Reitor da UFSC denuncia humilhação em artigo antes de cometer suicídio

O reitor afastado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier, morreu na manhã desta segunda-feira (02), no Shopping Beira-Mar, em Florianópolis. O reitor assumiu a universidade em 2016, mas foi afastado das suas funções por uma decisão judicial na Operação Ouvidos Moucos que investigava irregularidades de 2006. Cancellier, mesmo tendo assumido o cargo 10 anos depois, sempre esteve à disposição para esclarecimentos das irregularidades de gestões anteriores.

Luis Carlos Cancellier de Olivo - Assembleia Legislativa de Santa Catarina

O reitor da UFSC desde 2016, Luiz Carlos Cancellier, cometeu suicídio por volta das 10h30min desta segunda. Antes de sua morte, ele publicou um extenso artigo no jornal O Globo abordando o estado de exceção da justiça brasileira. Segundo o artigo, não houve qualquer obstrução a apuração da denúncia.

A Operação Ouvidos foi deflagrada no dia 14 de setembro e investiga supostas irregularidades na aplicação de recursos federais recebidos pela Universidade para curso de Ensino a Distância ocorridas em projetos executados em 2006. Todavia, o Cancellier assumiu a reitoria apenas em 2016. Como poderia então ele ter feito parte de tais desvios?

Mesmo diante de tal incoerência, Cancellier estava sempre à disposição da justiça para esclarecimentos das gestões anteriores.

É isso que o reitor questiona no artigo publicado no dia 28 de setembro. No texto, Cancellier ainda relata a humilhação e o vexame, que ele e seus colegas, foram submetidos, para além da seletividade da justiça no país.

“Fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira”, disse o reitor no texto.

Ainda conforme a UFSC, durante a campanha para a reitoria da Universidade, em 2015, ele “defendeu um modelo de administração que resgatasse a excelência e a eficiência na instituição, apostando na descentralização da gestão e na valorização e participação de todos os centros e unidades da universidade nas tomadas de decisão”.

A partir dessa situação, pode-se crer que a justiça de exceção no Brasil fez a sua primeira vítima fatal.

Ainda para a União Nacional dos Estudantes (UNE), o reitor foi vítima de uma injusta e arbitrária ação da Polícia Federal em uma operação extremamente duvidosa, e divulgada pela imprensa de forma irresponsável, Houve o desrespeito do estado democrático de direito e a presunção de inocência, alegando ao atual reitor possíveis irregularidades, que sequer foram suficientemente apuradas, que podem ter ocorrido em gestões anteriores.

Atividades na UFSC

As atividades na universidade estão paralisadas nas pró-reitorias e nas secretarias da administração central desde as 11h desta segunda. A universidade lamentou em nota o "trágico acontecimento".

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) também publicou uma nota lamentando o ocorrido e também expondo a sua “absoluta indignação e inconformismo com o modo como foi tratado por autoridades públicas o Reitor Cancellier, ante um processo de apuração de atos administrativos, ainda em andamento e sem juízo formado”, disse o texto.

Confira na íntegra o artigo do reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier e em seguida, a nota da UFSC e por fim, a nota da Andifes:

Artigo do reitor Luiz Carlos Cancellier:

"Reitor exilado"

"Não adotamos qualquer atitude para obstruir apuração da denúncia.
A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.

Quando assumimos, em maio de 2016, para mandato de quatro anos, uma de nossas mensagens mais marcantes sempre foi a da harmonia, do diálogo, do reconhecimento das diferenças. Dizíamos a quem quisesse ouvir que, “na UFSC, tem diversidade!”. A primeira reação, portanto, ao ser conduzido de minha casa para a Polícia Federal, acusado de obstrução de uma investigação, foi de surpresa.

Ao longo de minha trajetória como estudante de Direito (graduação, mestrado e doutorado), depois docente, chefe do departamento, diretor do Centro de Ciências Jurídicas e, afortunadamente, reitor, sempre exerci minhas atividades tendo como princípio a mediação e a resolução de conflitos com respeito ao outro, levando a empatia ao limite extremo da compreensão e da tolerância. Portanto, ser conduzido nas condições em que ocorreu a prisão deixou-me ainda perplexo e amedrontado.

Para além das incontáveis manifestações de apoio, de amigos e de desconhecidos, e da união indissolúvel de uma equipe absolutamente solidária, conforta-me saber que a fragilidade das acusações que sobre mim pesam não subsiste à mínima capacidade de enxergar o que está por trás do equivocado processo que nos levou ao cárcere. Uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à PF; sonegação de informações fundamentais ao pleno entendimento do que se passava; e a atribuição, a uma gestão que recém completou um ano, de denúncias relativas a período anterior.

Não adotamos qualquer atitude para abafar ou obstruir a apuração da denúncia. Agimos, isso sim, como gestores responsáveis, sempre acompanhados pela Procuradoria da UFSC. Mantivemos, com frequência, contatos com representantes da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Estávamos no caminho certo, com orientação jurídica e administrativa. O reitor não toma nenhuma decisão de maneira isolada. Tudo é colegiado, ou seja, tem a participação de outros organismos. E reitero: a universidade sempre teve e vai continuar tendo todo interesse em esclarecer a questão.

De todo este episódio que ganhou repercussão nacional, a principal lição é que devemos ter mais orgulho ainda da UFSC. Ela é responsável por quase 100% do aprimoramento da indústria, dos serviços e do desenvolvimento do estado, em todas as regiões. Faz pesquisa de ponta, ensino de qualidade e extensão comprometida com a sociedade. É, tenho certeza, muito mais forte do qualquer outro acontecimento".

Leia a nota da UFSC na íntegra:

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) informa, com pesar, o falecimento do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, na manhã desta segunda-feira, 2 de outubro.

Pró-reitorias e secretarias da Administração Central paralisaram as atividades a partir das 11h, em função do trágico acontecimento.

Luis Carlos Cancellier de Olivo, 60 anos, é natural de Tubarão. Em 1977, ingressou no curso de Direito da UFSC e como universitário engajou-se no movimento estudantil, que era um foco de resistência à ditadura militar. Interrompeu os estudos para trabalhar como jornalista, em “O Estado” (Florianópolis) e em Brasília, assessorando parlamentares catarinenses. Também participou ativamente das campanhas pela anistia, pelas diretas-já, pela eleição de Tancredo Neves e pela Constituinte, além do movimento Fora Collor. Em 1996, retomou os estudos, concluindo a graduação em Direito e fazendo em seguida mestrado e doutorado na mesma área. Foi professor e diretor do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) da Universidade.

Cancellier tem livros e artigos publicados sobre temas jurídicos e exerce uma série de atividades ligadas ao Direito Administrativo e à Administração Pública. Na campanha vitoriosa para a reitoria, em 2015, pelo movimento “A UFSC Pode Mais”, defendeu um modelo de administração que resgatasse a excelência e a eficiência na instituição, apostando na descentralização da gestão e na valorização e participação de todos os centros e unidades da universidade nas tomadas de decisão.

Quase toda a sua formação acadêmica foi realizada na UFSC: graduação em Direito (1998), mestrado em Direito (2001) e doutorado em Direito (2003). É especialista em Gestão Universitária (2000) e Direito Tributário (Cesusc, 2002). Ministra as disciplinas de Direito Administrativo II no curso de graduação e Seminário de Direito e Literatura na pós-graduação (PPGD). É professor de Direito Administrativo e Instituições de Direito Público da Universidade Aberta do Brasil (UAB), desde 2006. É professor de Direito Público e Administrativo no Programa de Pós-Graduação em Administração Universitária da UFSC (PPGAU). Membro do Conselho Editorial da EdUFSC (2009 a 2013). Chefiou o Departamento de Direito da UFSC (2009-2011) e presidiu a Fundação José Arthur Boiteux (Funjab) no período 2009-2010. Foi diretor do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) da UFSC.

Nota Oficial da Andifes:

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), profundamente consternada, comunica o trágico falecimento do Prof. Dr. Luiz Carlos Cancellier, Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, ocorrido na manhã desta segunda-feira. O sentimento de pesar compartilhado por todos/as os/as reitores/as das universidades públicas federais, neste momento, é acompanhado de absoluta indignação e inconformismo com o modo como foi tratado por autoridades públicas o Reitor Cancellier, ante um processo de apuração de atos administrativos, ainda em andamento e sem juízo formado. É inaceitável que pessoas de bem, investidas de responsabilidades públicas de enorme repercussão social tenham a sua honra destroçada em razão da atuação desmedida do aparato estatal. É inadmissível que o país continue tolerando práticas de um Estado policial, em que os direitos mais fundamentais dos cidadãos são postos de lado em nome de um moralismo espetacular. É igualmente intolerável a campanha que os adversários das universidades públicas brasileiras hoje travam, desqualificando suas realizações e seus gestores, como justificativa para suprimir o direito dos cidadãos à educação pública e gratuita. Infelizmente, todos esses fatos se juntam na tragédia que hoje temos que enfrentar com a perda de um dirigente que por muitos anos serviu à causa pública. A ANDIFES manifesta a sua solidariedade aos familiares e amigos do Reitor Cancellier e continuará lutando pelo respeito devido às universidades públicas federais, patrimônio de toda a sociedade brasileira.

Brasília, 02 de outubro de 2017.