Feira do MST em SP mostra que agricultura não é só agronegócio

A III Feira Nacional da Reforma Agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que começa nesta quinta-feira (3), na cidade de São Paulo, consolida, em cenário adverso, um novo modelo de agricultura em oposição ao predomínio do agronegócio no Brasil. De acordo com lideranças do movimento, a realização da feira é uma forma de o MST prestar contas à sociedade da trajetória da luta pela reforma agrária no país.

Por Railídia Carvalho

III Feira Nacional da Reforma Agrária do MST em São Paulo - José Eduardo Bernardes/ Brasil de Fato

Além dos produtos que serão comercializados, o público que visitar a feira da reforma agrária terá à disposição seminários e shows com artistas amigos do MST. Ilê Aiyê, Otto, Martinho da Vila, Siba, Tião Carvalho, Ana Cañas, a Escola de Samba Paraíso do Tuiuti e dezenas de grupos culturais animam o evento que tem entrada gratuita. Clique AQUI para acessar a programação. A feira se encerra no domingo (5).

“É a maior feira da diversidade em agricultura do país”, declarou João Paulo, coordenador nacional do MST, durante entrevista coletiva nesta quinta no parque da água branca, na região oeste de São Paulo. São 1.100 itens que serão comercializados no espaço, vindos de 23 estados mais o Distrito Federal onde existem assentamentos do MST. No total são 330 toneladas de alimentos, desde produtos in natura até agroindustriais.

“O conflito do MST é conflito social para que o poder público possa resolver. O resultado está aqui na feira. São 1.100 produtos contra 5 do agronegócio. Eles tem soja, cana, papel e acabou. Os nossos produtos vem com a marca da diversidade e com o carimbo da agroecologia e da transição para os produtos orgânicos”, provocou João Paulo.

Na opinião de Débora Nunes, do setor de produção do MST, a feira dá visibilidade para as dimensões da vida dos sem terra. “A dinâmica camponesa, a culinária da terra, com mais de 20 cozinhas que trouxemos, a cultura camponesa com a mística e a forma de se organizar. É uma possibilidade de quem está na cidade conhecer o cotidiano dos sem terra e também se inserir no debate da produção dos alimentos saudáveis”, explicou.

Diálogo através da produção

Para a dirigente a feira estreita o diálogo com a sociedade. “A reforma agrária se realiza no campo mas é construída na sociedade. Os benefícios gerais da reforma agrária não são apenas para o sem terra mas para todos, no campo e na cidade. Vemos que a crítica ao movimento se dissolve quando as pessoas vêm à feira. Na última feira tivemos recorde de visitantes”, completou Débora.

“É preciso esclarecer que a crítica que se faz ao movimento é ideológica e não pela nossa capacidade de produção”, reiterou João Paulo. Segundo ele, os assentamentos do MST, que ocupam 1% do território nacional agricultável, estão entre as maiores áreas de produção agrícola do Brasil. Os assentamentos ocupam 8 milhões de hectares diante dos 60 milhões de hectares do agronegócio. São 1 milhão e 100 mil famílias assentadas no país, destas 400 mil são organizadas dentro do MST e estão distribuídas em aproximadamente 1.226 municípios.

Alternativa ao negócio

João Paulo classificou como “tragédia” a diferença entre o investimento de recurso público para a agricultura familiar e aquela que é destinada ao agronegócio. Ele lembrou que investimentos públicos ainda no governo Dilma destinaram 232 bilhões de reais para o agronegócio e 32 bilhões de reais para a agricultura familiar.

“Desses 32 bilhões, 1 bilhão foi para o assentamento da reforma agrária. 232 bi para o agronegócio e 1 bi para a produção camponesa ai fica fácil para o agronegócio. Eles não consideram ambiente, o agricultor, o consumidor. Na feira de Ribeirão só tem máquina. Não reconhecemos como agricultura mas como modelo de negócios. Vamos disputar com eles a produção de alimentos saudáveis. Que eles mostrem os deles que mostramos os nossos”, enfatizou João Paulo.

Maior produtor de arroz orgânico da América Latina, o MST vê despontar outros produtos como o leite orgânico e também a produção de cacau e chocolate orgânicos. “A produção do arroz é uma das experiências mais bonitas do MST. É uma cooperativa coletiva de 11 mulheres que foram construindo tecnologia própria de produção. É muito conhecimento desenvolvido coletivamente pelos camponeses”.

João ainda ressaltou a capacidade dos assentamentos de industrializar os produtos para que cheguem aos grandes centros. “O melhor é garantir que esses produtos sejam destinados à merenda escolar”, completou.

Desmonte no campo: Política oficial do golpe

A III Feira também traz a marca da defesa da democracia e contra o aprofundamento do fascismo no Brasil. A realização em maio também é para fortalecer a luta da classe trabalhadora brasileira atingida pelo golpe parlamentar de 2016. O desmonte também atingiu a luta pela reforma agrária. Débora listou alguns dos programas que foram desmontados pelo governo de Michel Temer, entre eles, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alfabetização da Reforma Agrária (Pronera). Ela ainda enfatizou o retrocesso na política de assentamento em 2017 e que deve se repetir em 2018.

“Os próprios dados mostram que não tem nenhuma família assentada em 2017. E isso é uma direção política do governo Temer. Foram extintos programas que tinham contribuído para o processo de organização da produção e comercialização como o PAA. Tem ainda os cortes nos programas de eletrificação rural , como o Luz para Todos, que no formato atual não atende às demandas da reforma agrária”, enumerou Débora.

Outra medida do governo Temer denunciada por Débora é a titulação de terras que permite ao governo vender terras públicas, inclusive áreas onde existem acampamentos ou assentados da Reforma Agrária. “Não assenta famílias novas mas estimula a privatização de terras públicas. Com a proposta do governo as pessoas podem vender assentamentos que pertencem a 50 pessoas e que podem se tornar propriedade de apenas 5 pessoas. Reconcentra terras e coloca mais famílias à margem da sociedade”, explicou Débora.

Resistente por natureza

“Mas nem todas eles ganham”, afirmou João Paulo. Ele admitiu que o desmonte de programas de democratização do conhecimento no campo podem ter efeitos irreversíveis mas destacou a força da atuação do MST em barrar retrocessos. “Não passou a venda de terras para estrangeiros, de terras de áreas de fronteiras. Seguramos a liberação de alguns produtos transgênicos quando queriam liberar todos. Apesar do desmonte do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) o Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra) ainda segue resistindo. Barrar a reforma da Previdência foi também uma vitória”, listou João.

Produzir alimentos saudáveis é atualmente o principal objetivo do MST, deliberado no 5º Congresso da entidade. “É uma mudança radical ter como principal objetivo para dentro e para fora do movimento a produção de alimentos saudáveis. Aí tem toda uma mudança na organização da produção e na consciência das famílias e o melhor é o diálogo com a sociedade. Aqui em São Paulo é uma mostra do que acontece nos estados. Alagoas faz essa feira há anos. O nosso esforço em São Paulo é que a esquerda, o movimento popular, a imprensa, os formadores de opinião possam ver o que já acontece no MST pelo Brasil”, reiterou o dirigente.

De acordo com ele, combinado a esse objetivo está a natureza do MST, de feição popular, sindical e política. “Essa combinação tem que estar junto. Não podemos perder o viés sindical para a melhoria de vida da nossa base e tem que estar atento às pautas e as pautas que nos orientam é a defesa da democracia, por isso a luta contra o golpe, e também a defesa da biodiversidade da natureza contra a desigualdade social”.

Criminalização dos movimentos de moradia em São Paulo

Débora e João Paulo declararam solidariedade às famílias que ocupavam o prédio que desabou no dia 1º de maio no centro de São Paulo. “Não é real a cobrança de taxa divulgada pela imprensa. Cada organização tem sua organização de subsistência. Prestamos aqui a nossa solidariedade aos movimentos populares e de moradia de São Paulo”, afirmou João.

“Mais uma vez em vez de fazer o debate estrutural se procura criminalizar o movimento social. No Brasil tanta terra improdutiva e os trabalhadores morrem pela terra. Em São Paulo tantos prédios ociosos e tanta gente sem teto. É preciso ter disposição para enfrentar isso e nós temos”, declarou Débora. O MST vai se comunicar com as famílias desabrigadas para colaborar com as famílias.