O tour de Tillerson e o vira-latismo latino-americano

Poucos episódios refletem tão bem o atual contexto das relações entre os Estados Unidos e a América Latina quanto o tour que Rex Tillerson, atual chanceler estadunidense, acaba de fazer pela região.

Por Aline Piva

Juan Manuel Santos e Rex Tillerson - Reuters

Antes mesmo de chegar ao México, seu primeiro destino, Tillerson já deu o tom da agenda, não só apontando para um ressurgimento da Doutrina Monroe, pilar do intervencionismo estadunidense na região, mas também sugerindo um golpe militar na Venezuela. É no mínimo curioso a retomada do discurso de intervencionismo militar justamente quando Washington eleva o tom das críticas à presença de Rússia e China na região. Como em política nada se inventa, tudo se recria, é sempre bom lembrar que o ciclo das ditaduras militares na América Latina foi parte da estratégia dos Estados Unidos para frear o avanço da influência da então União Soviética na região.

A viagem de Tillerson foi marcada por momentos, digamos, patéticos. Um deles, foi o chororô de Temer pelo Brasil ter sido excluído do roteiro de Tillerson, em mais uma amostra do anão diplomático que o nosso país voltou a ser. Mas ainda mais patético foi ouvir Juan Manuel Santos afirmar que a Colômbia estaria pronta para prestar “ajuda humanitária” à Venezuela ao mesmo tempo em que celebra a renovação da extensão do Plano Colômbia com os Estados Unidos, justamente em um momento de recrudescimento dos assassinatos de líderes sociais na Colômbia.

Desde o ponto geopolítico, a visita de Tillerson foi, por um lado, uma resposta à cúpula China-Celac, e, por outro, o reconhecimento do Grupo de Lima como a linha de frente para levar a cabo uma agenda coordenada de ataques contra a Venezuela, frente à impossibilidade de fazê-lo no âmbito da OEA, paralisada devido à falta de consenso dos países caribenhos. Não é por coincidência que a Jamaica, o único país do Caricom a apoiar a agenda ingerencista da OEA, é também o único país Caribenho a ser visitado por Tillerson. No longo prazo, esse fortalecimento do Grupo de Lima pode ser usado para retomar os ataques à Venezuela no âmbito da OEA, onde os Estados Unidos exercem forte influência.

O tour de Tillerson já surte efeitos: Santos se pronunciou afirmando que o Grupo de Lima não reconhecerá o resultado das eleições presidenciais na Venezuela, e a oposição venezuelana desistiu de assinar um acordo com o governo depois de receber uma ligação de Bogotá, o que seguramente agravará ainda mais as tensões políticas no país. O presidente peruano, por sua vez, afirmou que o grupo emitirá um comunicado legitimando as sanções contra a Venezuela, e Maurício Macri colocou na mesa, assim como Tillerson, a possibilidade de um embargo ao petróleo venezuelano, com possíveis consequências devastadoras para a economia do país.

Não é curioso notar como a tal “crise” na Venezuela se converteu em um instrumento fundamental para o avanço e consolidação da presença dos Estados Unidos na região? E o que é ainda pior: nesse processo, os governos latino americanos jogam por terra anos de construção e consolidação de foros independentes de concertação regional. Tudo em nome de uma cruzada anacrônica ensejada pelos Estados Unidos.

Assista ao vídeo com a análise: