Marly Vianna: Revolução mostrou ao mundo que capitalismo não é eterno

Em entrevista ao Portal Vermelho, a historiadora Marly Vianna aponta a importância da Revolução Russa, que completa cem anos. Para ela, aquele outubro de 1917 mostrou ao mundo que o capitalismo não é eterno. “Foi a primeira revolução que colocou os operários no poder e criou uma sociedade sem exploração do homem pelo homem”, disse.

Por José Carlos Ruy

Marly Viana

Confira abaixo a íntegra:

Portal Vermelho: São 100 anos da revolução que mudou o mundo. O que diferencia a Revolução Russa das demais revoluções?

Marly Vianna: A diferença é que, desde a Revolução Francesa, que acabou com o feudalismo, a Revolução de Outubro, como verdadeira revolução, acabou com o modo de produção capitalista na Rússia. Sua imensa importância é essa. Mostrou ao mundo – em especial à classe operária -, que o capitalismo não é eterno. Foi a primeira revolução que colocou os operários no poder e criou uma sociedade sem exploração do homem pelo homem.

Já se disse, com base em Gramsci, que aquela foi uma revolução contra o capital? Esta tese tem sentido?

Penso que tem muito sentido. Contra o capital e principalmente contra o capitalismo. O poder ficou nas mãos do povo, organizado nos sovietes e orientado pelos bolcheviques. Infelizmente, a revolução em outros países não ocorreu ou foi logo esmagada, e a jovem República Soviética ficou isolada e atacada por todos os lados: externamente pelos países da Entente, mal acabada a Grande Guerra e, internamente, pelos saudosos da monarquia tzarista. A guerra civil foi uma verdadeira hecatombe e durante os primeiros quatro anos do poder soviético a principal questão era não permitir a volta do capitalismo. O capital – como uma relação de produção – não poderia ser restaurado.

Que avaliação você faz do papel dos soviéticos na luta anti-imperialista?

Foi imenso e imprescindível, não só para a luta anti-imperialista como na defesa da paz no mundo. O Estado Soviético foi anticapital, anticapitalista, uma forte barreira ao capitalismo financeiro mundial. E uma barreira tanto mais forte quanto a União Soviética tornou-se a segunda potência mundial.

É importante salientar a imensa força que teve uma sociedade que acabou com a exploração. É importante salientar as vitórias, de significado mundial, conquistadas pelo Estado Soviético: a vitória contra o nazi-fascismo deveu-se principalmente à União Soviética, que impingiu aos nazistas suas primeiras grandes derrotas: a Batalha de Moscou (de setembro de 1941 a abril de 1942) e a de Stalingrado (julho de 1942 a fevereiro de 1943), lutas que custaram aos soviéticos mais de 20 milhões de mortos. Mas venceram.

O Estado Soviético apoiou de muitas maneiras a descolonização, garantiu a não intervenção ianque em Cuba, foi um freio à expansão desmedida do capital. Isso, com todos os problemas que enfrentou permanentemente. Devemos assimilar os acertos e procurar entender os erros, sem minimizá-los, para evitar repeti-los.

A União Soviética, a grande esperança da humanidade.

Completam-se cem anos de uma Revolução cujos frutos mais diretos tiveram fim em 1991, com o fim da URSS. Apesar disso, que perspectiva futura você vê para revoluções desse tipo?

A Revolução Socialista de Outubro, mostrando que o capitalismo não era o fim da história e que os operários podiam chegar ao poder, abriu uma perspectiva concreta: a possibilidade de se estabelecer uma sociedade socialista, um poder operário. Até 1917 então isso era apenas uma utopia. Depois da Revolução Russa passou a ser uma realidade. O Estado Soviético teve fim, mas a perspectiva revolucionária não. Para terminar, cito Joseph Fontana, o historiador marxista catalão:

"O caminho que há pela frente, se queremos escapar desse futuro de desigualdade e empobrecimento que nos ameaça a todos, é bastante complicado. O fracasso da experiência de 1917 mostra que as dificuldades são muito grandes; mas penso que nos ensinou também que, apesar de tudo, havia que prová-lo, e que tentá-lo de novo oxalá valha a pena” (FONTANA, Josep. “A revolução Russa e nós”, In História e luta de classe. Nº 23, março de 2017, p.92).