O Estado Novo, entre a oligarquia e os trabalhadores

O Estado Novo, instituído pelo golpe de Estado comandado por Getúlio Vargas há 80 anos (em 10 de novembro de 1937, e durou até 29 de outubro de 1945).

Por José Carlos Ruy*

Getulio Vargas

Aquele regime significou o aprofundamento da revolução burguesa que ocorria no Brasil desde a Revolução de 1930. Aprofundamento limitado, que ocorreu nas condições da revolução burguesa no século 20, tempo da revolução proletária que acovardava a burguesia impedindo a aliança com o proletariado para exercer a liderança nas transformações, e a empurrando para a segura aliança de proprietários que limita sua própria ação e o alcance das mudanças revolucionárias sob direção burguesa.

As conseqüências do golpe de Estado que criou o Estado Novo podem ser vistas como próprias dessa revolução burguesa limitada. E são reveladas por dois traços importantes daquele regime, que se voltou contra dois adversários principais – de um lado, a velha oligarquia latifundiária e seus aliados do imperialismo e da alta finança; de outro lado, a classe operária e aquilo que se considerava então como “ameaça comunista”

Logo após o golpe do Estado Novo, as atitudes do governo voltaram-se contra as oligarquias estaduais, no esforço de impor a elas os interesses nacionais representados pelo Estado – um deles foi a proibição e extinção dos partidos políticos (2 de dezembro de 1937). Dois dias depois (4 de dezembro), em outro evento ainda mais significativo, foram queimadas as bandeiras estaduais, em uma grande fogueira na Esplanada do Russel, Rio de Janeiro, e os Estados foram proibidos de ter bandeiras e outros símbolos.

A ação contra os comunistas e a luta do povo figurava com ênfase no preâmbulo da constituição para-fascista 1937, apelidada de “Polaca” por ter sido inspirada na carta-magna da ditadura polonesa. Seu preâmbulo dizia claramente que devia atender “às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente a gravação dos dissídios partidários, que, uma notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil”. Aquele preâmbulo falava no “estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente”. Disposição que se traduziu na Lei de Segurança Nacional, vigente durante todo o Estado Novo. A prisão, perseguição, tortura e assassinato, se generalizaram contra incontáveis opositores políticos.

Entre estas duas pinças – o proletariado de um lado; a oligarquia e o imperialismo, de outro – o Estado Novo era fortemente nacionalista e previa a intervenção do Estado e do governo para fomentar o desenvolvimento.

Foram criados, pela primeira vez em nosso país, alguns organismos do governo para apoiar e promover o desenvolvimento. Salvaguardou as riquezas minerais e o uso das águas, cuja exploração caberia apenas a empresas brasileiras. Da mesma forma os bancos e o sistema financeiro só podiam ser propriedade de empresários brasileiros. Criou também o Conselho Nacional de Economia para gerir todos os aspectos da economia nacional.

Entre outros órgãos, foram criados o Conselho Nacional do Petróleo (1938), o Departamento Administrativo do Serviço Público (1938), a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN,,1941), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Fábrica Nacional de Motores (FNM. 1942),a Companhia Nacional de Álcalis (1943), a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945); foi construída a primeira rodovia ligando o Nordeste ao Centro-Sul, a Rio-Bahia (terminada em 1945). Foi criada a SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito), em 1945, precursora do Banco Central (1964).

O Estado Novo durou até 29 de outubro de 1945, quando Getúlio Vargas foi deposto por um golpe militar apoiado pelos setores mais reacionários das classes dominantes e por representantes do imperialismo, tendo havido inclusive a intervenção aberta do embaixador dos EUA, Adolfo Berle Jr.

Todos temiam que se radicalizasse a democratização que estava em curso naqueles meses, acelerada depois da anistia de 19 de abril de 1945, que tirou da cadeia opositores do regime, inclusive o dirigente comunista Luiz Carlos Prestes e outros líderes comunistas, que passaram a apoiar o processo de democratização de Vargas.

O golpe afastou o fantasma da “Constituinte com Vargas”, que a classe dominante e o imperialismo rejeitavam. A mesma elite política que dera as cartas sob a ditadura do Estado Novo continuava no comando e podia, agora, convocar uma Constituinte sob o estrito controle de seus representantes.

O objetivo da direita aliada ao imperialismo era fixar limites à participação popular no regime que substituiria o Estado Novo. Os mesmos homens que apoiaram o golpe de 1937 agora retiravam Vargas do governo pois ele já não correspondia a seus interesses. O historiador Moniz Bandeira (que deixou a vida neste 10 de novembro de 2017, empobrecendo a inteligência brasileira) explicou: as “classes dominantes, associadas ao imperialismo norte-americano, já podiam dispensar os seus serviços”. Seu afastamento “não visava a eliminar o que havia de reacionário e sim o que existia de resistência nacional no Estado Novo”.

Nelson Werneck Sodré – que na época era capitão do Exército e alinhado com suas alas democráticas e avançadas – registrou aquela tensão em suas memórias apontando as forças antagônicas daquela conjuntura. De um lado, aqueles que instituíram o Estado Novo e apoiaram a ditadura de Vargas; de outro, aqueles que, animados pelo giro democrático de Getúlio Vargas, queriam uma Constituinte com Getúlio para que apenas depois dessa mudança institucional se fizesse a eleição democrática do novo presidente da República.

As opções não eram apenas formais mas refletiam posições de classe. Os banqueiros, industriais, latifundiários, representantes de grandes empresas multinacionais, principalmente norte-americanas, e a diplomacia dos EUA, estavam inquietos. Como forma, a ditadura, diz Sodré estava condenada. “Mas havia graves apreensões, generalizadas, a respeito do restabelecimento de determinados direitos, suspensos há tanto tempo. As classes dominantes receavam que, retirado o dique que se opusera ao avanço democrático, desde 1935, e que levara à instauração da ditadura em 1937, tudo fosse levado de roldão”.