Para jurista, acusação da PGR é "desejo de criminalizar a política"

Seguindo o roteiro que a Lava Jato de Curitiba adotou desde o início das investigações, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, escolheu à véspera de um ato cuja atenção seria voltada à defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, para oferecer denúncia contra o ex-presidente.

Por Dayane Santos

Afrânio Jardim - Reprodução

Nesta segunda-feira (30), véspera deste 1º de Maio, que terá ato unificado de sete centrais sindicais e várias mobilizações pela liberdade de Lula e contra a Reforma Trabalhista, o Ministério Público Federal utilizou da estratégia midiática para apresentar denúncia contra Lula,a senadora Gleisi Hoffmann, os ex-ministros Antônio Palocci e Paulo Bernardo, e o empresário Marcelo Odebrecht.

A denúncia da PGR acusa Lula de corrupção passiva com base na delação de executivos da Odebrecht que dizem ter passado R$ 40 milhões ao PT, supostamente em troca de "decisões políticas" que teriam favorecido a empreiteira. A denúncia contra Lula é com base na tese de que as decisões tiveram o "aval presidencial" para a operação e, por isso, ele foi parte integral da "organização criminosa" que atuou entre 2002 e 2016, ou seja, enquanto ele governou.

Para o PT, o MPF "atua de maneira irresponsável, formalizando denúncias sem provas a partir de delações negociadas com criminosos em troca de benefícios penais e financeiros".

"O Ministério Público tenta criminalizar ações de governo, citando fatos sem o menor relacionamento, de forma a atingir o PT e seus dirigentes", diz o partido, em nota.

De acordo com a legenda, "além de falsas, as acusações são incongruentes, pois tentam ligar decisões de 2010 a uma campanha eleitoral da senadora Gleisi Hofmann em 2014".

"A denúncia irresponsável da PGR vem no momento em que o ex-presidente Lula, mesmo preso ilegalmente, lidera todas as pesquisas para ser eleito o próximo presidente pela vontade do povo brasileiro".

Fazendo uma análise preliminar da acusação apresentada pelo MPF, o jurista e professor de Direito Processual Penal da UERJ Afranio Silva Jardim, afirma que "mais uma vez se deseja criminalizar a política".

O jurista aponta a fragilidade da tese da Procuradoria Geral da República que, segundo ele, não consegue sequer apontar a prova de que o ex-presidente Lula tenha recebido para si qualquer valor econômico, condição para enquadrar o crime de corrupção passiva a qual ele é acusado.

"A própria denúncia – petição inicial da ação penal – imputa ao ex-presidente que ele teria aceitado receber expressiva soma de dinheiro da empresa Odebrecht para o Partido dos Trabalhadores e não para ele", enfatiza o jurista, destacando que pela lógica, "a conduta imputada ao ex-presidente precisa ser descrita na denúncia, conforme exige o artigo 41 do Código de Processo Penal, estabelecendo dia, local, forma ou modo, etc.

"Além do mais, precisa estar lastrada em prova colhida na fase investigatória", frisou.

De acordo com o professor, a alegada tese de acusação de que o governo Lula iria facilitar o financiamento para a República de Angola pagar obra a ser realizada pela citada empreiteira, tudo via BNDES, também é recheada de fragilidade.

"Como se vê, independentemente de uma futura análise técnica da denúncia, ainda não divulgada, constata-se que o ex-presidente não teve o seu patrimônio acrescido com qualquer "propina", sendo um caso mais próximo do chamado "Caixa 2" para o Partido dos Trabalhadores, da competência da Justiça Eleitoral, como tantos outros que o STJ. tem para ela encaminhado (casos envolvendo os ex-governadores de São Paulo e Santa Catarina)", salientou.

Em entrevista à Carta Maior, o também jurista Fábio Konder Comparato sintetizou o motivo para tamanha contradição jurídica que elasticidade na interpretação da norma de acordo com os interesses e de quem é o réu.

Segundo ele, desde o império, o Brasil passou a ser regido por duas constituições numa tradição nociva que produz um estranho efeito de “arranjo democrático”:

“Nunca fomos uma autêntica democracia, no sentido original da palavra na língua de Homero, porque entre nós o poder supremo, ou seja, a soberania jamais pertenceu ao povo (demos)”, diz o jurista.

De acordo com o jurista ao longo da história, a elite usou a própria “constituição oficial” para assegurar sua dominação, um jogo complexo de manipulações retóricas. “Até mesmo durante os regimes autoritários ou ditatoriais, fizemos questão de promulgar uma Constituição. Assim foi em 10 de novembro de 1937 para justificar a instituição do Estado Novo getulista, e em 24 de janeiro de 1967 em pleno regime militar” diz o magistrado.

“A Constituição atual seguiu o paradigma da de 1946, com aperfeiçoamentos em matéria de direitos humanos e instituições de democracia direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular legislativa. Mas se tais instituições têm sido levadas a sério é outra história”, frisou.