Temer enxuga reforma, mas continua a penalizar mais os pobres

Na tentativa de aprovar a medida mais impopular do governo, Michel Temer enxugou a reforma da Previdência. Apesar de alguns recuos, o texto continua a ter pontos perversos, como o pagamento do benefício integral apenas aos que tiverem 40 anos de contribuição e a idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres solicitarem aposentadoria – que agora pode ter aplicação progressiva. Ao contrário do que diz a gestão, a reforma não ataca privilégios e prejudica em especial os mais pobres.

Henrique Meirelles - Nacho Doce/Reuters

Após reunião no Palácio da Alvorada com Temer e os governadores, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, confirmou que o novo texto estabelece um tempo mínimo de contribuição de 15 anos, e não mais de 25 anos como na proposta original do governo.

O recuo, contudo, não eliminou a maldade do projeto: quem se aposentar com apenas 15 anos de contribuição terá direito a apenas 60% do salário. Para receber 100% do benefício será necessário contribuir por pelo menos 40 anos.

“É um incentivo para as pessoas trabalharem um pouco mais visando ter aposentadoria melhor”, defendeu Meirelles, ignorando a realidade do trabalhador brasileiro.

O piso das aposentadorias continuaria sendo o salário mínimo, mas as mudanças devem jogar para baixo, então, o valor dos benefícios, que já não é alto. De acordo com o economista André Calixtre, hoje, a média de contribuição é de 18 a 20 anos.

Em tempos de crise, desregulamentação do mercado de trabalho e o ataque aos direitos promovido pela reforma trabalhista, conseguir 40 anos de contribuição será quase um milagre. Alta rotatividade, informalidade e duração do tempo de desemprego, além de medidas agora permitidas, como o trabalho intermitente, contribuirão para o cenário difícil que se projeta para os empregados do país.

Para o dirigente sindical Pascoal Carneiro, o governo “mente” e faz “propaganda enganosa”, ao dizer que a reforma irá cortar privilégios. “Eles estão fazendo uma campanha intensa, gastando inclusive dinheiro da Previdência, para enganar o povo. Cortar privilégio seria acabar com a aposentadoria daqueles que ganham acima do teto. Mas não é isso que estão fazendo. Todos os que se aposentaram com proventos altos vão continuar recebendo. Não é verdade essa propaganda, é mentirosa. Essa reforma é contra os mais pobres”, contestou.

Idade mínima progressiva

A manutenção da exigência de tal idade mínima para se aposentar também foi confirmada pelo ministro. Meirelles, no entanto, reconheceu que há pressão inclusive da sua base de apoio para flexibilizar a exigência. Nesse sentido, ele afirmou que a regra será mais branda no início.

Sem entrar em detalhes nem diferenciar as aposentadorias para homens e mulheres, ele adiantou que, nos primeiros dois anos pós-reforma, a idade mínima seria de 55 anos. “Vai subindo devagar e só em 20 anos chega a 65”, afirmou, segundo o Valor Econômico.

A exigência de idade mínima afeta principalmente a base da pirâmide social. São os mais pobres que ingressam mais cedo no mercado de trabalho, e as mudanças farão com que eles sejam obrigados a trabalhar mais para terem direito a receber o benefício.

“Na prática, Temer está mantendo a proposta original, porque a idade mínima sempre foi o cerne do projeto. E, ao contrário do que diz o governo, ela vai prejudicar mais uma vez quem ganha pouco. Os filhos dos ricos vão estudar nos Estados Unidos, nas melhores universidades, e trabalham aos 30, 35 anos, quando estão formados, têm um mestrado, um doutorado. Os filhos dos pobres começam a trabalhar aos 16 anos”, avaliou Pascoal Carneiro, antes de saber da possibilidade de adoção progressiva da regra.

Ele exemplificou que uma mulher que começa a trabalhar aos 20 anos, hoje, depois de 30 anos de contribuição, pode se aposentar aos 50. Com as mudanças, ela vai precisar trabalhar 42 anos. “Imagine, na sociedade em que vivemos, com tantas dificuldades para as mulheres, ela ter que se aposentar com mais de 60 anos!”, criticou.

Rurais e BCP ficam de fora

Meirelles disse ainda que o projeto deve manter a regra de transição para as pessoas que já estão mais próximas da aposentadoria e a equiparação dos regimes dos trabalhadores privados e dos servidores públicos.

O ministro também informou que não haverá mudanças nas regras atuais do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria de trabalhadores rurais. Esses pontos teriam sido retirados da reforma.

Embora cauteloso em relação ao anúncio da retirada das mudanças que prejudicavam os trabalhadores rurais, o vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch, destacou a importância da resistência no campo.
“Houve mais de 4 mil audiências para discutir o assunto. A pressão foi forte. Como a bancada ruralista tem muito voto no campo, a ação foi tão grande que, se eles mexessem na aposentadoria rural, não passaria a reforma”, disse.

Aposentadoria apenas como gasto

Adepto de uma visão sobre a Previdência que foca no aspecto fiscal e esquece o seu papel social, o governo anunciou que o novo texto da reforma, que está em fase de últimos ajustes, representará 60% da proposta original do governo. O projeto inicial estimava uma economia nos gastos com aposentadorias de cerca de R$ 800 bilhões em 10 anos.

De acordo com o economista Gustavo Noronha, ao contrário do que ocorre, “a reforma da Previdência, como qualquer outro gasto do governo, deveria ser orientada pelos seus impactos econômicos e sociais. Os gastos do nosso sistema de Previdência Social, em sua maioria, são benefícios para as camadas de menor rendimento e, por consequência, com efeitos multiplicadores importantes devido à alta propensão marginal a consumir dos seus beneficiários”, escreveu.

Tramitação

As mudanças no projeto original são resultado da rejeição até mesmo de aliados ao primeiro texto e fazem parte da nova ofensiva do governo no sentido de fazer aprovar alguma coisa que seja da reforma.

Até então os líderes da base continuavam reticentes. Nesta terça (21), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que só colocaria a proposta em pauta quando o governo tivesse o apoio dos 308 deputados necessários para votar o texto em plenário. Do contrário, o projeto continuaria na gaveta.

Nesta quarta (22), um diplomático Meirelles avaliou que cabe a Maia definir o melhor dia para colocar a proposta em votação. “Ele tem a sensibilidade para saber qual a melhor data para se ter um quórum confiável para a aprovação da reforma”, declarou a jornalistas.

A afobação do governo se deve ao fato de que não votar a reforma este ano significa que dificilmente ela irá adiante, já que em ano eleitoral é ainda mais improvável convencer os parlamentares a desagradarem seus eleitores.