A rotina de violência policial em Acari, denunciada por Marielle
“Só vamos embora quando tiver dois ou três corpos no chão!”. “Viemos tocar o terror”, gritavam os policiais do 41° Batalhão da Polícia Militar (BPM) na manhã do dia 10 em uma incursão à comunidade de Acari, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A favela foi cercada por três caveirões. Em meio tiros para o alto, na direção das pessoas, os policiais invadiram casas, quebraram portões e fotografaram a identidades de moradores apavorados.
Publicado 17/03/2018 12:56
“Foi desesperador e durou o dia inteiro. Ninguém conseguia sair de casa. Eram muitos homens, muita violência”, relata uma integrante do Coletivo Fala Akari, que conversou com a CartaCapital sob condição de anonimato. “Eles não queriam saber se a pessoa era bandido ou trabalhador, falavam que iam matar quem aparecesse. E também disseram que de noite não ia ter baile”.
Dias antes, na segunda-feira, 5, dois jovens foram assassinados, denunciam os moradores. Os corpos só foram retirados um dia depois, pelos próprios habitantes quando então puderam ser velados.
As operações em Acari foram denunciadas em pela vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada a tiros na quarta-feira (14), junto com seu motorista, Anderson Gomes, na região central do Rio de Janeiro. Ela escreveu em sua página do Facebook: “Precisamos gritar para que todos saibam o que está acontecendo em Acari neste momento.
O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores do Acari. Nessa semana, dois jovens foram mortos e colocados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou pior. Compartilhem essa imagem nas suas linhas do tempo e na capa do perfil”.
A integrante do Coletivo Fala Akari relatou que a operação do dia 10 foi uma das muitas incursões que o Batalhão vem fazendo na comunidade. “Elas acontecem a qualquer hora”. Nas madrugadas, acorda-se ao som de tiros, e às vezes nem há tempo de moradores soltarem fogos, forma de comunicação utilizada para informar que a PM está na comunidade.
As invasões de domicílio também ocorrem com frequência, feitas por meio de mandados de apreensão e busca coletivos. A integrante do coletivo é uma das pessoas que teve sua casa invadida. Certo dia, uma vizinha lhe telefonou contando que havia policiais em sua casa. Quando retornou, os policiais não estavam mais lá, mas suas coisas estavam reviradas e quebradas. “Eles queriam um documento do coletivo”, conta a militante.
Ela revela que os integrantes do grupo, que denuncia violações de direitos humanos na comunidade, já sofreram ameaças via mensagens em redes sociais e até sequestros relâmpagos. “Querem nos calar, querem fechar nossa página”.
A jovem afirma que o Batalhão tem “histórico de violência”, mas que após a intervenção militar, as violações se tornaram mais intensas. “Sabemos que não vamos conseguir tirar o batalhão daqui, mas queremos ao menos uma ‘redução de danos’, que as incursões não sejam feitas nos horários que crianças estão saindo de casa, que não cheguem atirando, nem nas madrugadas”, afirma. Segundo ela, os coletivos do Acari vão dar continuidade ao trabalho de defesa dos direitos humanos de Marielle Franco.
De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), nos últimos cinco anos, 430 pessoas foram mortas em ações desse batalhão, o maior número de mortes por intervenção policial no Rio de Janeiro.
Procurada pela Carta Capital, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro disse, em nota:
"Na segunda-feira (05/03), o 41º BPM (Irajá) realizou operação em Acari, quando foram recebidos a tiros, na localidade conhecida como “Fim do Mundo”. Na ação houve apreensão de um rádio transmissor, sete carregadores de pistola, 280 pinos de drogas e munições. Não houve registros de mortos e/ou feridos. A ocorrência foi encaminhada à 39ª DP. Na mesma data, o batalhão foi acionado pelo Hospital de Acari, dando conta que uma pessoa ferida deu entrada na unidade hospitalar, mas não resistiu aos ferimentos. Também na segunda-feira (05/03), o 41° BPM foi chamado para uma ocorrência de encontro de cadáver, na rua Padre Lima, onde o fato foi constatado e a perícia da Delegacia de Homicídios da Capital foi acionada.
Vale ressaltar que o comando do batalhão abriu um Inquérito Policial Militar para apurar as circunstâncias dos fatos. Com relação às denuncias, o comando do batalhão informa que todas que chegam àquela unidade são investigadas e informa ainda que as mesmas poderão ainda ser enviadas ou comunicadas à Corregedoria Interna da Corporação pelos canais: WhatsApp através do número (21) 97598-4593, por telefone pelo número (21) 2725-9098 ou ainda pelo e-mail [email protected]"