Entidades denunciam censura à internet embutida na reforma política

Escondida na reforma política, o Congresso Nacional aprovou proposta de censura política para calar as críticas nas redes sociais. O texto aprovado recebeu críticas das entidades da sociedade civil que integram a Coalizão Direitos na Rede, assim como pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e pelas entidades representantes das empresas de comunicação (ANJ, Abert e Aner).

Censura na Internet

Uma emenda aprovada pelo Congresso obrigará sites a suspender, sem decisão judicial, a publicação de conteúdo denunciado como “discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido ou candidato”. A censura está no trecho da reforma política que dispõe sobre propaganda eleitoral na internet.

Segundo o texto aprovado, a publicação deverá ser suspensa “em no máximo vinte quatro horas” após a denúncia feita por qualquer usuário de internet ou rede social em canais disponibilizados pelo provedor para esse fim. A suspensão deve ocorrer “até que o provedor certifique-se da identificação pessoal do usuário que a publicou, sem fornecimento de qualquer dado do denunciado ao denunciante, salvo por ordem judicial”.

As organizações da sociedade civil que integram a Coalizão Direitos na Rede lançaram uma carta aberta em que denunciam a censura contida no projeto de lei. Segundo o documento da Coalizão, a medida foi proposta sem nenhum debate e votada na Câmara durante a madrugada, tendo sido aprovada silenciosamente também pelo Senado na tarde desta quinta-feira (5). As entidades consideram que não se pode permitir o que chamam de “afronta a nossas garantias constitucionais de liberdade de expressão e pluralidade política” e exigem o veto ao trecho do projeto de lei que institui a censura.

Entidades como ANJ (Associação Nacional de Jornais), ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) também criticaram a emenda aprovada. Para a ANJ, que repudiou a iniciativa em nota conjunta com a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) e a Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas), “a medida aprovada pelo Congresso é claramente inconstitucional, por se tratar de censura”.

O Marco Civil da Internet, lembram as três organizações, prevê que suspensão ou retirada do ar de informações e opiniões só pode ocorrer mediante decisão judicial. “As associações condenam o discurso do ódio e a disseminação de informações falsas, no ambiente da internet ou fora dele, mas assinalam que o combate a esses males só pode acontecer dentro da legalidade”, diz o texto.

Leia abaixo a íntegra da Carta da Coalizão Direitos na Rede:

As entidades da Coalizão Direitos na Rede, em defesa dos direitos constitucionais fundamentais à liberdade de expressão e à pluralidade política, bem como as conquistas expressas no Marco Civil da Internet, vêm a público requerer à Presidência da República o veto ao § 6º, Art. 57-B, incluído na Lei nº 9.504/1997 pelo PLC 110/2017 (PL 8612/2017), que instaura a censura política durante os processos eleitorais no Brasil. Com esta medida, não apenas jornalistas e ativistas terão o direito à liberdade de expressão ferido, mas quaisquer cidadãos que desejam expor suas ideias de maneira livre e democrática.

Na madrugada desta quinta-feira (5/10), dia do 29º aniversário da Constituição Federal, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou uma medida que fere brutalmente nossa liberdade de expressão nas redes, obrigando os provedores a remover, em até 24 horas, conteúdos denunciados como ofensivos a candidatos/as ou partidos políticos no período de campanha eleitoral. E já na tarde de hoje, sem nenhuma chance de reação social, o Senado Federal confirmou integralmente o texto. Não se ignora que o aumento da ação automatizada de robôs, no Brasil e no mundo, é um tema importante para o futuro da democracia. Mas sob a suposta justificativa de “diminuir a guerra de conteúdos difamantes por usuários fictícios durante as eleições”, o texto do PLC 110/2017 (PL 8612/2017) incluiu na Lei das Eleições a seguinte previsão:

“Art. 57-B ……… § 6º A denúncia de discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido, coligação, candidato ou de habilitado conforme o art. 5º-C, feita pelo usuário de aplicativo ou rede social na internet, por meio e canal disponibilizado para esse fim no próprio provedor, implicará suspensão, em no máximo vinte e quatro horas, da publicação denunciada até que o provedor certifique-se da identificação pessoal do usuário que a publicou, sem o fornecimento de qualquer dado do denunciado ao denunciante, salvo por ordem judicial”.

A medida abre um perigoso precedente para a prática da censura e violação à privacidade, justo num momento fundamental de participação política dos cidadãos e cidadãs no futuro do país. Impor aos provedores que retirem conteúdos online por simples notificação, sob fundamentos com alto grau de subjetividade (“disseminação de discurso de ódio, informações falsas, ofensas em desfavor de partido ou candidatos”), antes do controle pelo Poder Judiciário, significa autorizar a censura privada arbitrária, em desrespeito à garantia do princípio do devido processo legal. Como sustentado pelo Supremo Tribunal Federal, “os crimes contra a honra pressupõem que as palavras atribuídas ao agente, além de se revelarem aptas a ofender, tenham sido proferidas exclusiva ou principalmente com esta finalidade, sob pena de criminalizar-se o exercício da crítica, manifestação do direito fundamental à liberdade de expressão” (Pet 5735 / DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 11/09/2017). Reconhecer o caráter ofensivo só com base em mera denúncia é censurar a crítica política.

O § 6º do art. 57-B institui a suspensão do conteúdo como regra, até que provedores “se certifiquem sobre a identificação pessoal do usuário”. O Marco Civil da Internet já prevê a guarda de registros, os quais podem levar à identificação de usuários e verificação de autoria dos conteúdos. Na prática, impõe-se como requisito o uso do nome real online, constrangendo apenas pessoas reais de se manifestarem publicamente. Saindo pela culatras, desconsiderando que bots não precisam preservar dados pessoais, a medida abre mais espaço para a replicação automatizada de conteúdos, sobrecarregando indefinidamente a fiscalização de provedores.

Exigir identificação e ameaçar de bloqueio conforma uma grave ameaça ao exercício da cidadania. Existem maneiras técnicas de identificar robôs políticos que não prejudicam a maneira como interagimos na rede. Por exemplo, linhas de código como a do projeto http://botornot.co/ são capazes de impedir a ação de bots sem maiores efeitos colaterais. O Congresso Nacional deve fomentar incentivos ao desenvolvimento de tecnologias deste porte na internet e nas redes sociais, sem ameaçar a livre expressão e o direito à participação política plural.

Com o § 6º do art. 57-B, abre-se a possibilidade real de que vozes sejam silenciadas e de que críticas aos candidatos sejam interpretadas como ofensas, distorcendo a base da democracia. Na contramão dos direitos estabelecidos no Marco Civil da Internet, mediante amplo debate com a sociedade brasileira, atenta-se contra as garantias conquistadas duramente no processo de redemocratização do país, que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

É inadmissível que aqueles que se propõem ao exercício dos poderes políticos, atuando na esfera pública, pretendam violar direitos democráticos para escapar das críticas e do controle social, também expressamente garantido constitucionalmente.

Importante defender também os direitos constitucionais à comunicação social, respeitando a garantia de que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição, sendo vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Sendo assim, o anonimato só deve ser entendido como ilegal na medida em que se configure abuso no exercício do direito à liberdade de expressão, havendo mecanismos legais expressos no Marco Civil da Internet que possibilitam, com respeito ao devido processo legal, a identificação, sem fragilizar a manifestação da pluralidade política, assegurada como fundamento constitucional. Inclusive, o direito ao sigilo das comunicações é uma ferramenta cara à efetividade das liberdades civis.

Ainda, destacamos que a proposta, com suas graves e profundas consequências para os processos políticos e eleitorais no país, foi tratada na surdina, literalmente sem nenhum debate, seja diretamente com a sociedade, seja entre seus representantes eleitos para a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

Assim, sem a devida discussão, em total desrespeito à importância do tema, basta agora a sanção presidencial para que essa violação de direitos constitucionais se transforme em lei ordinária. Não podemos permitir a promulgação dessa verdadeira censura política.

Ante todo o exposto, as entidades da Coalizão Direito na Rede requerem, respeitosamente, nos termos do art. 66, § 1º, da Constituição Federal, que seja vetada a inclusão do § 6º do art. 57-B na Lei nº 9.507/1997, por ser esse dispositivo inconstitucional e contrário ao interesse público.