Embrapa submete pesquisadores a assédio moral e demite sindicalista

Ao mesmo tempo em que avançam no país medidas para afrouxar as regras para registro e ampliação da venda de agrotóxicos e para facilitar ainda mais a aprovação de transgênicos e de outras biotecnologias pouco estudadas, aumentam a censura e a perseguição a pesquisadores que se dedicam justamente à pesquisa dos seus impactos à saúde e à natureza.

Embrapa - Divulgação

No último dia 28, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), demitiu "por justa causa" o engenheiro agrônomo Vicente Almeida, que ingressou na empresa em 2005, por meio de concurso público, e era pesquisador vinculado à Unidade Hortaliças, em Brasília. Vicente presidiu o Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf/CUT) de 2010 a 2013.

Subordinada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, comandado pelo ruralista Blairo Maggi (PP-MT), a Embrapa não quis falar à reportagem sobre o caso. Por meio de sua assessoria de imprensa, a presidência da empresa limitou-se a informar que a demissão ocorreu após um processo administrativo que durou cerca de um ano, em que houve sindicância e o ex-funcionário exerceu seu direito de defesa.

Violação

Em entrevista, Vicente Almeida contou que a Embrapa elenca uma série de ocorrências e o acusa de “descumprimento de dispositivos do Código de Conduta e Código de Ética". E que tal violação estaria impondo desgaste à imagem da empresa. No entanto, tais ocorrências e violações que custaram seu emprego se confundem com o exercício de suas prerrogativas de dirigente sindical, trabalhador e até de cidadão.

É o caso de solicitação, via lei da transparência, de documentos negados pela direção da empresa, como um relatório de auditoria interna, para apurar irregularidades, defender apuração de desmandos, e de ter denunciado no Brasil e na Organização Internacional do Trabalho (OIT) práticas de trabalho degradante e análogo à escravidão – o que causou constrangimentos à empresa no país e no exterior.

Em agosto de 2012, o Sinpaf lançou o documentário A Vida Não é Experimento (assista ao vídeo no final da reportagem), com depoimentos de trabalhadores da Embrapa e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), vítimas de acidentes de trabalho, de violações de direitos trabalhistas e de assédio moral.

Outras colaborações de Vicente ao desgaste da imagem da empresa seriam a denúncia de dirigentes da Embrapa na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que levou à realização de audiência pública sobre assédio moral em uma empresa que, segundo ele, tornou-se ainda mais autoritária após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Pesa ainda contra ele a colaboração em processos judiciais. No começo de fevereiro, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmou a condenação da Embrapa em R$ 100 mil por permitir a prática de assédio moral em seu meio ambiente de trabalho.

O Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF), que apresentou provas da prática cometida pela supervisora de setor de patrimônio e material da Embrapa Hortaliças, foi acionado por denúncia anônima reforçada pelo Sinpaf. O sindicato reiterou a prática frequente de assédio moral pela supervisora, confirmada também por nove trabalhadores, diretamente vinculados à supervisora. Em sua defesa, segundo o TST, a Embrapa alegou que as práticas denunciadas, como chamar subalternos de “burro” e “lerdo”, não eram intencionais.

Impactos ambientais

Com mestrado em impactos ambientais, Vicente estuda as influências dos estudos científicos e o posicionamento de pesquisadores de instituições públicas frente aos problemas à saúde e aos ecossistemas causados pelo modelo produtivo hegemônico, que têm sido motivo de controvérsia e debates. Uma linha de pesquisa minoritária, com diminuto apoio financeiro, quando comparado com a linha hegemônica de pesquisa nos laboratórios da empresa cada vez mais voltada à produção de conhecimento para agropecuária praticada pelas grandes empresas e latifundiários.

De acordo com o pesquisador, a empresa chegou a questionar sua produtividade científica, quando fica claro se tratar da sua produção de conhecimento voltado à transição agroecológica, saúde ambiental no campo e impacto socioambiental dos agrotóxicos na agricultura. Convidado a compor grupos de pesquisas de outras instituições de igual destaque, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde, Vicente afirma ter sido proibido de participar pela Embrapa.

"Trata-se de um esquartejamento moral. Um processo com falhas, que ficou parado durante muito tempo para depois avançar rapidamente, sem que eu tivesse tempo hábil para me defender. Nem sequer tive direito a audiência com advogados. Tive minha casa rondada por carros da Embrapa, em um claro sinal de intimidação. Um pesadelo, que tem me levado a procurar ajuda psicológica e até psiquiátrica", contou Vicente.

Vicente liderou uma pesquisa sobre os impactos do uso de sementes transgênicas e agrotóxicos no Brasil. Publicado em outubro passado na Revista Ciência e Saúde Coletiva, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o estudo correlaciona a redução na produtividade das lavouras de soja transgênica com o aumento do uso de agrotóxicos e de doenças. Clique aqui para acessar a íntegra.

Caça às bruxas

Outro autor da pesquisa, o epidemiologista Fernando Ferreira Carneiro, da Fiocruz Ceará, também tem sido vítima de perseguição. Em dezembro, a Abrasco divulgou nota em apoio ao cientista, alvo de críticas, constrangimentos e intimidação.

Em novembro, Carneiro foi notificado por meio de interpelação judicial movida pela Federação da Agricultura do Estado do Ceará (FAEC), questionando e solicitando esclarecimentos sobre os dados que apresentou em setembro de 2015, em audiência pública para debater os agrotóxicos e seus efeitos sobre a saúde e o ambiente. Os dados apresentados são do SUS e da Fiocruz do Ceará. A interpelação cita parte da entrevista concedida pelo especialista ao jornal O Povo, em que o pesquisador menciona a palavra “veneno”. Para ler a reportagem, clique aqui.

Pelo jeito, na atual conjuntura, as relações do mercado com as instituições públicas de pesquisa e os conflitos de interesses vão trazer ainda muitas pressões, tentativas de censura e intimidações àqueles que fazem a ciência em defesa da vida.

Assista ao documentário: