"Água é direito e não mercadoria", diz coordenador do Fama

Coordenador do Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama) e dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Gilberto Cervinski, afirma que a transformação da água em uma mercadoria internacional vem se concretizando a partir das privatizações e da organização de acordo com a lógica do sistema financeiro internacional. Ele também criticou Fórum Mundial da Água (FMA) e foi incisivo ao falar que o problema não é a seca, mas a cerca que as grandes empresas e corporações fazem à água.

A barragem Sete Quedas faz parte do Sistema Guarapiranga que atualmente está com índice de armazenamento em 75,3% - Rovena Rosa/Agência Brasil

Em oposição ao Fórum Mundial da Água (FMA), que tem viés mercadológico por reunir representantes de governos e empresas em prol da privatização da água, acontece até esta quinta-feira (22) o Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama) que se opõe ao tratamento da água como mercadoria.

Nesta mesma data, dia 22, comemora-se o Dia Internacional da Água. Para Gilberto Cervinski, coordenador do Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama), o FMA é um instrumento dos organismos internacionais, principalmente do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) que é dominado pelas transnacionais, pelo capital financeiro internacional e apoiado por governos privatistas.

“O objetivo deles já está definido desde 1992, com a Declaração de Dublin sobre Água e Desenvolvimento Sustentável, que é de privatizar a água, transformá-la numa mercadoria para gerar lucro e especulação financeira com tarifas elevadas. Evidentemente, eles não revelam isso de forma clara. Usam um viés ambientalista e de escassez, tentando contabilizar o problema da água como se fosse culpa do povo e da natureza. É uma estratégia para manipular a opinião pública”, disse Gilberto Cervinski em entrevista à DW.

Já o Fama defende o princípio de que a água não pode ser fonte de lucro e que ela deve ser fornecida pelo custo real de produção, ou seja, a água é direito e não mercadoria.

“Hoje há empresas estatais que dão aparência de que o estado controla a água, como a Sabesp, que é 50% privatizada, com ações na bolsa de Nova York e que dá prioridade aos acionistas e investidores. Defendemos empresas 100% públicas e com controle social, aí não haveria corrupção. Muitas estatais também têm essa lógica, repassando o lucro ao governo para pagamento da dívida pública, e assim o dinheiro também cai no sistema financeiro. É preciso reinvestir em infraestrutura, em reservatórios, na qualidade da água, caso contrário o que se vê é sucateamento e grande perda de água. Na nossa avaliação, a tarifa seria muito mais barata se não tivesse todo esse esquema. É preciso criar empresas públicas livres”, falou Gilberto.

O coordenador apontou também que no Brasil há legislações que caminham para as privatizações em forma de concessão desde a Política Nacional de Recursos Hídricos criada em 1997 por Fernando Henrique Cardoso, que diz que a água tem valor econômico, seguindo a lógica de transformar a água em mercadoria.

“Já em 2017, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em conjunto com organizações brasileiras, como a Agência Nacional das Águas (ANA), publicou um documento com título Cobranças pelo uso de recursos hídricos no Brasil. Esse documento segue várias lógicas, uma delas é a privatização de todas empresas de saneamento – hoje mais de 90% são estaduais ou estatais – e isso principalmente em regiões mais lucrativas, as que têm mais prejuízo querem deixar para o Estado. O segundo viés é a entrega dos aquíferos com as outorgas, e a terceira estratégia é a privatização dos rios. Isso tudo está em disputa neste momento no Brasil”, explicou à DW.

Questionado sobre as mudanças climáticas e como essas mudanças influenciam as crises hídricas, Gilberto Cervinski afirmou que o problema não é a seca, é a cerca.

“No Fórum Mundial da Água eles falam em compartilhar a água, mas estão proibindo a água. A crise que chamam de hídrica tem relação com a escassez de água, mas ela tem vários vieses. Quem são os maiores desmatadores no mundo? Não é o povo, são as grandes empresas e o agronegócio, as grandes corporações”.

Como exemplo Gilberto citou o caso de Correntina, na Bahia, em que os rios secaram devido à irrigação e também outros casos de desmatamento e de envenenamento e que causam problemas ambientais, como a redução da absorção e armazenamento de água.

Além do exemplo da Samarco, responsável pela barragem de Fundão que se rompeu, causando o maior desastre ambiental do Brasil em Mariana (MG). Os donos são empresa que são justamente a Vale e a BHP Billiton, gigantes da mineração.

“Exatamente as corporações e grandes banqueiros internacionais que querem privatizar a água são causadores do problema ambiental e da escassez”, finalizou.