Gatilho pode elevar idade mínima de aposentadoria para além de 65 anos

Depois de muita pressão popular, o governo cedeu em pontos da reforma da Previdência, mas a nova versão mantém sérios problemas. Para o economista Eduardo Fagnani, ninguém conseguirá atingir as condições necessárias para se aposentar com o benefício integral e, com a reforma trabalhista, será difícil até mesmo chegar aos necessários 15 anos de contribuição. Ele destacou ainda que um “gatilho” presente no projeto poderá elevar a idade mínima para além dos 65 anos.

aposentadoria charge

O novo texto, apresentado na noite desta quarta (22) aos parlamentares, mantém a exigência de uma idade mínima para a aposentadoria. A novidade é que ele incorpora uma regra de transição, segundo a qual, em 2018, homens e mulheres do setor privado terão de ter 53 e 55 anos, respectivamente, para obter a aposentadoria. No caso dos servidores, o limite etário é 55 para mulheres e 60 para homens.

As idades exigidas vão subindo com o passar do tempo, até que, em 2038, trabalhadores dos setores público e privados só poderão se aposentar com 65 anos, se forem homens, e 62 anos, se forem mulheres. A adoção progressiva não apaga a rigidez da regra, que pode até ser pior do que parece.

Isso porque o texto cria um “gatilho”, que vai elevar a idade mínima de aposentadoria sempre que a expectativa de sobrevida aos 65 anos subir um ano em relação à média atual.

“A lei prevista no § 15 do art. 201 estabelecerá a forma como as idades mínimas estabelecidas no inciso I do § 1º e nos §§ 4º-A e 5º serão majoradas em um ano, quando houver aumento em número inteiro na expectativa de sobrevida da população brasileira aos sessenta e cinco anos, para ambos os sexos, em comparação com a média apurada no ano de publicação desta Emenda”, diz a emenda aglutinativa, que trata das mudanças.

Segundo Eduardo Fagnani, hoje, a expectativa de sobrevida do idoso é de cerca de 17 anos. “Daqui a cinco anos, oito anos, pode ser 18. Então a idade mínima de 65 que está no projeto, na verdade, vai subir. Nós vamos ter, daqui a 20 anos, idade mínima de 67 anos, que não existe em lugar nenhum, nem na Europa”, criticou.

Quando apresentou a primeira proposta de reforma, as estimativas iniciais do governo apontavam que o gatilho poderia ser acionado duas vezes até 2060, o que elevaria a idade mínima de fato para 67 anos. Pelo texto do projeto, não seria necessário sequer consultar o Congresso para isso, o ajuste seria automático.

“Essa regra de transição fez parecer mais suave, mas eles mantiveram esse gatilho. Basta o IBGE dizer que a expectativa de sobrevida aumentou, que essa idade mínima muda. É uma corrida de obstáculos inatingível. A pessoa está prestes a se aposentar, aí sobe a expectativa de sobrevida, então é mais um ano que faltará para essa aposentadoria”, alertou Fagnani.

Segundo ele, nos países desenvolvidos, a expectativa de sobrevida hoje é em torno de 23 anos. “São seis anos a mais que o Brasil. É possível que até 2060, a gente aumente 4 pontos. Então 65 anos de idade mínima podem virar 69. Isso passou despercebido, ninguém está olhando para isso, mas é um ponto crucial”, defendeu.

A fixação de uma idade mínima deve prejudicar, em especial, a população mais pobre, que costuma entrar mais cedo no mercado de trabalho. Pelas regras atuais, era possível se aposentar por tempo de contribuição.

Reforma trabalhista inviabiliza cumprir as exigências

O novo texto estabelece um tempo mínimo de contribuição de 15 anos, e não mais de 25 anos como na proposta original do governo. O recuo, contudo, não eliminou a maldade do projeto: quem se aposentar com apenas 15 anos de contribuição terá direito a apenas 60% do salário. Para receber 100% do benefício será necessário contribuir por pelo menos 40 anos.

“Isso de conseguir 100% do benefício, esqueça. Porque ninguém vai conseguir contribuir por 40 anos. Os dados mostram que 80% das pessoas não conseguem chegar a 25 anos de contribuição”, ressaltou Fagnani.

Ele destacou ainda que essa é uma realidade que deve se agravar, diante das mudanças na legislação trabalhista. “Os 15 anos de contribuição eram algo razoável fora do contexto da reforma trabalhista. Agora, os trabalhos são todos temporários. Essa então virou uma regra impeditiva”, disse.

De acordo com ele, estudos do Dieese mostram que, em média, um trabalhador só consegue contribuir nove meses a cada 12, em especial por causa da alta rotatividade do mercado de trabalho brasileiro e da informalidade elevada. Com a reforma trabalhista, esse cenário deve se agravar.

“Agora, em 12 meses, o trabalhador vai conseguir contribuir o quê? Seis meses? Então para ele ter 15 anos de contribuição precisaria de trabalho formal durante 30 anos. E isso para ter 60% do benefício”, afirmou.

Isso porque a nova legislação deve ampliar os contratos de trabalho temporário. “Agora tem o trabalho intermitente, por hora, que pode ter remuneração inferior ao salário mínimo. Para ter acesso à Previdência, tem que fazer uma contribuição adicional. A pessoa não vai fazer. Têm os contratos temporários. A pessoa trabalha quatro meses, fica num sei quantos desempregada. O autônomo exclusivo é a mesma coisa”, indicou o economista.

Pensões

Ele citou ainda como ponto negativo da reforma as mudanças nas pensões. Atualmente, uma família pode receber valor equivalente a 100% da média salarial do segurado falecido e é permitido o acúmulo de pensão e aposentadoria.

Com a reforma, fica estabelecida uma cota familiar de 50% da média salarial do segurado falecido, mais 10% de acréscimo por dependente. E só será permitido o acúmulo de pensão e aposentadoria até o limite de dois salários mínimos. Acima disso, o segurado pode optar pelo benefício de maior valor. “Isso vai ser um problema”, avaliou Fagnani.