Grandes bancos ainda ameaçam a economia, adverte dirigente do FED

Ganhos recordes, alta das ações na Bolsa e regulação fraca aumentam o risco de nova crise, alerta o presidente do FED em Minneapolis.

A situação é inimaginável no Brasil, onde não se tem notícia de crítica pública feita por diretor do Banco Central a um banco privado: um dirigente do Federal Reserve, o BC dos Estados Unidos, fez acusações duras aos grandes bancos e advertiu que eles ainda são uma ameaça para a economia.

A íntegra das críticas pode ser lida na própria página do Federal Reserve Bank of Minneapolis na internet, onde um dos destaques é o artigo do seu presidente, Neel Kashkari, publicado no Washington Post na quinta-feira 8 e intitulado “Os grandes bancos ainda ameaçam a economia”.

Dez anos após a crise financeira e a Grande Recessão, diz Kashkari, “agora está claro que os resgates de 2008 funcionaram muito bem – para Wall Street. O índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, está muito acima de sua alta pré-recessão. Os ganhos dos bancos e os preços das ações atingem novos recordes. A crise financeira é agora apenas uma lembrança tênue. Em retrospecto, não foi tão ruim assim, foi?”, ironiza o presidente.

O Federal Reserve Bank de Minneapolis, relata Kashkari, passou os últimos dois anos analisando quanto de risco os grandes bancos ainda representam para a economia dos EUA e o que é possível fazer sobre isso. A conclusão dos técnicos da instituição é que os maiores bancos ainda são “grandes demais para quebrar” e, se ocorresse outra crise, os contribuintes voltariam a ficar “pendurados” em consequência do resgate dessas instituições com dinheiro público.

A maneira mais eficiente de proteger os contribuintes seria forçar os maiores bancos, aqueles com ativos superiores a 250 bilhões de dólares, a dobrarem seus atuais níveis de capital, recomenda o presidente do FED de Minneapolis.

O alerta é ainda mais importante porque apesar de Wall Street ter se recuperado completamente, o restante da economia está longe disso. A Grande Recessão, analisa Kashkari, retirou milhões de trabalhadores da força de trabalho, alguns dos quais ainda não retornaram.

Embora a taxa de desemprego tenha caído de um pico de 10% durante a recessão para 4,1% em janeiro passado, essa estatística ignora as pessoas que desistiram de procurar emprego. Uma medida diferente, que leve em conta esse aspecto, sugere que mais de um milhão de americanos ainda estão à margem.

Administrador do programa governamental de assistência financeira aos bancos (Troubled Assets Relief Program, no original) para os presidentes George W. Bush e Barack Obama, Kashkari defende os resgates realizados a partir de 2008 por terem evitado que a Grande Recessão “saísse de controle e se tornasse outra Grande Depressão, o que teria custado o emprego e a poupança de mais milhões de americanos”. É claro, prossegue, que um efeito colateral involuntário dos resgates foi o curto-circuito dos mecanismos do próprio mercado para regular o risco excessivo.

O curto-circuito, a julgar por esta descrição do presidente do FED de Minneapolis, é daqueles capazes de, além de queimar a instalação elétrica, torrar o prédio inteiro: “O mercado livre deve fornecer múltiplas camadas de governança para forçar as empresas a aprender com os erros anteriores. Acionistas individuais e seus representantes nos conselhos de administração devem ser a primeira linha de defesa. Seu trabalho é responsabilizar a administração. Uma segunda linha de defesa devem ser os investidores institucionais, tais como empresas de gestão de ativos e fundos de pensão".

O dirigente do FED emenda: "Essas instituições rotineiramente usam sua influência no mercado para impulsionar a mudança nas corporações exigindo, por exemplo, mais diversidade e independência dos diretores. Eles deveriam estar agindo de forma decisiva para garantir que a excessiva tomada de riscos que levou à Grande Recessão não se repita. Mas eles não estão fazendo isso porque todos foram socorridos, gerentes, acionistas, conselhos de administração, gestores de ativos e de fundos de pensão. Dez anos depois, eles estão obtendo lucros recordes e preços de ações cada vez mais elevados. Que crise financeira é esta?”

Os economistas chamam esse problema de “risco moral”: se as pessoas e instituições sabem que vão ser resgatadas, não há incentivo para evitar os mesmos erros. Eles podem continuar jogando, sabendo que os contribuintes irão resgatá-los.

É por isso que os resgates devem ser seguidos por regulamentações severas para evitar o tipo de excesso de risco que levou à crise, defende Kashkari. O Congresso aprovou a Lei de Reforma e Proteção ao Consumidor Dodd-Frank em 2010 para fortalecer o sistema financeiro e, embora a medida tenha produzido algum resultado positivo, foi insuficiente.

A explicação do governo é que a recuperação era muito frágil na época e não comportava uma medida mais dura capaz de proteger os contribuintes contra resgates futuros de dinheiro público para socorrer os bancos. Além disso a Dodd-Frank sobrecarregou muitos bancos comunitários, com ativos de até 1 bilhão de dólares, que não oferecem risco sistêmico, com regulamentações desnecessárias.

“Isso realmente deu aos grandes bancos uma vantagem competitiva ainda maior”, dispara o dirigente do FED, que considera pouco provável uma ação eficaz do Congresso para resolver o problema.