Final única da Libertadores: tempos coloniais no futebol

A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) anunciou que a partir de 2019 a final da Libertadores será disputada em partida única, em país neutro em relação os postulantes ao título.

Por Ricardo Flaitt

América Latina

 Nem nos tempos coloniais fomos tão colônia como nos dias atuais. Se antes outros povos chegavam às nossas terras e extraíam ouro, pedras preciosas e madeiras, agora a mercantilização extrema, que chegou ao futebol, a extração agora é feita por pequenos grupos do próprio povo explorado.

A decisão excluirá os torcedores, aqueles que sustentam com paixão e dinheiro o espetáculo futebol, arrancando-lhes o único direito que lhes cabe, que é o de estar próximo de seu clube de coração em um momento mágico da conquista de um título continental. A exclusão será de forma velada: geográfica, logística, econômica, como já acontece nas novas e custosas arenas de futebol.

A final única da Libertadores é mais uma tentativa bufa de imitar os padrões europeus, como se buscando um verniz de civilidade à nossa realidade subdesenvolvida, em que os povos carecem de serviços decentes e humanos nas áreas educação, moradia, trabalho, segurança, saneamento básico, transporte e, dentre tantos elementos que constituem o cidadão, e que também inclui o direito ao lazer por meio do futebol.

Já não bastasse os jesuítas catequizarem nossos índios, roubando-lhe as almas com uma verdade divina, roubar-lhes a vida com a infecção de doenças, os colonizadores saquearem nossas riquezas naturais, agora, passados 500 anos de subjugo, temos de assistir a nossa própria gente vender o nosso futebol, criando uma embalagem tipo-exportação para mercantilizar o direito ao delírio futebolístico.

Não se trata de uma questão panfletária de repelir outros padrões, que muito bem funcionam em outras terras, mas da preservação mínima da cultura dos povos latino-americanos, já tão aculturados desde o século XV.

No Futebol, assim como a língua, literatura, a música, o cinema, o teatro, constitui parte da cultura de um povo.

Submeter o modo latino-americano de compreender e vivenciar o futebol aos padrões europeus é o mesmo que pegar os originais de escritores como Gabriel García Marquez, Machado de Assis, Juan Rulfo, Júlio Cortázar, Jorge Luis Borges, Graciliano Ramos, Mario Vargas Llosa, Pablo Neruda, dentre tantos outros, e pedir para que um europeu reescrevesse seus textos de modo a ficar mais vendável em outros mercados, mesmo que para isso seja necessário afastar suas obras da realidade dos seus povos.

A tentativa de nos banhar num verniz de civilidade já produziu aberrações como os latinos vestirem ternos sob o calor infernal dos trópicos. Não cometamos o mesmo erro, tentando ser o que não somos, cegando-nos para o nosso contexto social e econômico.

Que se melhore a estrutura dos clubes, para que surjam novos craques, para que o público tenha segurança e conforto nos estádios, que se modernize a estrutura existente, preservando nossas idiossincrasias.

Ainda extraem-se nossas riquezas naturais, mas não arranquem do povo o direito imaterial, o sentimento do torcedor em acompanhar de perto o seu time de futebol.