Entidades pedem a Merkel boicote à soja que desaloja trabalhadores

Alojadas em dois colégios no centro da cidade de Faxinal dos Guedes, no oeste de Santa Catarina, desde o último dia 29, quando foram despejadas com violência de terras da União no mesmo município, as 184 famílias camponesas deverão passar ali os festejos de Natal e Ano Novo. Com a entrada em recesso de órgãos públicos, não há chance de virem a ser transferidas para uma outra área rural antes do próximo dia 2.

Em 29 de novembro, dia do despejo no acampamento Marcelino Chiarello, em SC. Avanço da tropa de choque. Vieram também a cavalaria, o helicóptero e os cães da Polícia Militar - Reprodução

Uma determinação da juíza Heloisa Menegotto Pozenato, da 2ª Vara Federal de Chapeco, para que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) providencie outra área para transferência das famílias, teve prazo expirado na última terça-feira. "Até agora o Incra não se manifestou. O interessante é que outra determinação da mesma juíza, para o despejo, foi cumprida. Ou seja, o cumprimento da ordem depende de quem vai ser beneficiado por ela", conta o agricultor Valderi Ribeiro, uma das lideranças dos camponeses despejados.

A ordem de desocupação, cumprida logo pela manhã do último dia 29, com a presença da tropa de choque, cavalaria, helicóptero e cães da Polícia Militar, atendeu pedido do autor da ação, o empresário João Carlos Prezzotto, que detém o Grupo Prezzotto, com atuação em diversos ramos.

Segundo o camponês, as terras de onde foram expulsos havia sido desapropriada há mais de 30 anos, para fins de reforma agrária. E os títulos de posse, em nome da família Prezzotto, haviam sido canceladas pelo Incra em 2016 – daí a ocupação pelos agricultores vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).

Apesar das lembranças da truculência com que os agentes da polícia invadiram o acampamento e da ação dos tratores, destruindo casas e toda a produção agrícola, difíceis de apagar da memória, e da dificuldade de se adaptar a um local diferente do rural onde sempre viveram e produziram, essas famílias têm o que celebrar neste Natal: a solidariedade.

Além de entidades locais, igrejas, sindicatos, movimentos sociais e o campus Chapecó da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), com quem a cooperativa dos camponeses mantêm parcerias, organizações da Alemanha, De o início do mês, começaram naquele país campanhas em prol das vítimas de retrocessos nos processos de reforma agrária e do avanço do agronegócio.

Na semana passada, a organização Mission Eine Welt, vinculada à Igreja Luterana da Baviera, na Alemanha, lançou uma campanha que pede à chanceler alemã Angela Merkel empenho para impedir a violações de direitos humanos e propor o fim das importações de soja brasileira para a Europa. Na petição, a entidade destaca que a Alemanha é um dos principais países importadores de soja do Brasil. Leia o documento clicando aqui.

"A Europa e o governo alemão têm os instrumentos de pressão, como a aplicação de sanções econômicas ao governo brasileiro, visando o fim dos despejos ilegais de terra que beneficiam latifundiários. A Alemanha e outros países europeus ratificaram o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas", destaca o manifesto.

Entre outras obrigações, os países que assinaram o acordo devem proteger as populações tradicionais, como pequenos agricultores, indígenas, quilombolas, posseiros e sem terras, e suas lavouras tradicionais, do avanço da monocultura baseada em produção transgênica, com agrotóxicos, cuja finalidade não é produzir alimentos.

"Depois que as máquinas destruíram toda a nossa produção, com mais de um milhão de quilos de milho, feijão, hortaliças e diversos outros alimentos, eles já espalharam por lá lavouras de soja", conta Valderi Ribeiro.

Repercussão negativa
Quatro dias após o violento despejo em Faxinal dos Guedes, uma ação semelhante ocorreu com agricultores que ocupavam uma área em Pinhão, no Paraná. Uma intervenção federal autorizada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), atendendo pedido da indústria madeireira Zattar, expulsou dezenas de famílias.

Logo após os moradores serem expulsos de suas casas, tratores da empresa destruíram as residências, algumas delas de alvenaria, além de escola, padaria comunitária e igreja. A Prefeitura de Pinhão auxiliou no trabalho de remoção das famílias para outras localidades e com assessoria jurídica.

"O Incra assumiu o compromisso de agilizar as desapropriações para assentamento, iniciando pelas áreas onde já existe oferta da empresa Zattar. Foram suspensas todas as reintegrações em trâmite, evitando novos despejos. A princípio foram suspensas por, decisão judicial. Mas a principal garantia foi a repercussão negativa do despejo", disse o prefeito Odir Gotardo (PT), que é advogado e acompanhou as famílias.

De acordo com o vice-reitor da UFFS, Antonio Andrioli, que esteve na Alemanha nas últimas semanas, as notícias dos despejos de agricultores no sul do país, além de outras violências no campo, se espalharam pela Europa e sensibilizaram as principais organizações alemãs de solidariedade ao Brasil.

"O contexto de retrocesso na reforma agrária e de desmonte de políticas sociais já vinha preocupando há meses as principais instituições de ajuda ao desenvolvimento brasileiro. A forma violenta, arbitrária e autoritária como ocorreram as desapropriações, entretanto, alertou sobremaneira aqueles que há anos vêm acompanhando os conflitos de terra no Brasil, como a FIAN International, organizações vinculadas às igrejas e ONGs como Aktion Gen–Klage e Zivilcourage", disse Andrioli.

Segundo ele, as campanhas têm sido intensificadas nessa última semana, com adesão de organizações que recentemente ainda tentavam construir alternativas de comércio sustentável de soja entre o Brasil e a Alemanha.

"Trata-se de uma reação de consumidores e agricultores da Europa rejeitando a soja brasileira, cuja expansão expulsa pequenos agricultores, posseiros, indígenas e outras comunidades tradicionais".

Ele diz que pesaram ainda informações sobre a expansão do cultivo de soja sobre áreas de cerrado, dos campos do sul e da Amazônia, atingindo em 2017 o recorde de 113,9 milhões de toneladas em 33,8 milhões de hectares se somam ao contexto de desapropriação de terras de pequenos agricultores em benefício de grandes proprietários e empresas.

Andrioli, que foi convidado pelo ministério da agricultura alemão para palestras durante a Semana Verde, em Berlim, de 18 a 27 de janeiro, aproveitará o encontro com representantes da pasta de mais de 90 países para levar mais informações.

Nesta quarta-feira, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) divulgou nota (clique aqui para ler a íntegra). Em carta, as lideranças eclesiásticas repudiam a ação em Pinhão, conclamam a oração pelas famílias, exigem medidas cabíveis para reverter a decisão que impede estas famílias de permanecerem em seu território e a mobilização das igrejas em solidariedade. "Expressamos nosso apoio e compromisso com as demais comunidades que sofrem a pressão dos grandes grupos agrários para deixarem suas terras."