Eleições perigosas na Itália para março 

No dia 30 de dezembro de 2017, o presidente italiano Sergio Matarella dissolveu o Parlamento, encerrando a 17ª legislatura do país. Após o anúncio, o Conselho dos Ministros marcou a data das eleições italianas para 4 de março de 2018

Silvio Berlusconi - AP / Mauro Scrobogna

A medida foi tomada após Matarella avaliar que seu governo mostrou sinais de desgaste ao não conseguir mobilizar o Senado para votar suas propostas de lei. A última legislatura, empossada em março de 2013, foi marcada por crises, reformas e teve três primeiros ministros: Enrico Letta, Matteo Renzi e Paolo Gentiloni, todos do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda. A legenda conseguiu maioria na Câmara nas eleições de 2013, no entanto, o mesmo resultado não foi alcançado no Senado, o que obrigou o governo a buscar alianças para aprovação de seus projetos, muitas das quais não foram concretizadas.

Há poucos anos, Berlusconi ainda seria motivo de receio para a esquerda italiana. Hoje, após a criação do Movimento 5 Estrelas (M5S), de Beppe Grillo, que prefere se dizer “antipartidarista” e não se define nem de esquerda nem de direita, o antiberlusconismo deu lugar a outros receios. O seu partido de centro-direita, o conservador Força Itália (FI), não tem marcas altas nas sondagens, mas tem aliados suficientes para superar tanto o Partido Democrático (PD), de Matteo Renzi, como o M5S nas eleições de 4 de Março. O PD tem mais votos, mas não tem aliados, só tem adversários. O “Cavaliere” (“Cavalheiro”, como é chamado Berlusconi), de 81 anos, tornou-se o “árbitro das coligações”: ninguém poderá governar sem ele.

Depois de ter vencido quase tudo, Renzi, por sua vez, foi derrotado no referendo constitucional de dezembro de 2016. O anti-renzismo é sobretudo a percepção de um líder fraco, e com muito menos popularidade do que Paolo Gentiloni, o primeiro-ministro do PD.

As eleições seriam tranquilas se fossem disputadas entre os dois “inimigos históricos”: Renzi e Berlusconi. Mas há vários intrusos. O M5S, apontado por algumas pesquisas como um possível favorito, concorre sem aliados e quer ser o mais votado para exigir a presidência do governo. Os “cinco estrelas” mudaram o estatuto, tornaram-se um “quase-partido” com uma novidade de peso: agora admitem fazer alianças.

O M5S sempre se vangloriou pelo seu caráter “antipolítico” e pela recusa de alianças com as “forças do sistema”. Diante do risco de seus eleitores sentirem o seu voto como inútil, admitiu fazer acordos para um possível governo.

Paira uma outra ameaça: uma frente populista que poderá juntar o M5S e a direita xenófoba da Liga, de Matteo Salvini. Ambos têm muitos pontos em comum, da imigração ao euroceticismo (anti-europa). Não é um cenário claro, por falta de números e porque Berlusconi poderia impedir essa coligação, aliando-se ao PD, de centro-esquerda.

Se houver um parlamento fragmentado, a “verdadeira eleição” começará na noite de 4 de março, com a negociação das alianças. Depois que saírem os números, todos os cenários estarão em cima da mesa — inclusive uma “grande coligação” entre o PD e a Força Itália, de Berlusconi, apesar das diferenças.

Temores europeus

É indispensável uma breve referência ao contexto europeu. Os dois maiores países do euro resolveram em 2017 os seus dramas eleitorais. A França tem um presidente neoliberal e “europeu”. Marine le Pen ficou em crise, desprovida de estratégia. A Alemanha de Merkel, ainda à procura do novo governo, vem resistindo, como pode, a ofensiva da extrema-direita.

Qual é o problema da Itália? O terceiro país do euro, com um crescimento econômico muito baixo, uma crônica falta de competitividade, uma dívida gigantesca, um sistema bancário frágil, inserida na grave crise de imigração (a Itália é, na maioria dos casos, a principal entrada de refugiados) e um alto desemprego juvenil, exigiria um governo estável e enérgico. O Financial Times resume a inquietação dos meios políticos e financeiros: “os cenários prováveis depois do voto são um parlamento sem maioria para governar, uma grande coligação ou um governo populista com uma atitude muito mais hostil a Bruxelas”. O receio em relação à perda de direitos dos refugiados, no último cenário, é alarmante. A Itália é o elo fraco do euro. Serão eleitos 650 deputados e 350 senadores. Segundo a nova lei eleitoral, a maioria (60%), será eleita pelo método proporcional. Há uma dose de maioritário: 37% dos deputados e senadores serão eleitos em colégios uninominais por método maioritário (é eleito o mais votado).

Em um contexto em que dois populismos surgem como ameaça, o do M5S e o da Liga, o “pós-populista” Berlusconi pode encontrar uma nova vocação, escreve o especialista Angelo Panebianco. “O sistema político italiano é uma máquina destinada à produção contínua de partidos anti-sistema e anti-política. O que torna necessária a construção de impedimentos, de obstáculos fortes”.

O primeiro cenário seria um governo que incluiria o PD e a Força Itália, com alguns aliados menores. As eleições de 2013 acabaram assim: Berlusconi no Governo e o M5S e a Liga na oposição. Resta saber se um PD enfraquecido poderá fazer oposição. Não há nenhuma aliança estável em perspectiva.

A dois meses das eleições, as sondagens são catastróficas para o PD. Oscila entre 25 e 26% a nível nacional. Pela esquerda sofre a concorrência da lista Livres e Iguais (LeU), que trata de supostamente unir a esquerda italiana, do presidente do Senado, Pietro Grasso, que visa reunir todos os dissidentes do PD. Com 6 a 8% dos votos, tem como objetivo precipitar a derrota do PD de Renzi.

O ministro da Economia da Itália, Pier Carlo Padoan, anunciou na segunda-feira (8) que aceitou um convite para concorrer ao Parlamento pelo Partido Democrático (PD), de centro-esquerda. Padoan é um ex-economista da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que não estava alinhado a qualquer partido quando se juntou ao governo em 2014. Autoridades do PD veem sua abordagem calma e calculada como um possível trunfo político na luta para reverter os números em declínio nas pesquisas de intenção de voto. “Eu espero que ele continue a ajudar seu país. Sua ajuda para nós tem sido preciosa”, disse Renzi em entrevista.

Berlusconi aliou-se à Liga, de Matteo Salvini, e aos Irmãos de Itália, de Georgia Meloni, ambos da extrema-direita. Soube focar as atenções não nos 16% da FI, mas nos 36- 38% da coligação da direita. O “Cavaliere” é inelegível por ter sido condenado, mas não é isso que o aflige: será o patrão da coligação.

As notícias são más para o PD, que se arriscaria a uma clara derrota no Norte e seria esmagado no Sul. Em uma projeção de Roberto Weber, do instituto Ixé, o Norte está nas mãos da direita e o PD poderá ficar com zero na Lombardia, no Piemonte, no Veneto, na Campânia, na Apúlia e na Sicília. “Culpa do tripolarismo mas também de um PD que, a nível nacional, oscila entre 25 e 26% das intenções de voto”. No centro e nos “vermelhos”, o PD tem pouca segurança.

No Norte, o M5S, na casa dos 27%, sofreria o mesmo efeito corrosivo da tripolarização (predomínio de três partidos no cenário político). Mas está crescendo no Sul, onde disputa a vitória com a direita.