Escândalos, fisiologismo e perseguições marcaram a política em 2017

Ataques contra direitos trabalhistas, civis e humanos, retrocessos programáticos, fisiologismo. Tudo sob comando do presidente mais impopular da história da república do país, Michel Temer (PMDB).

Jucá, Temer e Renan - Divulgação

Desde as manifestações de junho de 2013, a forma como o brasileiro trata a política mudou. O acirramento dos ânimos após a eleição da Dilma Rousseff (PT) em 2014 e a sucessão de ataques à sua gestão culminaram no seu afastamento, em maio de 2016. No poder, o presidente mais impopular da história do país, Michel Temer (PMDB), prosseguiu, em 2017, a comandar ataques contra direitos e retrocessos programáticos.

Temer acumula números e dados que comprovam com clareza para quem governa. Por exemplo, de acordo com a pesquisa do Barômetro Político Estadão Ipsos, uma das últimas realizadas no ano, a rejeição ao presidente alcançou 97% dos brasileiros. Ao lado de Temer, outros políticos que foram os capitães do impeachment de Dilma têm resultados semelhantes. O ex-presidente da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), possui 95% de desaprovação. Cunha, que teve mandato cassado e está preso, foi o responsável pela condução do processo contra Dilma na Câmara, que deu a largada para o golpe parlamentar.

Ataques abertos contra os trabalhadores pelos agentes do impeachment, como a reforma trabalhista e a da Previdência, foram marcas da gestão Temer em 2017 – que tem sua equipe econômica chefiada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que por sua vez carrega desaprovação de 75% do eleitorado, segundo o Ipsos.

Por força da mobilização popular e com o prestígio cada vez mais abalado por denúncias de corrupção contra si, formuladas pela Procuradoria Geral da República, Temer não conseguiu fazer com que a Reforma da Previdência fosse votada, o que, por enquanto, está previsto para fevereiro de 2018.

Mas, mesmo enfrentando grande resistência dos trabalhadores, que por meio dos movimentos sociais e sindical organizaram atos e manifestações por todo o país – como a greve nacional de 28 de abril –, a "reforma" trabalhista passou no Congresso e vigora desde o início de novembro.

A "reforma" barateou o custo da mão de obra para as empresas, sob alegação de abrir mais ofertas de trabalho. Na prática, porém, as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) passaram a promover um desmonte de direitos dos trabalhadores, alguns deles consolidados há oito décadas, desde Getúlio Vargas.

A falácia pôde ser comprovada logo nas primeiras semanas após a vigência da "reforma": o que está aumentando, na verdade, é a informalidade nas relações de trabalho, com os índices de empregos regulares diminuindo. “As experiências e estudos internacionais mostram que não existe relação entre flexibilização (dos direitos trabalhistas) e criação de postos de trabalho (…) o máximo que pode acontecer é precarizar os empregos existentes”, afirmou o professor de Economia da Unicamp José Dari Krein, ainda em julho.

Com taxa de desemprego acima dos 12% e com o consumo em retração, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) iniciou uma campanha por um Projeto de Lei de Iniciativa Popular (Plip), para revogar os efeitos da "reforma" trabalhista e mudar a realidade imposta por Temer. “Agora as pessoas estão vendo o que está acontecendo. Não é mais 'olha, estou avisando, vai acontecer isso, isso e isso'. Está acontecendo. O desemprego é assustador, a crise de credibilidade do país sem tamanho, a economia está destroçada e sem rumo”, afirmou o presidente da CUT, Vagner Freitas.

“A construção desse projeto de lei revogatório será um importante instrumento, pois levará os sindicatos a uma inserção mais intensa em suas bases, ao contato direto com o trabalhador, para envolvê-lo nesse processo de resistência”,disse Freitas.

Fisiologismo e investidas reacionárias

Para aprovar seus projetos, Temer utilizou, abertamente e sem as devidas críticas por parte da mídia tradicional, de manobras que exploraram o fisiologismo. Foram mais de R$ 20 bilhões em emendas parlamentares liberadas às vésperas das votações sobre o andamento das investigações de denúncias contra o presidente.

Grupos organizados da direita conservadora e reacionária, que representaram a força política que guiou setores da sociedade a se levantar contra os governos Lula e Dilma – e seus programas de inclusão social –, também tiveram protagonismo em 2017. Aliados desde o início a figuras políticas que se desmancharam em escândalos de corrupção, como Eduardo Cunha, esses grupos, como o Movimento Brasil Livre (MBL), viram suas ações políticas se enfraquecerem junto com a queda de seus apoiadores e mudaram seu modo de operar, passando a apostar no ultraconservadorismo cultural e social

Agora, os alvos são artistas, estudiosos e professores. Entre os casos mais emblemáticos, é possível citar a pressão pela censura ao Queermuseu, museu da diversidade, em Porto Alegre, que chegou a levar o curador, Gaudêncio Fidelis, a participar de uma CPI de maus tratos a crianças e adolescentes.

Outro fato que chocou especialmente intelectuais e defensores de direitos humanos, foi a investida contra a filósofa norte-americana Judith Butler, que veio ao Brasil falar sobre os conflitos entre Israel e Palestina. Mas o tema programado para suas palestras pouco importou para os grupos do ódio que promoveram os ataques, que foram inclusive físicos, mas que também tiveram cenas como a queima de uma "bruxa" com o rosto de Judith – ato insano de fanáticos provocado pelo fato de que a filósofa é conhecida também por ser estudiosa das questões de gênero.

O avanço de posturas conservadoras e retrógradas tem reflexos em áreas como a educação. O projeto Escola sem Partido, que pretende banir das salas de aula a discussão de temas como política, diversidade, igualdade e outros, avançou em 2017. Mesmo sendo alvo de duras críticas até da ONU, cidades como Campinas e Jundiaí, no interior de São Paulo, tiveram projetos análogos aprovados em suas câmaras municipais.

"Na prática, o Escola sem Partido quer liquidar os avanços em direitos humanos nos últimos anos. Se um aluno homossexual ou de uma religião não cristã for discriminado por outro que use ideias religiosas para impor seu preconceito, o professor não poderá intervir(…). A escola deve ser um ambiente de prática libertadora, onde todos podem se colocar, se contrapor, a partir da pluralidade de temas. Com respeito a minorias e combate a todo tipo de discriminação seja de etnia, gênero, orientação sexual ou religião”, sintetiza a diretora do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), Rosilene Corrêa.