioria a sensação de que é possível uma Catalunya “lliure”. As inúmeras experiências de composição político-partidária no interior do Poder Legislativo no “Parlament” reforçaram a interpretação de que apenas a independência com relação ao poder centralizador em Madri ofereceria as condições para os catalães afirmarem sua soberania.

O acúmulo de debate interno e a elevação do nível de consciência da população com relação às alternativas colocadas em debate podem ser medidos pelas várias oportunidades em que a comunidade foi chamada a se manifestar pelo voto. Assim, para além das expressivas manifestações políticas, houve consultas e plebiscitos onde o resultado sempre se revelou favorável à solução da autodeterminação. A intolerância e a repressão da parte de Madri só fizeram aumentar a sensação de descontentamento com a situação desde o último plebiscito.

A situação atual e as perspectivas do plebiscito.

Em 2014, o governo espanhol apelou à corte constitucional para impedir a realização de um plebiscito a respeito do tema. A Generalitat se viu proibida de realizar a consulta com o grau de institucionalidade que pretendia, mas mesmo assim um voto informal foi organizado. O resultado foi superior a 80% de “sim” nos dois quesitos, onde o eleitor era chamado a se manifestar a respeito de: i) a Catalunya ser ou não um Estado; e ii) se esse Estado deveria ser ou não independente.

O próximo passo foi o reforço da consolidação de uma maioria interna nas forças políticas catalãs a favor de institucionalizar um novo plebiscito. E assim foi marcado o chamado processo “1-O”, primeiro de outubro. Portanto, no próximo domingo está prevista a realização de uma consulta oficial e definitiva a respeito do tema da independência. Caso haja novamente a vitória do “sim”, a Catalunya deixaria de ser uma região espanhola e se anunciaria perante a Europa e o mundo como nação independente.

Madri nunca se dispôs a negociar nenhuma perspectiva de solução para esse imbróglio político e institucional. O desespero e o despreparo das forças contrárias ao catalanismo provocam ainda maior radicalização nas medidas de caráter autoritário para impedir, mais uma vez, a cristalização do desejo da maioria pela independência. Assim, conseguiram há alguns dias autorização judicial para intervir em setores estratégicos do governo da Generalitat, ou seja, nos organismos encarregados de organizar a infraestrutura do processo de consulta no dia primeiro de outubro.

Além disso, o governo espanhol avança todos os limites do razoável e promove uma intervenção no sistema de polícia e de segurança catalães, os “Mossos d’Esquadra”. A partir de um decreto, essa organização autônoma passa a responder diretamente ao governo espanhol. Autoridades locais foram detidas e acusadas de atos classificados arbitrariamente como “ilegais”, tão somente em razão de seu compromisso com a organização e realização da consulta no próximo domingo.

A polarização, que deve ser aprofundada ainda mais durante os próximos dias, é fruto da falta de disposição de Madri em aceitar os fatos da realidade. Ao se recusar a discutir essa manifestação de vontade pela autodeterminação como um fator político evidente e generalizado, o governo do conservador Rajoy (Partido Popular) apenas repete o roteiro de seus antecessores.

Pode até ser que o Primeiro Ministro obtenha êxito parcial em seu intento e as forças catalãs sejam obrigadas a adiar, mais uma vez, o referendo por problemas de impossibilidade político-logística para sua realização. No entanto, esse movimento só provoca ainda maior descontentamento popular e amplia os apoios para a solução da independência. Afinal, tratar uma questão onde há claro consenso político como um problema de natureza jurídica e policial é a pior das soluções.

Barcelona e as demais províncias da Catalunya já deram sinais mais do que suficientes de que não aceitam essa onda autoritária. Ainda que não ocorra no dia 1 de outubro, no momento em que for realizado o plebiscito as pesquisas apontam para uma provável nova vitória do “sim”. Como se as urnas ecoassem o grito das ruas: “Visca Catalunya lliure i independent”! – Viva a Calalunya livre e independente!